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Nancy Bocken

Em vez de eliminar completamente o conceito de economia circular, os líderes empresariais e os decisores políticos devem dar prioridade à autossuficiência em detrimento da reciclagem.

Por Nancy Bocken

Ken Pucker defende, de maneira convincente, a necessidade de alterarmos nossa perspectiva a respeito de como deve ser uma economia circular sustentável – sem greenwashing ou meras mudanças graduais. Suas críticas estão alinhadas ao que meus colegas e eu chamamos de “economia circular baseada na suficiência”, na qual estratégias de reutilização, redução e reavaliação de consumo são priorizadas em detrimento de estratégias de reciclagem.

Em nossos estudos, investigamos de que maneira as em- presas podem adotar estratégias mais desafiadoras, tais como suficiência ou menos consumo de produtos no total. Ao analisarmos 150 empresas que promovem o consumo sustentável em dife- rentes setores, descobrimos que apenas 30 delas questionam publicamente a necessidade de consumo ou desestimulam
vendas desnecessárias. Em outras palavras, a suficiência ainda é uma prática de nicho. Enquanto a minoria das empresas estudadas busca essas estratégias mais radicais, outras desestimulam, indiretamente, o consumo desnecessário, favorecendo maior vida útil para um produto – oferecendo, por exemplo, garantias estendidas ou serviços de conserto.

Pucker critica a economia circular por ser uma “distração” e um “obstáculo” em potencial para lidar com o consumo insustentável. Em vez de descartar o conceito de economia circular por completo, acredito, assim como Pucker, que empresas e legisla- dores devem priorizar a suficiência, em vez da reciclagem.

De acordo com Pucker, empresas do mundo da moda não são suficientemente diretas em seus esforços circulares. É fato que algumas das maiores empresas concentraram-se primordialmente em estratégias de eficiência e reciclagem que proporcionam ganhos financeiros imediatos e que elas não são responsabilizadas por seus impactos ambientais e sociais. Mas há algumas exceções notáveis, incluindo legislações como o Fashion Sustainability and Social Accountability Act de Nova York.

Esforços de sustentabilidade, contudo, não devem ser fomentados apenas por legislações; devem também partir das empresas. Em seu livro Net Positive, Andrew Winston e Paul Polman defendem que as empresas ampliem sua influência positiva para além de suas práticas, o que incluiria evitar consumo e produção desnecessários. Afirmam, ainda, que ampliar tal influência é uma oportunidade para as empresas se man- terem competitivas a longo prazo – estando, por exemplo, à frente da legislação e permanecendo atraentes para clientes, parceiros da cadeia de suprimentos e empregados. O exemplo de Paul Polman, que defende um papel maior e mais positivo para os negócios na sociedade desde a época em que era CEO da Unilever, deve servir de inspiração para os demais.

Pucker critica modelos de negócio circulares por não serem ampliáveis. De fato, a teoria da inovação indica que empresas passam a maior parte de seu tempo explorando seu modelo de negócio e otimizando o que é conhecido, e não explorando oportunidades novas. Devemos elogiar empresas que abertamente desafiam seus modelos de negócio lineares testando novos modelos. Impulsionada pela futura legislação da União Europeia, a Ikea passou a disponibilizar peças de reposição para seus móveis com mais rapidez, além de ter testado a oferta de produtos de segunda mão. A H&M tem uma iniciativa que ajuda clientes a consertarem suas roupas para aumentar sua vida útil. Diversas corporações – incentivadas pela legislação, pelo interesse dos clientes e por organizações – começaram a desenvolver visões de economia circular que as levaram a desafiar seus modelos de negócio lineares. Contudo é importante observar que adotar um modelo de negócio circular demora, porque as empresas não podem abandonar habilidades, ativos, práticas e a base de empregados da noite para o dia.

O caminho para que as empresas compreendam quais modelos de negócio funcionam na prática se dá por experimentação e tentativa. É verdade que o ritmo pode ser bem maior do que o adotado por muitas empresas atualmente. Porém os programas-piloto das empresas devem ser aplaudidos, uma vez que sinalizam que tanto elas como nós, consumidores, devemos começar a mudar nossos comportamentos.

Pucker apresenta quatro formas de promover a circularidade por meio de políticas públicas; vou me concentrar no consumo excessivo, porque está no cerne das questões de sustentabilidade em muitos setores. Ele menciona a necessidade de aumentar impostos. Embora isso possa reduzir o consumo total de itens da indústria da moda, o aumento dos preços afetaria, de maneira desigual, os consumidores mais pobres.

Uma medida mais radical seria estabelecer limites para o uso, na venda e no consumo de recursos. Exemplos possíveis seriam cotas para viagens aéreas anuais, quilometragem do carro e tarifas progressivas de combustível e eletricidade, em que estes se tornassem mais caros conforme aumenta seu uso. Essas políticas poderiam ser adotadas gradualmente, por meio do aumento de impostos sobre algumas das indústrias menos sustentáveis (aviação, automotiva, pecuária), e as receitas poderiam ser usadas para desenvolver alternativas mais limpas. Por fim, deve-se regulamentar a obsolescência programada e o marketing de produtos que fomentem padrões de consumo não sustentáveis.

Assim, soluções para a mudança climática não devem ser deixadas apenas nas mãos de legisladores e empresas. Nós, como cidadãos globais e consumidores de produtos e serviços, também devemos participar. Um estudo de 2017, conduzido por pesquisadores da Universidade de Lund, na Suécia, destaca a importância das escolhas pessoais para ajudar a solucionar a crise climática.

O que comemos, como nos deslocamos e o que compramos afeta nossa pegada de carbono. Ao adotar modelos de negócio baseados na reutilização de produtos, compartilhamento de automó- veis e prevenção de desperdício alimentar, podemos nos tornar parte da transição para a economia circular.

A AUTORA

Nancy Bocken é professora de negócios sustentáveis no Maastricht Sustainability Institute (MSI) da Universidade de Maastricht. É também membro do Cambridge Institute for Sustainability Leadership, do conselho da Fundação Philips e consultora na TNO, organização holandesa de ciências aplicadas, além de cofundadora da HOMIE, empresa sustentável.



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