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Debate: Maxine Bédat

Os financiadores devem analisar a forma de promover, de forma realista, progressos mensuráveis no que diz respeito à sustentabilidade na indústria da moda.

Por Maxine Bédat

O artigo de Ken Pucker descreve claramente tanto as barreiras à circularidade quanto suas limitações práticas para enfrentar o desafio de viver em um planeta dotado de recursos finitos. Seu conjunto de recomendações também é útil para promover um progresso mensurável na aceitação de práticas circulares na indústria da moda. Porém, diante das limitações que ele descreve, devemos considerar o que precisa acontecer para que essas recomendações sejam implementadas de forma realista. A solução não é tão simples quanto afirmar que “precisamos de regulamentação” ou que “precisamos consumir menos”. Todos os que nos interessamos por mudanças sistêmicas temos de lidar com “comos”, e não apenas com os “quês”.

Há que analisar as relações entre a crítica que Pucker faz e suas recomendações. A primeira barreira que ele opõe à circularidade, “incentivos e objetivos sistêmicos inalterados”, por exemplo, critica incentivos de empresas de capital aberto vinculados ao crescimento de receita a curto prazo e à maximização de lucro. No entanto, essa barreira é um obstáculo para que a indústria adote sua segunda recomendação, “regular de maneira eficaz”. Como os executivos da moda são incentivados financeiramente a gerar receitas e aumentar lucros a curto prazo, são igualmente incentivados a bloquear regulamentações capazes de restringir esse crescimento, um padrão que de fato testemunhamos no setor da moda atualmente. Enquanto organizações e pessoas, inclusive eu, trabalham para promover o Fashion Sustainability and Social Accountability Act do estado de Nova York, lei que estabelece pisos ambientais e trabalhistas para a produção no mundo da moda, empresas e associações comerciais da indústria silenciosamente contratam lobistas para desabonar a legislação proposta, ao mesmo tempo que promovem suas próprias iniciativas limitadas de circularidade.

O que tampouco se avalia no artigo de Pucker é o papel que desempenham organizações sem fins lucrativos cooptadas pelo mundo corporativo – parte delas da Sustentabilidade S.A. – para impedir o progresso rumo à sustentabilidade. “Cooptação corporativa” é o fenômeno no qual a indústria exerce seu poder para controlar o processo de tomada de decisão em um domínio específico, neste caso, a autoridade tomadora de decisões em organizações sem fins lucrativos. Apesar da benevolência supostamente inerente a sua atuação, essas entidades dão a financiadores e cidadãos em geral uma falsa esperança de que estão efetivamente lidando com questões de sustentabilidade. A consequência dessa propaganda falsa é a absorção de dólares que poderiam ir para medidas mais efetivas, como regulamentações. Destinar recursos a essas organizações apenas mantém o status quo da Sustentabilidade S.A.

Ainda que legalmente, essas organizações devam ter um propósito benevolente, nada na lei especifica o ritmo ou a eficácia da entidade em promover mudanças. E como essas organizações sem fins lucrativos sofrem “cooptação corporativa”, elas estabelecem metas voluntárias e gelidamente lentas que, caso não sejam cumpridas, não terão consequências sérias – enquanto isso, geleiras de verdade derretem rapidamente. A melhor analogia para o trabalho enganoso das organizações sem fins lucrativos da Sustentabilidade S.A. foi feita por Tariq Fancy, ex-diretor de TI de investimento sustentável da BlackRock: é como se um médico dissesse a um paciente com câncer que ingerisse grama de trigo, tendo quimioterapia à disposição. O planeta enfrenta um problema grave de saúde, e entidades sem fins lucrativos coopta- das estão vendendo a grama de trigo das medidas voluntárias e lentas, sendo que os legisladores têm à sua disposição quimioterapia na forma de metas de sustentabilidade legalmente impostas. Financiadores que buscam realizar progressos mensuráveis devem evitar se distrair com as organizações sem fins lucrativos da Sustentabilidade S.A. e, em vez disso, empregar recursos para combater esforços corporativos lobistas e ajudar a aprovar o tipo de regulamentação recomendada por Pucker.

Fundações e doadores comprometidos com mudanças estruturais também precisam examinar suas limitações estruturais para o financiamento de esforços lobistas e, então, pensar em novos meios filantrópicos, como instituições de promoção do bem-estar social capazes de promover esses esforços de maneira mais fluida do que as entidades isentas de impostos. Os recursos financeiros podem, então, ser utilizados tanto para defender soluções políticas específicas como para educar os cidadãos sobre a Sustentabilidade S.A. e o papel poderoso que exercem na exigência por mudança e responsabilização – não de empresas, mas de seus representantes eleitos, que são capazes de garantir que soluções regulamentadoras sejam transformadas em leis.

A regulamentação eficaz é peça-chave para que a indústria adote as demais recomendações de Pucker. Por exemplo, uma lei que exija que empresas da moda cumpram metas com base na ciência certamente acelerará o investimento do setor em soluções inovadoras e na colaboração intersetorial, uma vez que todos terão de se adequar, forçando-os a investir recursos e a colaborar entre si para isso. Concordo com Pucker que utilizar o poder coercitivo do Estado – especialmente sua capacidade de fomentar multas – promove obediência corporativa.

Para seguir todas as recomendações de Pucker e, em última análise, alcançar a sustentabilidade, precisamos que aqueles que se consideram parte da Sustentabilidade S.A. – da qual Pucker já foi parte – tenham coragem de afirmar publicamente as coisas que os ouvi dizer em particular, mesmo quando essas afirmações se choquem com a maximização do lucro a curto prazo. Depois, precisamos que cidadãos e doadores compreendam o papel que desempenham, tanto como incentivadores da fantasia promovida pela Sustentabilidade S.A. quanto como catalisadores da luta por legislações que ofereçam salvaguardas contra o capitalismo.

Claro que nenhuma dessas tarefas é fácil. Porém liderar exige projetar a rota para que o sistema de mercado prospere em um planeta com recursos e tempo escassos, e precisamos de uma liderança resoluta agora.

 

A AUTORA

Maxine Bédat é diretora do New Standard Institute e autora de Unraveled: The Life and Death of a Garment.



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