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Debate: Dominique Drakeford

Atualmente, todos os aspectos predominantes do discurso e da prática da sustentabilidade estão centrados nos brancos. Está na hora de mudar isso.

Por Dominique Drakeford

Foi reconfortante ler a análise de Ken Pucker sobre o papel da moda na crise climática e acerca de como as empresas se comprometeram com a propaganda do modelo circular apesar de continuarem apegadas à lucratividade. No entanto, embora seja louvável que especialistas em sustentabilidade e profissionais do mundo empresarial como Pucker comecem a esmiuçar modelos de negócios lineares, eles seguem ignorando o ecossistema – há muito existente – das ideias e ações de negros, pardos e indígenas a respeito da circularidade.

Como mulher negra com mais de 15 anos de experiência em pesquisa independente e educação alternativa, venho defendendo uma mudança de paradigma na questão da sustentabilidade para que ideias e práticas decoloniais ocupem o cerne das discussões. Atualmente, todos os aspectos predominantes no discurso e na prática da sustentabilidade centram-se em pessoas brancas. Críticas como a feita por Pucker não levam em conta como a supremacia e a colonização brancas – os séculos de sistemas escravocratas que fundamentaram a economia capitalista internacional, a extração de terras e recursos indígenas, bem como a contínua exploração da propriedade intelectual negra e parda – afetam os esforços de circularidade.

A intrincada devastação causada pela crise climática – desde relatórios terríveis sobre emissões de carbono a eventos extremos cada vez mais frequentes – deveria nos forçar a enfrentar suas raízes profundas, que se cruzam com a colonização, o racismo e o capitalismo. Na verdade, líderes na área da sustentabilidade estão focados em ajeitar os caules, os galhos e as folhas da árvore, e não em enfrentar o sistema colonial do setor da moda e os nutrientes capitalistas que mantêm viva a árvore invasora.

Especialistas em sustentabilidade, por exemplo, seguem clamando por transparência na cadeia de suprimentos. Contudo, criticar a cadeia de suprimento dos negócios corporativos, descartar relatórios ambientais mecânicos que amparam estratégias de descarbonização e desmontar ferramentas de responsabilização (certificados, por exemplo) que não oferecem métricas padronizadas é fácil. Essas críticas se tornaram redundantes e claramente não levaram a nenhuma melhora significativa no modo como fazemos negócios ou preservamos o meio ambiente. Chamo esse foco seletivo em fatores climáticos secundários e seus efeitos de nossa “crise climática colonial” e acredito que essa seja a principal barreira à circularidade.

Esforços de circularidade continuarão a patinar até que esmiucemos a questão da colonização e criemos um arcabouço analítico fundado na propriedade intelectual e na expertise de pessoas racialmente marginalizadas.

Em meu próximo livro sobre sustentabilidade cultural negra, digo que esse arcabouço deve considerar os efeitos sistêmicos do colonialismo, do racismo contra negros e do racismo ambiental e, ainda, incorporar reparações ecológicas para negros e afro-indígenas descendentes da escravidão.

Aqueles na indústria da moda que buscam enfrentar as raízes profundas da nossa crise climática e promover soluções para isso podem começar fazendo as seguintes perguntas:

– Como eram as indústrias regenerativas de tecido e a tecnologia têxtil antes da colonização?

– Como o comércio transatlântico de escravos financiou a “explosão do algodão” e deu origem à multibilionária indústria da moda atual?

– Como o capitalismo, o expansionismo europeu e a Revolução Industrial iniciaram e promoveram o esgotamento de recursos, o desperdício e o descarte da agricultura, da mão de obra e da propriedade intelectual dos negros?

– Quais são os fatores que mantêm o esgotamento de recursos e a exploração da mão de obra por meio de práticas de extração e desapropriação de terra e desalojamento de povos nativos?

– De que maneira a antinegritude molda o discurso da sustentabilidade? Quem está criando as medidas e os arcabouços analíticos usados para avaliar a sustentabilidade?

– Qual a importância das reparações ecológicas para reverter a crise colonial climática?

– Quais são as vanguardas negras e indígenas que criaram modelos para desenvolver sustentabilidade e de que maneira podemos incorporar, de forma igualitária, suas práticas e ideias a sistemas de mudança mais amplos?

Essas questões abordam o que eu acredito serem os três pilares do atual sistema de colonização: política (controle do acesso); educação (controle da informação); e marketing (controle da percepção). Além disso, fazem com que cada um avalie suas fontes e redes de conhecimento para dar início ao trabalho de descentralização da branquitude em suas ações de sustentabilidade. Nosso trabalho de sustentabilidade só pode promover um impacto profundo se pesquisarmos, investirmos, aprendermos e valorizarmos, de forma igualitária, o conhecimento e a prática negra, parda e indígena, Devemos decolonizar a circularidade para provocar mudanças tanto em nosso modo de pensar quanto nas políticas coletivas.

A AUTORA

Dominique Drakeford é mãe, educadora alternativa de justiça ambiental, escritora, pesquisadora independente e contadora de histórias criativas. Participou da fundação da Sustainable Brooklyn e trabalhou em diversos programas e projetos regionais e internacionais que promovem sustentabilidade cultural.



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