Colaboração

Como combater a polarização

Histórias pessoais que destacam a humildade e a vulnerabilidade podem superar a desconfiança e a polarização

Por Daniela Blei

 

Histórias pessoais podem combater a desconfiança e a polarização
Ilustração de Ben Hickey

Estudiosos vêm monitorando a polarização no mundo há décadas, produzindo dados que demonstram aumentos históricos nos últimos anos. Alguns pesquisadores relacionam a polarização à queda da confiança social, enquanto outros alertam para retrocessos democráticos e o aumento da desigualdade econômica. A polarização afeta não só a vida pública, mas também locais de trabalho e relações pessoais.

Um novo estudo de David Hagmann, professor assistente de administração na Faculdade de Administração da Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong; Julia Minson, professora adjunta de políticas públicas na Harvard Kennedy School; e Catherine Tinsley, professora de administração na McDonough School of Business da Universidade de Georgetown, oferece um antídoto: uma estratégia de comunicação chamada “narrativa pessoal autorreveladora”. Segundo os pesquisadores, é possível estabelecer confiança mútua e reduzir a polarização quando indivíduos compartilham histórias pessoais que demonstram sua vulnerabilidade e humildade.

“Quando as pessoas percebem que discordam de alguém com relação a um tema, seu primeiro instinto é tentar convencer a outra pessoa de que ela está errada”, diz Hagmann. Minson e ele debateram as evidências conflitantes sobre a eficácia de diversas estratégias de persuasão e indagaram se a persuasão não seria a medida de resultado errada. Sua pesquisa começou com uma pergunta: e se a construção de confiança interpessoal, em vez de tentativas de convencimento, for mais propícia à superação das divisões ideológicas?

Em cinco estudos, eles testaram o papel da “narrativa pessoal autorreveladora” na criação de confiança entre indivíduos de diferentes posições ideológicas. “Não se trata de qualquer narrativa”, diz Hagmann. “Não adianta eu te contar uma história sobre alguém que conheço e que tem um problema. Mas se eu contar uma história pessoal minha, e especialmente se eu admitir alguma fraqueza ou revelar alguma coisa potencialmente embaraçosa, a outra pessoa vai pensar: ‘Ele não está mentindo para mim. Ele tem uma experiência que molda a sua crença’.”

Em seus experimentos com centenas de participantes, os pesquisadores trabalharam para criar narrativas sobre diversos temas, associando cada história a uma mensagem fundamentada em dados. Por exemplo, se a causa da divergência de opiniões era o aumento do salário mínimo em Seattle, a mensagem baseada em dados que partia de alguém contrário à política era compartilhada assim: “Eu moro em Seattle, onde estudos demonstram que pequenas empresas tiveram de demitir trabalhadores. Os preços subiram em algumas lojas.” Já a narrativa pessoal autorreveladora, também de um morador de Seattle, expressava que, após o aumento do salário mínimo, a pessoa havia perdido seu emprego e estava tendo dificuldades em encontrar trabalho. Consequentemente, sua família estava passando por uma fase difícil. Para o ouvinte, a demonstração de vulnerabilidade aumentava a credibilidade.

“Descobrir maneiras de conciliar divergências é mais crucial do que nunca”, diz David Broockman, professor de ciência política na Universidade da Califórnia em Berkeley. “Essa nova pesquisa demonstra o potencial das narrativas de ajudar a enfrentar esse desafio.”

Os pesquisadores descobriram que narrativas baseadas em dados não geraram aumento nas avaliações de credibilidade. Por outro lado, histórias sobre dificuldades pessoais geraram percepções de maior confiabilidade e mesmo competência acerca do orador. Quanto mais pessoais fossem as revelações, maiores eram a vulnerabilidade percebida do orador e suas medições de confiabilidade. O grau de confiança não diminuía quando argumentos racionais baseados em dados eram incluídos nas narrativas pessoais autorreveladoras.

Essas descobertas indicam que a superação da desconfiança interpessoal é essencial para a construção da colaboração em contextos de divisão ideológica. Dados devem ser agregados a uma história pessoal que explica por que o orador tem uma determinada visão, e a história deve demonstrar sua vulnerabilidade ou as dificuldades que enfrentou. Cada vez mais, diferenças ideológicas surgem em contextos pessoais e profissionais, afetando colaborações de todo tipo. O trabalho de construção de confiança pode ajudar as pessoas a se verem de um modo diferente.

Para Hagmann, as descobertas também sugerem que pequenas alterações em questões de pesquisa podem resultar em respostas importantes. “Deve haver centenas de estudos sobre histórias e persuasão, e sobre divergências políticas e persuasão”, diz Hagmann. “Mas podemos contar nos dedos os estudos sobre dimensões além da persuasão. É tão natural pensar em mudar opiniões quando achamos que os outros estão errados que esquecemos que outros resultados podem ser tão ou mais importantes.”

Veja o estudo completo: “Personal Narratives Build Trust Across Ideological Divides”, por David Hagmann, Julia A. Minson e Catherine H. Tinsley, Journal of Applied Psychology.

A AUTORA

Daniela Blei é historiadora, escritora e editora de livros acadêmicos. Seu trabalho pode ser lido em daniela-blei.com/writing

*Artigo publicado originalmente na edição 11 da SSIR Brasilleia aqui a edição completa

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