Especial Cobertura Vacinal

Colaboração em rede para segurança individual e coletiva

Criado em 2021 para apoiar o Programa Nacional de Imunizações na recuperação das coberturas vacinais do país, o Projeto pela Reconquista das Altas Coberturas Vacinais, do Bio-Manguinhos/Fiocruz, mobilizou experiências de diversos atores, incluindo o Ministério da Saúde, conselhos de saúde, instituições de ciência e tecnologia, universidades, organizações do terceiro setor e movimentos sociais. Contando com uma estratégia de promoção do engajamento social em prol da vacinação, o projeto contribuiu para que Amapá e Paraíba, os estados atendidos, fossem os primeiros colocados no ranking de cobertura vacinal das campanhas nacionais contra a poliomielite e influenza em 2022 e 2023

Por Akira Homma, Maria de Lourdes de Sousa Maia, Isabel Azevedo e Isabella Lira

 


EM FOCO

O Projeto Pela Reconquista das Altas Coberturas Vacinais (PRCV)1, desenvolvido pelo Instituto Bio-Manguinhos/Fiocruz em parceria com a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e o Ministério da Saúde, e apoio da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), teve como objetivo criar uma ampla rede de colaboração para enfrentamento das baixas taxas de cobertura vacinal envolvendo toda a sociedade do estado do Amapá e de 25 municípios da Paraíba. O projeto foi desenvolvido entre agosto de 2021 a dezembro de 2023. 


 

Imagem ilustrativa sobre o Projeto pela Reconquista das Altas Coberturas Vacinais

Muito além do debate sobre direitos e deveres da sociedade e do Estado, estudos científicos comprovam que a vacinação é uma das principais estratégias de saúde pública para a prevenção de doenças e o enfrentamento de epidemias, surtos e pandemias. Quanto mais aumenta a cobertura vacinal contra determinada doença, mais vertiginosa a queda de sua incidência, podendo chegar à eliminação. A contenção da pandemia da covid-19, partindo da redução dos casos de óbito, passando pela crescente adesão da população à estratégia e gradualmente permitindo o retorno à normalidade do convívio social, foi uma prova do impacto da vacinação para a sociedade.

A missão do Instituto Bio-Manguinhos como unidade da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) é desenvolver e produzir vacinas, biofármacos e reativos para diagnóstico laboratorial necessários aos programas de saúde do país. Mas o instituto resolveu “arregaçar as mangas” e dar sua contribuição para o aumento da vacinação no país. Como o binômio Vacinas&Vacinações (V&V) precisa avançar em conjunto, o Bio-Manguinhos propôs o Projeto Pela Reconquista das Altas Coberturas Vacinais (PRCV) como uma estratégia de promoção do engajamento social em relação à da vacinação. Desde sua criação, o instituto vem tendo uma trajetória de evolução e crescimento movida a grandes desafios de saúde pública. O PRCV veio enriquecer essa trajetória, com suas ações e resultados em prol da vacinação no Brasil. 

O PRCV foi criado em 2021 para apoiar o Programa Nacional de Imunizações (PNI) na recuperação das coberturas vacinais do país, em crescente queda desde 2013. Organizado em três eixos – Vacinação, Sistemas de informação e Comunicação e Educação –, o projeto atuou em uma escala piloto para a identificação das causas das baixas coberturas vacinais e para a construção de soluções efetivas a partir de diferentes realidades territoriais. Teve como diretrizes o engajamento social e a atuação na ponta do Sistema Único de Saúde (SUS) por meio de uma metodologia participativa, construtiva e emancipatória.

O foco de atuação do programa deu-se em todo o estado do Amapá, que em 2020 apresentou a mais baixa cobertura vacinal do país, e na 1ª Gerência Regional de Saúde da Paraíba, também com baixo desempenho na época. No total, 41 municípios foram contemplados: 16 do Amapá e 25 da Paraíba (incluindo a capital João Pessoa). O PRCV enfrentou desafios únicos, desde a logística na região amazônica até a mobilização comunitária nas favelas da Paraíba. No entanto, com uma metodologia adaptada às realidades locais, conseguiu superar barreiras e alcançar resultados significativos. O trabalho contribuiu para que ambos os estados fossem os primeiros colocados no ranking de cobertura vacinal das campanhas nacionais de vacinação contra poliomielite e influenza em 2022 e 2023.

Com o uso estratégico da comunicação e a articulação de diferentes atores envolvidos nas ações de imunização do país, construiu-se uma ampla rede solidária constituída por instituições, organizações e movimentos sociais, associações comunitárias e poder público. O projeto também contemplou o desenvolvimento de ações estruturantes para formar novas lideranças e conectar diferentes públicos por meio de canais permanentes de produção e troca de conteúdos com linguagem acessível, tendo como base as experiências da popularização da ciência e as realidades locais. Entre as várias iniciativas bem-sucedidas implementadas no âmbito do eixo de Comunicação e Educação ao longo de dois anos, discutiremos aqui as experiências dos Jovens Comunicadores e da Exposição Vacina! como potentes instrumentos da comunicação estratégica para o engajamento social com foco no aumento das coberturas vacinais.

Muito além da pandemia…

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o binômio V&V tem salvado anualmente 3 milhões de vidas, demonstrando ser um instrumento fundamental para o enfrentamento das doenças imunopreveníveis. Vários estudos evidenciaram que o V&V é de altíssimo custo-benefício, resultando em diminuição de mortes e sequelas de doenças e sofrimento das famílias. Além disso, a vacinação melhora a qualidade de vida da população, evitando dispêndios desnecessários no tratamento das doenças, além de possibilitar uma enorme economia na assistência médica dos países.

Foi pelo V&V que o mundo erradicou a varíola, eliminou viroses como a poliomielite, o sarampo e a rubéola e controlou a recente pandemia da covid-19. Sem dúvida, contribuiu de forma substantiva para o aumento da expectativa de vida da população. No Brasil, de 45 anos na década de 1970, passamos para 75 anos hoje, um aumento de 30 anos de vida! 

Apesar de todas as conquistas alcançadas e em função do consequente desaparecimento dessas doenças, a cobertura vacinal tem registrado uma queda brutal no mundo, o que em 2019 levou  a OMS a eleger a hesitação vacinal como um dos dez mais importantes problemas de saúde pública global. Em particular no Brasil, a partir de 2015 as coberturas vacinais começam a cair, mesmo com as campanhas anuais de vacinação multivalente organizadas pelo governo federal e iniciativas como o Movimento Nacional pela Vacinação, lançado em 2023. 

Todas as ações para promover a vacinação, incluindo a recém-implementada metodologia do microplanejamento pelo PNI, são muito importantes e o incremento da cobertura vacinal deverá aparecer a médio e longo prazos. Por ora, o monitoramento, mais aprimorado, detectou uma cobertura vacinal maior na maioria dos estados brasileiros, embora muitos ainda precisem melhorar.

As baixas coberturas vacinais são potencialmente perigosas porque abrem espaço para a volta das doenças já eliminadas ou controladas pela vacinação, como têm alertado inúmeros artigos e reuniões científicas. Em face da enorme mobilidade das populações, enquanto houver uma determinada doença no mundo seu agente infeccioso pode atingir regiões remotas se espalhar cada vez mais. Um exemplo é o caso da poliomielite, com dois países apresentando casos da doença por vírus selvagem – Afeganistão e Paquistão – e outros 6-8 países com casos originados a partir do vírus derivado de vacina de vírus vivos atenuados. Alguns países já tiveram casos de vírus importados e foram obrigados a realizar campanhas de vacinação para evitar a expansão do vírus. Apesar desses alertas, a baixa cobertura vacinal se agravou ainda mais com a pandemia da covid-19.

Em um cenário em que a hesitação vacinal e a desinformação ameaçam a saúde pública, o Brasil tem se destacado com iniciativas inovadoras para recuperar suas coberturas vacinais, entre as quais o PRCV. Exemplo dessa luta, o projeto traz uma estratégia diferenciada de atuação na ponta do SUS e de estabelecimento de uma ampla rede de solidariedade interinstitucional pela vacinação no país. 

O resgate dos princípios de construção do SUS

O PRCV recuperou elementos NORTEADORES dos primórdios da criação do SUS que remetem à descentralização e à participação social. Nesse sentido, além de promover o fortalecimento do pacto federativo, no qual os níveis federal, estadual e municipal devem assumir cada um as próprias responsabilidades, o PRCV conta com a participação da sociedade para lhe conferir maior legitimidade, desde a formulação de políticas públicas de saúde, passando por sua execução, independentemente da esfera, e, em especial, pelo controle social, inclusive organizando conferências de saúde periódicas. Em 2021, as relações entre os diferentes níveis de governo, mesmo com os conselhos de controle social, encontravam-se fragilizadas em função da conjuntura política negacionista imposta pelo governo federal, que fragilizava o pacto federativo.

 

As baixas coberturas vacinais são potencialmente perigosas porque abrem espaço para a volta das doenças já eliminadas ou controladas pela vacinação, como têm alertado inúmeros artigos e reuniões científicas

Toda a atuação do projeto contou com a participação dos três níveis federativos: começando pela Secretaria de Atenção Primária em Saúde (Saps) e a Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente (SVSA), do Ministério da Saúde, passando pelas secretarias estaduais e municipais de saúde e chegando até a ponta junto aos coordenadores municipais de imunizações e atenção primária e seus vacinadores.

A metodologia baseada na construção conjunta com os atores locais para cada atividade exigiu uma flexibilidade no planejamento e na execução do plano de ação, e conferiu aderência, legitimidade e apropriação das ações realizadas nas rotinas de imunizações por parte dos profissionais de saúde e de parcelas da população dos 41 municípios.

O PRCV foi discutido e aprovado pela então presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, e pelo secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Arnaldo Correa de Medeiros. Além disso, contou com a participação do PNI e da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e o apoio da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). O projeto também foi discutido com o Conselho Nacional da Saúde, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), passando pelas Comissões Intergestores Bipartite e Regional (CIB e CIR). 

Articulação para uma ampla rede de colaboração

A metodologia aplicada baseia-se na pesquisa-ação, com triangulação de dados e experiências de diversos atores, incluindo o Ministério da Saúde, conselhos de saúde, instituições de ciência e tecnologia, universidades, organizações do terceiro setor e movimentos sociais. A abordagem utilizada foi integradora, partindo de diagnósticos situacionais rápidos e participativos envolvendo os profissionais de saúde locais. Além de dados secundários, houve a busca de informações existentes, aplicação de formulários online, realização de entrevistas e oficinas e acompanhamento de ações locais para resolução de problemas.

Além da forte articulação de diferentes atores inter e intra níveis federativos, que incluiu mediação junto às áreas de vigilância e atenção primária, o projeto também formou parcerias com diversas instituições, que passaram a entender e apoiar as ações de imunizações de seus estados e municípios colaborando para seu sucesso. 

Durante o processo, desenhou-se um passo a passo replicável, porém sem a pretensão de que seria exatamente da mesma maneira em quaisquer contextos, já que não há métodos universais sempre eficazes para problemas cuja complexidade inclui fatores locorregionais que precisam ser considerados. Ainda assim, o desenho não deixou de apontar para aprendizados que possam ampliar a capacidade de avanço em situações diversas, especialmente quando se pretende reconhecer, respeitar e estimular o protagonismo das pessoas que atuam na ponta do sistema.

O método operado pelo PRCV foi consolidado em oito passos (ver quadro abaixo).

A sustentabilidade das ações após o término do PRCV foi uma preocupação ao longo de todo o processo. Por esta razão, os Planos Municipais Pela Reconquista das Altas Coberturas foram aprovados nas instâncias formais do SUS, bem como foram estabelecidas parcerias com instituições locais que pudessem garantir sua continuidade. Também buscou-se reforçar as políticas públicas e o pacto federativo pela vacinação, com responsabilidades dos entes federal, estadual e municipal.

 


8 passos para a Reconquista das Altas Coberturas Vacinais

1 – Diagnóstico situacional: conhecer os estudos e as informações sobre o território 

O diagnóstico situacional apontou diversas causas das baixas coberturas, mas para efeito deste artigo enfatizamos os aspectos relacionados às questões de comunicação e mobilização social, como a falta de informação sobre V&V, desinformação, a circulação de fake news nas redes sociais e de informações com forte viés negacionista contra os avanços científicos e tecnológicos e a eficácia das vacinas e das vacinações.

 

2 – Mobilização

Após o diagnóstico, o passo seguinte foi a mobilização social, apresentando o PRCV com uma estratégia diferenciada. Nela, buscou-se a participação dos verdadeiros protagonistas (os vacinadores e todos os envolvidos na V&V) nas discussões junto à sociedade civil, quando eram apresentados dados e informações sobre a importância da vacinação, sobre a qualidade dos imunizantes e os benefícios que a vacinação propicia. Inúmeras reuniões foram realizadas nas comunidades, com poder público, entidades organizadas públicas e privadas identificadas como importantes interlocutores da sociedade local, com participação da universidade federal de cada estado, Pastoral da Criança (Igreja Católica), Central Única das Favelas (CUFA), lideranças das comunidades, Procuradoria Federal, entidades religiosas, Rotary Club, Lions e outras organizações.

 

3 – Criação de Planos Municipais pela Reconquista das Altas Coberturas Vacinais (PMRCV)

Ao longo dos dois passos anteriores, identificou-se que os respectivos Planos Municipais de Saúde não contemplavam atividades de V&V, o que levou à proposta da elaboração dos PMRCV, com o protagonismo dos coordenadores estaduais e municipais de imunizações e atenção primária, bem como vacinadores. O propósito era anexá-los aos Planos Municipais de Saúde. A articulação ocorrida durante a mobilização viabilizou o envolvimento das universidades federais como mediadores no processo junto à equipe do PRCV, portanto uma ação efetiva de engajamento do ensino superior nas atividades de imunizações.

Os planos concluídos foram validados pelos secretários municipais de Saúde, apreciados e homologados pelas respectivas Comissões Intergestores Regionais (CIR) e Bipartite (CIB). Assim, passaram a ser documentos formais do SUS nos níveis municipal, regional e estadual, em que estão registradas as atividades e ações a realizar, com metas e prazos, monitoradas por meio de uma ferramenta informatizada desenvolvida especialmente para isso (Sistema de monitoramento do PRCV), desta forma orientando as autoridades e profissionais envolvidos nesses territórios.

4 – Capacitação para profissionais de saúde

A partir do mapeamento das fragilidades de conhecimento, foram organizadas diversas capacitações em programas de imunizações, calendários vacinais e sistemas de informação para qualificação de dados de imunização e vigilância para as equipes de saúde locais, visando principalmente a formação de multiplicadores. A alta rotatividade dos profissionais de saúde torna as capacitações periódicas essenciais e necessárias.

Destaca-se também o trabalho direcionado para o público da educação, com a realização das Oficinas Saúde e Educação, que promoveram um melhor entrosamento entre as lideranças de saúde e da educação e o desenvolvimento de competências para se alavancar o Programa Saúde na Escola (PSE).

5 – Implantação das Redes de apoio aos PMRCV

Como parte da estratégia de comunicação e mobilização, foram implantadas ao todo 11 redes de apoio – 5 no Amapá e 6 na Paraíba – estruturadas em microrregiões que reuniam municípios vizinhos com critério de deslocamento de no máximo duas horas entre eles. Essas redes revelaram-se como uma importante ferramenta de engajamento social dos participantes em relação à vacinação, considerando a mobilização social decorrente junto aos respectivos públicos de abrangência.

6 – Ações estruturantes para a criação de políticas públicas para imunizações

A primeira grande rede de colaboração do PRCV se consolidou dentro da própria Fiocruz com a criação da Rede Fiocruz Pela Reconquista das Altas Coberturas Vacinais, a qual permitiu o envolvimento de todas as unidades da fundação em iniciativas pela vacinação.

Houve ainda a inserção do tema da Reconquista das Altas Coberturas Vacinais na 17ª Conferência Nacional de Saúde. Dentre as ações promovidas pela Rede Fiocruz-PRCV, destaca-se a realização, no dia 5 de maio de 2023, da Conferência Livre Pela Reconquista das Altas Coberturas Vacinais, da qual participaram remotamente centenas de pessoas, que deliberaram por diretrizes e metas que foram incorporadas como propostas no documento debatido na conferência, bem como elegeram três delegados.

Outro ponto de destaque foi a participação das universidades em ações do projeto, a exemplo do Projeto Teatro Maiuhi, com a Unifap, e o Jovens Repórteres e a mobilização dos indígenas potiguaras com a UFPB. Além disso, ambas universidades criaram ações acadêmicas como edital e programa de extensão relacionados às imunizações.

7 – Ações de comunicação e educação

A partir das informações coletadas durante os primeiros três passos foi possível detalhar o plano de ação de comunicação e educação com foco na mobilização e engajamento social pela vacinação. A identificação dos diferentes públicos permitiu o planejamento de ações de comunicação dirigida com potencial de alcance de suas respectivas redes de relacionamento, de forma a manter canais de produção e troca de conteúdo sobre promoção da saúde, com ênfase nas vacinas e vacinação, por meio de linguagem acessível e baseadas em experiências da popularização da ciência. A proposta foi enfrentar o fenômeno da desinformação com a informação de qualidade transmitida por atores sociais que inspiram confiança nos territórios dos quais fazem parte. 

Juntamente com as instâncias formais de participação social do SUS por meio dos conselhos de saúde, o projeto propôs outras redes de articulação em prol da garantia da participação social. Propôs ainda interações entre os atores sociais das redes constituídas com instituições que já promoviam o acesso à comunicação e informação confiável sobre vacinas e vacinações. Além disso, estimulou o engajamento na produção de conteúdos relacionados ao tema de quem já atuava com a promoção da saúde localmente. 

8 – Monitoramento e sustentabilidade

O monitoramento das atividades e ações preconizadas nos PMRCV foi realizado de forma permanente num espaço virtual e com visitas técnicas periódicas. Durante as campanhas de vacinação contra poliomielite e influenza, os assessores locais do PRCV realizaram monitoramento diário dos municípios junto às coordenações municipais de imunizações para fazer feedback e, quando necessário, orientar a intensificação das ações de vacinação. 


Comunicação estratégica e Engajamento social

O sucesso do PRCV se deve muito ao papel do eixo comunicação e educação. Utilizando canais acessíveis e linguagem clara, o projeto conseguiu disseminar informações corretas e combater a desinformação. Iniciativas como os Jovens Comunicadores e a Exposição Vacina! comprovam como a comunicação é uma poderosa estratégia para a promoção da saúde, capaz de estimular engajamento e controle social.

Através de uma rede solidária interinstitucional, o PRCV promoveu uma participação ativa da comunidade. Essa abordagem não só aumentou a adesão às campanhas de vacinação, mas também fortaleceu o senso de responsabilidade coletiva. Em todas as situações em que houve oportunidade de informar sobre a importância da prevenção das doenças pela vacinação e seus benefícios, sobre garantia de proteção da comunidade pelas altas coberturas vacinais, incluindo esclarecimentos sobre as reações adversas, a resposta por parte da população em busca da vacinação foi muito positiva, demonstrando haver uma carência de informação e comunicação. 

No Amapá, o projeto Jovens Comunicadores implementou a ação do Teatro Maiuhi envolvendo jovens de quatro povos indígenas, enquanto na Paraíba jovens repórteres de nove favelas ajudaram a disseminar informações sobre vacinação.

Jovens Comunicadores

A formação de equipes de jovens comunicadores aconteceu com os projetos Jovens Repórteres e Jovens Indígenas, centrados em comunidades vulneráveis dos dois estados de abrangência do PRCV. Seja em favelas de João Pessoa (PB) ou em oficinas de Teatro do Oprimido para jovens indígenas do Amapá, a formação foi pensada como um dos pilares para a disseminação da estratégia de comunicação em saúde/imunizações com participação popular para vencer os desafios e contribuir para a reversão da hesitação vacinal e aumento da cobertura de todas as vacinas.

Os Jovens Repórteres da Paraíba constituíram uma das linhas de atuação, em parceria com o Canal Saúde/Fiocruz e a Central Única das Favelas (CUFA) da Paraíba. Foram selecionados 29 jovens de João Pessoa, que residem em nove comunidades economicamente carentes de maior população e menos acesso à informação, áreas que foram definidas em parceria com um gestor municipal. A CUFA/PB participou desde o início da construção da proposta, indicando uma liderança de cada comunidade para atuar no processo de mobilização, divulgação e seleção dos jovens, além de acompanhar nos territórios, como facilitadores, o trabalho de suas equipes. Cada favela teve a sua equipe de jovens repórteres – de três a cinco participantes.

Os jovens passaram por uma formação sobre temas específicos de imunização (envolvendo a Secretaria Municipal de Saúde e a Universidade Federal da Paraíba – UFPB) e produção audiovisual (envolvendo Canal Saúde e UFPB) com três oficinas de comunicação e saúde presenciais e acompanhamento remoto da produção de conteúdo. Com carga horária total de 120 horas, a formação preparou-os para assumir a produção e a disseminação de informações, numa perspectiva de comunicação comunitária. 

Os jovens criaram perfis no Instagram com publicação quinzenal de conteúdo, totalizando 105 postagens (cards e vídeos) e cerca de 50 mil views em quatro meses de atuação. Os perfis tiveram mais de mil seguidores. Os jovens repórteres foram estimulados a desenvolver um trabalho mais presencial que os vinculasse mais fortemente às organizações das comunidades em que vivem. Além disso, também foram incentivados a estreitar sua conexão com os serviços de saúde de referência a que estão adscritos, para compreenderem melhor a situação.

Durante as festas juninas da Paraíba, o Forró da Vacina, programação do Arraiá de Muçumagro, teve câmera aberta (exibição de vídeos, entrevistas com o público e transmissão simultânea no telão instalado no palco, método adotado pelas tvs comunitárias), brincadeiras e apresentação de repentistas famosos cantando, valorizando e enaltecendo as atividades de vacinas e vacinações.

Outra linha de atuação a destacar foi o Teatro Maiuhi, com jovens de quatro povos indígenas do Amapá (Galibi Marworno, Karipuna, Palikur-Arukwayene e Waiãpi), desenvolvido em parceria com o Programa de Educação Tutorial Indígena (PET-Indígena) do curso de Licenciatura Intercultural Indígena da Universidade Federal do Amapá (Unifap), que indicou o caminho do teatro como possibilidade para a criação de pontes de diálogo com as aldeias sobre saúde e imunizações. O PRCV propôs, então, a metodologia do Teatro do Oprimido, criada por Augusto Boal. Com a participação de jovens artistas, foi construída a proposta de duas oficinas de Teatro do Oprimido com duração de dez dias cada, no Oiapoque e em Macapá. Alguns participantes que eram estudantes universitários do PET-Indígena foram fundamentais para a mobilização de outros jovens em suas aldeias. A oficina resultou em cinco espetáculos:

  • Silenciamento racial: a luta de ontem e de hoje – sobre o preconceito contra indígenas nas universidades

  • Desaldeada – sobre o preconceito de volta para as aldeias depois de se formarem na universidade

  • Por onde anda o Papagaio? – sobre alcoolismo nas aldeias

  • O SUS e o susto do jacaré – sobre a covid-19 e a vacinação

  • A terra chora: interesses vindos de fora! – sobre o garimpo

A demanda por trabalhar com teatro surgiu dos próprios jovens, e a formação tinha em vista que fossem multiplicadores do método porque eles identificaram que o teatro seria uma oferta diferente daquelas em que já haviam trabalhado. A Estética do Oprimido baseia-se na possibilidade de expansão do ser humano e em sua expressão pela arte, partindo do pressuposto de que todas as pessoas podem criar e dialogar, recriando assim a realidade para si mesmas e para aqueles com os quais interagem. Segundo Augusto Boal via seu método como uma forma de intervenção social e política, visto que “todo mundo pode ensinar e todo mundo pode aprender”. 

Alguns aprendizados do projeto merecem ser mencionados: foi importante trabalhar com a população indígena abordando suas singularidades; fez diferença nessa iniciativa ter-se apostado em indígenas falando com indígenas nas línguas deles; conseguiu-se chegar a eles por meio da universidade local; foi significativo construir a experiência no campo do teatro como resposta ao interesse deles; é potente trabalhar com técnicas e métodos das artes, especialmente do teatro, que mesmo não sendo conhecido entre alguns deles, traz uma linguagem capaz de reunir as manifestações culturais das pinturas corporais, música, dança, canto, características dos povos originários – e abre a possibilidade de ampliar para outras manifestações artísticas. A beleza dos cenários, músicas, figurinos, danças, performances, pinturas, totalmente criados e executados por esses jovens, além dos textos teatrais, fez do Teatro Maiuhi uma expressão artística e cultural diferenciada, inovadora e vibrante que tem ganhado cada vez mais espaços para encenação e encantamento.

 

É preciso unir forças para retomar o engajamento da população em relação à vacinação, como ocorria nos áureos anos do PNI, quando a imunização era uma ação prioritária para autoridades e a sociedade em geral 

 


Todo mundo pode ensinar e todo mundo pode aprender

Maiuhi é como os povos indígenas do Oiapoque se referem às atividades coletivas, realizadas em mutirão, como a plantação das roças e a produção de farinha de mandioca, que, por congregar o senso de coletividade que também permeia a produção teatral, representam a síntese da experiência vivida ali. 

Ao longo de 2023, ocorreram diversas apresentações do Teatro Maiuhi no Amapá, além de dois festivais, um em Oiapoque e outro em Macapá. O elenco do espetáculo O SUS e o susto do jacaré participou das atividades de encerramento do PRCV no Amapá e na Paraíba. Em Baía da Traição, município com área indígena no estado da Paraíba, o Projeto promoveu um intercâmbio com o povo indígena potiguara com o apoio da UFPB e do cacique Sandro, cacique geral dos potiguaras na Aldeia Forte. Além do Teatro Maiuhi, houve apresentação e trocas com o grupo Juventude Potiguara da aldeia Três Rios. O elenco foi convidado a participar da abertura dos Jogos Indígenas da Paraíba na Aldeia São Francisco.

Quando o projeto encerrou suas atividades no Amapá, o Teatro Maiuhi era conhecido em seu estado e tinha ganhado a adesão de várias instituições. Seu esteio está no PET-Indígena da Unifap, responsável por dar continuidade às ações através do projeto de extensão criado com esse objetivo. Em 2023, o PRCV e o PET inscreveram o Projeto Teatro Maiuhi no edital Funarte Retomada – Teatro, do Ministério da Cultura, buscando formas de dar continuidade à ação – e ele foi aprovado!


Exposição Vacina!

Outra importante iniciativa do PRCV foi a criação da Exposição Vacina!, com a perspectiva de estabelecer, por meio de linguagem expositiva e suas variações, um diálogo com o público sobre a importância das vacinas e a necessidade da vacinação em função das baixas coberturas vacinais no país. Ao se apropriar de informações sobre o tema, o visitante dispõe de mais condições para refletir sobre o papel da vacina na vida de cada um de nós.

Com linguagem de fácil entendimento, a exposição é composta por aparatos autoportantes e interativos, multimídias e jogos para estimular uma conversa sobre cada um dos temas abordados. Apresenta temas como história da vacina, tipos de vacinas, o que são vírus e bactérias, rede de instituições para que a vacina chegue a toda a população, vacinas e doenças, cadernetas e calendários vacinais, profissionais da vacina, jornada da vacina, cobertura vacinal e o que é verdadeiro ou falso sobre o tema, além de um jogo para o controle de uma pandemia. E conta com mediadores, estudantes de graduação da cidade em que for exibida, que passam por um curso de formação na temática e nas técnicas de comunicação com o público visitante.

A itinerância da exposição aconteceu, em 2023, nas duas capitais dos estados de atuação do PRCV e no Rio de Janeiro. Em João Pessoa, a montagem ocorreu no Espaço Cultural José Lins do Rego; em Macapá, na Biblioteca Nova da Unifap; e no Rio de Janeiro, na Rio Innovation Week 3. Os eventos foram abertos ao público com agendamento de grupos com mais de dez pessoas e foco nos grupos escolares e de organizações sociais locais. A exposição recebeu 7.155 visitantes nas três cidades – 2.652 em João Pessoa, 1.911 em Macapá e 2.592 no Rio de Janeiro.

Tamanho sucesso levou a equipe do projeto Exposição Vacina! a desenvolver uma versão virtual como forma de democratização do acesso a um rico material de pesquisa. A exposição foi gravada na cidade de João Pessoa, virtualizada e está disponível na internet no link para ser acessada por computador, tablet e celular, e neste último poderá ser visitada em realidade virtual com óculos 3D. Além dos aparatos, multimídias, jogo e código QR da exposição, foram incluídos os arquivos do Bingo da Vacina para interessados baixarem e imprimir, além de dicas a professores para uso em sala de aula. A exposição física foi doada para o circuito de itinerância do Museu da Vida/Fiocruz.

Como enfrentar a ameaça do retorno de doenças?

O Brasil continua a enfrentar desafios na área da vacinação e com a incidência de doenças. De 2019 a 2023, todas as 27 unidades federativas notificaram casos de coqueluche e foram registradas 12 mortes pela doença.2 Em relação à difteria, de 2008 a 2022 ocorreram dez óbitos.3 Todos os casos poderiam ter sido evitados pela vacinação, portanto são mortes inaceitáveis para toda a sociedade brasileira. Iniciativas como o PRCV são fundamentais para garantir a proteção da população. A continuidade e expansão dessas ações são cruciais para enfrentar os riscos iminentes de novas epidemias, e algumas doenças imunopreveníveis já estão voltando.

O governo federal instalado em 2023 tem demonstrado a importância da prevenção de doenças pela vacinação, com o fortalecimento do PNI, participação em diversos eventos e incentivo para que a população se vacine. Recentemente, o Ministério da Saúde comemorou a reversão da queda da cobertura vacinal no país pela primeira vez, após anos de baixa cobertura, que repercutiu muito na mídia escrita e falada.4 Essa reversão, no entanto, ainda não alcançou as taxas ideais, que segundo a OMS devem atingir 95% para a maioria das vacinas. É notória a dificuldade de chegar a esses índices na maioria das regiões do país. 

Em relação à covid-19, quando surgiu a pandemia em 2020 houve uma enorme cobrança da sociedade pela vacina. A pandemia acabou graças à vacinação. Mas o vírus da covid-19 não desapareceu. Está presente e circulando, com novas variantes, e continua a infectar centenas de pessoas e causando doenças, sobretudo nos grupos não vacinados. Apesar desse cenário, a população já não tem ido mais se vacinar, não toma as doses de reforço, principalmente adolescentes e crianças. 

É preciso unir forças para retomar o engajamento da população em relação à vacinação, como ocorria nos áureos anos do PNI, quando a imunização era uma ação prioritária para autoridades e a sociedade em geral. Com a chamada “Vacina boa é vacina no braço”, a equipe do PRCV, profissionais de saúde e parceiros dos 41 municípios obtiveram importantes resultados, que certamente contribuíram para o aumento das coberturas vacinais desses territórios na ocasião. Testemunhos de gestores públicos, participantes e beneficiários confirmaram o compromisso com a continuidade e o fortalecimento das ações, como foi o caso do secretário de Estado de Saúde do Amapá e do governador da Paraíba nos eventos de encerramento do projeto em dezembro de 2023.

O fator mais poderoso do PRCV foi justamente a aproximação e o protagonismo dos profissionais da ponta do SUS e o trabalho conjunto do poder público, parceiros e sociedade civil. A ação integrada e compartilhada dos trabalhadores de saúde; autoridades e gestores de saúde federais, estaduais e municipais; profissionais de diferentes esferas; instituições de ensino e sociedade civil como um todo é o que pode tirar o país do caminho que leva ao desastre anunciado e possibilitar a reconquista das altas coberturas vacinais de forma sustentável. 

NOTAS

1 Fundação Instituto Oswaldo Cruz. Pela Reconquista das Altas Coberturas Vacinais: relatório final do projeto – 2021-2023/Fundação Oswaldo Cruz, Bio-Manguinhos. Santana de Parnaíba (SP): Manole, 2024.

2 Laboissière, Paula. Coqueluche: saiba mais sobre a doença que voltou a preocupar o mundo. Agência Brasil. Brasília. Acesso em: 8 out. 2024.

3 Departamento de Vigilância em Saúde. Informe Epidemiológico: Difteria. Vigilância Epidemiológica Ribeirão Preto. 24/5/2024.

4 Estadão. Brasil melhora em ranking global de vacinação, mas coberturas ainda seguem abaixo da meta. Acesso em: 8 out. 2024.

Os autores

Akira Homma é médico veterinário, DSci, especializado em virologia (BCM/EUA). Foi presidente e vice-presidente da Fiocruz, presidente do IBMP, diretor do Bio-Manguinhos, presidente do DCVMN, pesquisador emérito da Fiocruz. É assessor científico sênior do Bio-Manguinhos e vice-presidente da Abifina. Recebeu mais de 20 prêmios e títulos e publicou 70 artigos. Coordenou o PRCV (2021-2023).

Maria de Lourdes de Sousa Maia é médica, infectologista, mestra em Pesquisa Clínica, especialista em Saúde Pública, Planejamento em Saúde e em Desenvolvimento de Recursos Humanos. Coordenou o PNI (1995-2005) e o PRCV (2021-2023). É chefe do Departamento de Assuntos Médicos, Estudos Clínicos e Vigilância Pós-Registro do Bio-Manguinhos/Fiocruz.

Isabella Lira é mestra em Ciência Ambiental (UFF), trabalhou 24 anos no Bio-Manguinhos/Fiocruz em diferentes posições de gestão, incluindo chefias de gabinete e RH. Tem experiência em Comunicação para projetos socioambientais e advocacy na defesa dos direitos humanos. Apoiou a gestão e foi responsável pela articulação institucional do PRCV.

Isabel Azevedo é mestra em Letras (UFRJ), atua em projetos de educomunicação e popularização da ciência com ênfase na organização de redes de engajamento social. Possui mais de 30 anos de experiência em projetos de extensão universitária, comunicação comunitária e divulgação científica. Foi Líder do Eixo de Comunicação e Educação do PRCV.

*Artigo publicado originalmente na edição especial Cobertura Vacinal; leia aqui a edição completa

Mantenedores Institucionais

Apoio institucional