Escuta ativa
Desenvolver técnicas de escuta atenta é fundamental para criar entendimento e os relacionamentos genuínos necessários para mudança social.
Por Emily Kasriel
A maior parte dos líderes do terceiro setor deseja trabalhar de maneira colaborativa com as pessoas que atendem. Para impulsionar mudanças sistêmicas, organizações sem fins lucrativos e financiadores precisam entender as pessoas que são diferentes deles e incluir as perspectivas de um conjunto diversificado de stakeholders em seus processos de tomada de decisão. Tal abordagem pode ajudar líderes a perceber o mundo através da compreensão dos relacionamentos e da complexidade dos sistemas. Aqueles que se dedicam a ouvir e empreender esforços participativos tendem a construir práticas mais equitativas, indicam os estudos. Além disso, apresentam maior comprometimento com a inclusão e causam um impacto positivo nos participantes e membros da comunidade, que se tornam mais qualificados para se colocar ou cobrar os responsáveis.
Em 2020, a pandemia mundial de Covid-19 e os protestos contra o racismo aumentaram a conscientização das desigualdades e das disparidades de poder entre líderes de mudança social e seus beneficiários, filantropos e as ONGs que eles apoiam, bem como entre pessoas brancas e negras que trabalham dentro das organizações. Filantropia e empreendedorismo social tradicionalmente atuam a partir de uma abordagem vertical, mas líderes de diferentes setores admitem que precisam aprender a ouvir de maneira mais eficaz para se conectar com os stakeholders e compreender suas necessidades.
“Sabemos que as comunidades mais próximas aos problemas têm uma percepção única das soluções”, afirmou Darren Walker, presidente da Ford Foundation, em fala sobre sua visão para a filantropia, em 2019. “É por isso que… devemos garantir que as pessoas impactadas por nosso trabalho tenham a garantia de que sua voz será ouvida durante a elaboração e a implementação do trabalho.”
A escuta ativa é fundamental para a compreensão das necessidades dos stakeholders e da comunidade. Também chamada de escuta atenta, escuta reflexiva ou escuta radical — caracteriza-se por como o ouvinte entra e se envolve em uma conversa. Sua curiosidade, empatia e seu respeito pelo falante, bem como a autoconsciência de suas próprias crenças e preconceitos, tudo isso influencia sua capacidade de ouvir com atenção e de se relacionar de forma genuína com quem fala, de tal modo que possa intuir as emoções e o real significado de suas palavras.
Neste artigo explico a abordagem da escuta ativa e discuto os desafios de sua prática. Tomando como base a experiência de empreendedores sociais e filantropos, além da minha própria pesquisa e atuação prática, os parâmetros usados aqui abrangem audições individuais. Contudo, alguns de seus métodos também podem ser aplicados corporativamente, em práticas que envolvem várias pessoas ou grupos. Outros insights no campo da escuta organizacional foram compartilhados pelo professor de comunicação pública Jim Macnamara, da University of Techology de Sydney, cujo trabalho pioneiro identificou dez erros comuns na escuta organizacional, bem como suas correções.
Embora a escuta ativa não se faça necessária em toda conversa, os leitores podem vir a desejar incorporar seus elementos em uma grande variedade de discussões — com parceiros, beneficiários, colegas e até com seus familiares. A prática não exige que o ouvinte concorde com a mensagem do falante; na verdade, é preciso apenas reconhecer e compreender a perspectiva daquele que fala. A abordagem é, portanto, uma ferramenta poderosa em situações em que o falante e o ouvinte encontram-se em lados opostos de um assunto e quando há uma dinâmica de poder desigual.
Atenção e Intenção
O componente fundamental da abordagem da escuta ativa é como o ouvinte se apresenta para a discussão — tanto com relação à sua intenção como ao tipo de atenção que dá ao falante. Entrar em uma conversa com humildade é uma forma simples, porém potencialmente transformadora, de ajudar a criar encontros mais profundos.
Para definir sua intenção e atenção, o ouvinte precisa começar trabalhando internamente. A escuta ativa é uma prática cultivada, não sendo, para a maioria das pessoas, natural. Pesquisadores de neurociência cognitiva explicam que nosso cérebro é programado para obter informações rudimentares e essenciais e rapidamente avaliar uma nova pessoa que conhecemos com base em nossas experiências prévias. Antes mesmo de uma pessoa começar a falar, o ouvinte já começa a julgá-la. É provável que esses préjulgamentos sejam mais extremados se o ouvinte partir do pressuposto de que o falante parece diferente ou não tem a mesma origem que a dele.
Esses atalhos cognitivos prejudicam a capacidade de quem ouve de entrar na conversa de maneira aberta para escutar, principalmente quando é dono de uma opinião forte sobre o assunto que está sendo discutido; ademais, segundo os psicólogos Akiva Liberman e Shelly Chaiken, o ouvinte registra apenas informações que fortalecem suas crenças. Para lidar com esses desafios, os ouvintes precisam se colocar, nas palavras de Martin Vogel, coach de comunicação e mindfulness, em um lugar “de ignorância” — afastando as expectativas em relação àquilo que o falante dirá.
Tanto a literatura acadêmica quanto a literatura em geral sobre o assunto recomendam, muitas vezes, que o ouvinte não julgue o falante. Contudo, Gary Friedman, mediador de conflito e veterano instrutor de escuta ativa, defende que essa instrução não é efetiva porque julgamentos são os mecanismos que usamos para compreender o mundo. Ele defende, na verdade, que o ouvinte volte-se para si mesmo e procure notar quaisquer preconceitos e/ou opiniões fortes que podem ser estimulados por aquilo que ele está ouvindo. Essa avaliação interna permite que o ouvinte reconheça, aceite e libere o controle que os julgamentos têm sobre suas percepções e se abra para a narrativa da outra pessoa.
Esse primeiro trabalho interno ajuda a preparar o terreno para uma conversa genuína. “Quando se está alinhado e sem brigar consigo mesmo, esse tipo de sentimento — centrado, calmo e presente para, de fato, ouvir — auxilia os demais a se sentir ouvidos, bem-recebidos e prontos para se expressar”, afirma Kinari Webb, fundadora da organização ambiental sem fins lucrativos Health in Harmony, que usa escuta ativa em comunidades indígenas de regiões bastante afetadas pelo desmatamento. Avraham Kluger, especialista no assunto, também afirma que projetar uma vulnerabilidade genuína ajuda a criar uma sensação de segurança: “Aprendi que se sou corajoso o bastante para compartilhar uma fraqueza, isso demonstra, de alguma maneira, que me aceitei, que posso aceitar os outros, não importa o quão estranho eles sejam para mim, uma vez que estou disposto a aceitar minha própria estranheza”.
A escuta ativa precisa ser praticada com intencionalidade porque o ouvinte precisa substituir a maneira preferida do cérebro atuar — por meio de atalhos cognitivos e preconceitos baseados em experiências prévias. Em vez disso, o ouvinte tem de demonstrar uma curiosidade genuína e, para desenvolver sua intenção e atenção, pode seguir os seis passos seguintes:
Não se apresse | Reserve tempo para refletir sobre suas intenções antes de um encontro — seja para influir na conversa, para obter informações ou para desenvolver um bom relacionamento. Pode ser que você deseje assumir o controle da conversa para descobrir o que você, aquele que ouve, acredita precisar saber. Praticar escuta ativa exige deixar de lado sua agenda para conseguir ficar aberto a quem fala e ao que ele considera importante.
Elimine as distrações | Atente-se sobre o que pode ser motivo de distração, coisas como seu telefone celular ou outros aparelhos eletrônicos, e os coloque no modo silencioso e fora de sua visão para que possa dedicar atenção total ao falante.
Avalie seu estado mental | Reflita sobre seu atual nível de atenção. Você está distraído? Irritado? Empolgado? Observe onde esses sentimentos se manifestam em seu corpo e, então, respire fundo, permitindo que deixem seu corpo à medida que você expira.
Controle sua resistência | Lembre-se de que é seguro baixar sua guarda psicológica — não há necessidade de se defender ou colocar-se na defensiva durante uma conversa. Admita para si mesmo que aquele encontro pode transformá-lo de maneira que você é incapaz de prever ou controlar.
Observe o espaço a seu redor | Sinta a abertura do espaço diante de si; ao seu redor — valendo-se de sua visão periférica; atrás de você; sobre você; e no chão em que você pisa. Sinta-se pronto para acolher a outra pessoa como um todo no espaço que vocês criarão juntos.
Confie em si mesmo | Confie na sua capacidade de compreender plenamente o outro — não por meio de sua destreza intelectual, mas por estar aberto e, em certo sentido, vulnerável.
A psicóloga Monisha Pasupathi realizou experimentos que demonstram os efeitos da atenção à narrativa do falante. Em um deles, o ouvinte está distraído com outra atividade, como contar as palavras usadas pelo falante que começam com as letras “th”. Quando escutamos atentamente sem distrações, segundo indicam as evidências de Pasupathi, demonstramos estar respaldando o que o falante está dizendo. Essa percepção de atenção, por sua vez, pode permitir que o falante conte histórias mais coerentes, bem como mais detalhes sobre elas, e as compartilhe por um período mais longo.
Ouvir não é uma atividade passiva. A pesquisa da psicóloga Janet Bavelas, por exemplo, demonstrou que a escuta em tempo real é um processo ativo no qual o ouvinte cria, juntamente com o falante, a narrativa. Essa criação conjunta se dá por meio de um back channel de respostas, tanto verbais quanto não verbais.
Ferramentas Não Verbais
A abordagem da escuta ativa exige que o ouvinte examine tanto seu próprio comportamento quanto o modo como esse é percebido pelo falante. Expressões faciais como sorrisos e cara fechada podem influenciar a escolha das palavras do falante e da forma como vai dar continuidade à sua narrativa, se é que dará sequência a ela. Em um experimento realizado pelo psicólogo social Camiel Beukeboom, participantes que discutiam o trecho de um filme com ouvintes sorridentes mostraram-se mais propensos a oferecer uma interpretação própria porque a expressão facial positiva encorajou-os a se sentir mais aceitos e compreendidos. Por outro lado, aqueles que conversaram com ouvintes carrancudos limitaram os comentários sobre o que tinham assistido à mensagem funcional do filme — elementos factuais e a sinopse — porque sentiram-se menos seguros e, por conseguinte, menos dispostos a dividir perspectivas mais pessoais.
Nosso corpo indica tanto para nós quanto para nosso interlocutor se estamos escutando atentamente. Podemos estar com a respiração suspensa, ansiosos por intervir, ou respirando de forma profunda e lenta, sugerindo calma, paciência e receptividade. O ouvinte pode se inclinar para frente demonstrando interesse, ter uma postura aberta que transmita receptividade, ou adotar uma posição fechada, braços cruzados, para indicar que está na defensiva. Além disso, manter contato visual com o falante não apenas permite que o ouvinte capte mensagens nos gestos de quem fala — morder o lábio inferior ou apresentar olhares furtivos — mas, também, comunica atenção e respeito.
A prática da escuta ativa não exige que o ouvinte concorde com a mensagem do falante; na verdade, é preciso apenas reconhecer e compreender a perspectiva daquele que fala.
O silêncio é uma ferramenta não verbal poderosa que permite ao falante sentir-se confortável e ponderar, uma vez que diminui a excitação psicológica que interfere no pensamento reflexivo. Escutar de maneira empática significa dar espaço para o silêncio após o outro ter concluído sua fala; isso, por sua vez, cria condições para que tanto o falante quanto o ouvinte formulem respostas mais elaboradas. Um novo estudo, publicado no Journal of Applied Psychology, do psicólogo social Jared R. Curhan e dos pesquisadores da área de comportamento organizacional Jennifer R. Overbeck, Yeri Cho, Teng Zhang e Yu Yang mostra que instruir um ou os dois envolvidos em negociações bilaterais a adotar a técnica do silêncio prolongado promove a mudança da percepção fixa de soma zero (quando se supõe que a vitória de um é a perda do outro) para a criação de soluções mais criativas. Esse estudo também demonstra que as pessoas superestimam o número de segundos que ficam em silêncio, indicando que os ouvintes podem precisar contar os segundos de silêncio antes de responder.
Contudo, o silêncio nem sempre é uma ferramenta construtiva, podendo ser utilizado para intimidar, ignorar ou indicar discordância. Quando os ouvintes não querem escutar nem discutir o que o falante está dizendo, podem parar de prestar atenção ou ignorar, deliberadamente, o interlocutor. Um ouvinte silencioso pode, ainda, transmitir a mensagem de que está desinteressado, silenciando de fato o falante. Os seis passos para a prática não verbal da escuta atenta apresentados a seguir baseiam-se em um trabalho interno e de autopercepção:
Perceba seus julgamentos | Tenha consciência de quaisquer julgamentos que você possa ter em relação ao falante e ao que ele está dizendo. Perceba se você deseja mudar a outra pessoa e, então, afaste esses pensamentos.
Centre-se | Reflita sobre o tom da sua voz e perceba o que acontece quando você se permite valer-se da quietude que existe dentro de você.
Observe seu corpo | Reserve um tempo para pensar sobre seu corpo, para ter consciência a seu respeito. Que mensagem você está transmitindo com seu corpo, sua respiração, seus ombros e suas mãos?
Mantenha contato visual | Olhar para o ouvinte mostra que você está interessado no que ele está dizendo. Em conversas virtuais, o contato visual é mais complicado porque se você estiver olhando para a câmera não poderá olhar também para o falante e observar sua linguagem corporal.
Faça silêncio | Após o falante ter terminado sua ideia, conte até dez antes de responder.
Incorpore um silêncio cúmplice | Procure incorporar um silêncio paciente, cúmplice, em detrimento de um crítico ou desinteressado.
Repetir a ideia
Sinais não verbais são importantes, mas não suficientes. O ouvinte pode demonstrar ter ouvido o que o falante disse sintetizando a mensagem do interlocutor, repetindo o que foi dito para o falante a fim de que ele confirme se as duas partes chegaram a um mesmo entendimento. Essa técnica dá ao falante a oportunidade de esclarecer suas ideias, desenvolver o que já foi dito e alcançar uma compreensão mais profunda que pode, então, ser compartilhada com o ouvinte.
Essa prática exige que aquele que ouve use todos os seus sentidos e sua capacidade de raciocinar e demonstrar empatia para compreender de fato o que o falante está dizendo. Depois, deve determinar os principais pontos da narrativa do falante e, então, expressar sua interpretação para conferir se o entendeu corretamente. Repetir a mensagem central ouvida significa incluir focar e repetir as palavras que são ditas com vigor, bem com aquelas carregadas de emoção. O ouvinte deve dar atenção especial ao uso de linguagem figurativa, metáforas e hipérboles, e de superlativos — tudo isso indica que o significado dessas palavras é importante para o falante.
Uma conversa dá ao ouvinte várias chances de repetir o significado da mensagem ouvida, o que pode provocar a confirmação do falante em relação ao que o ouvinte entendeu ou a correção, ou expansão, do que foi dito. Um diálogo que tem como objetivo esclarecer um significado para criar uma compreensão mútua mostra-se bem-sucedido quando o falante confirma aquilo que o ouvinte está repetindo. O ouvinte pode, então, dar sequência com perguntas — “Eu deixei alguma coisa passar?” ou “Você pode falar mais sobre isso?” — para demonstrar interesse, bem como encorajar o falante a expandir e aprofundar sua narrativa. Fazer essa checagem com o falante por meio de um resumo do que o ouvinte entendeu permite ao falante expressar sua história de outra maneira ou a entender de forma distinta, em uma espécie de processo em espiral que tece nuances e perspectivas diferentes em cada iteração, criando uma imagem melhor tanto para o falante quanto para o ouvinte.
No processo de escuta ativa o ouvinte deve repetir não apenas o significado do conteúdo, mas, também, sua compreensão das emoções de quem fala. Esse tipo de repetição exige pressupor os sentimentos do falante por meio da avaliação de suas expressões faciais, tom de voz, ritmo de sua fala e nível de vigor. Se o ouvinte não conseguir replicar o estado emocional do interlocutor — ainda que tenha compreendido o significado perfeitamente —, é menos provável que o falante sinta que foi, de fato, ouvido, explica o psicanalista Donnel Stern. “Precisamos sentir que o outro, em cuja mente existimos, está emocionalmente receptivo para nós, que se preocupa com aquilo que experimentamos e com o modo como nos sentimos em relação àquilo.” Repetir a emoção, em outras palavras, demonstra empatia.
Repetir não exige que o ouvinte concorde com o interlocutor. Na verdade, isso transmite respeito ao falante e desejo de compreender sua mensagem e intenção. Por exemplo, quando, em uma reportagem que fiz para a BBC, conversei com produtores de leite da fronteira entre Inglaterra e País de Gales que demonstravam ceticismo diante da mudança climática, eu tinha consciência de que não concordava com suas crenças; contudo, consegui usar essa consciência para estimular minha curiosidade de compreender suas convicções. Ao colocar de lado meus julgamentos e demonstrar uma postura aberta, passei uma sensação de respeito. Tentei transmitir a compaixão que, segundo os psicólogos Carl R. Rogers e Richard E. Farson, no artigo Active Listening, é fundamental para uma comunicação eficaz — uma atitude que diga: “respeito suas ideias e mesmo que não concorde com elas, sei que são válidas para você”.
Coloco, a seguir, seis dicas para fazer uso da repetição:
Ouça as dicas | Escute atentamente o que o interlocutor está dizendo e aquilo que parece ser mais importante para ele, valendo-se de dicas: metáforas e superlativos, palavras que trazem consigo vigor e aquelas carregadas de emoção.
Compreenda o mais importante | Reserve um tempo para compreender o cerne da mensagem que você ouviu quando o interlocutor acabar de se expressar. Avalie o que você sentiu enquanto ele falava e o que você depreendeu do significado por trás das palavras.
Confirme o mais importante | Confirme o que você acredita ser o principal daquilo que você ouvir. Inclua as emoções que podem ter sido expressas de forma não verbal.
Repita | Ofereça, humildemente, sua síntese do significado e das emoções.
Confira | Confira com seu interlocutor para garantir que você o entendeu completamente. Se ele disser que não ou confirmar de maneira hesitante, pergunte o que você deixou passar ou não compreendeu corretamente.
Reitere | Continue a reiterar até obter uma confirmação incontestável do falante. Você pode, então, fazer perguntas extras para aprofundar seu entendimento da narrativa; pergunte: “O que mais?” em vez de “E alguma outra coisa?”.
Transpor Divergências
A escuta ativa pode ser particularmente eficaz quando as pessoas que conversam encontram-se em lados opostos. É uma ferramenta poderosa para aqueles que trabalham na resolução de conflitos e na transposição de divergências ideológicas ou sociais.
Ser ouvido diminui de forma considerável a ansiedade social e convida os falantes a se engajar em um processo mais profundo de introspecção e autoconhecimento que pode levar a atitudes menos extremadas, segundo estudo dos especialistas em comportamento social Guy Itzchakov, Avraham Kluger e Dotan Castro. Em um experimento, eles leram um artigo a respeito de um assunto controverso para um grupo de alunos de graduação. Metade deles foi colocada em dupla com ouvintes que usaram a abordagem da escuta ativa, ao passo que a outra metade juntou-se a ouvintes inexperientes. Os pesquisadores observaram que a escuta ativa fez com que os alunos tomassem atitudes menos extremadas, se mostrassem mais capazes de compreender os dois lados de uma discussão e mais cientes das próprias contradições — independentemente de o assunto abordar o conflito entre Israel e Palestina, a taxação de alimentos de baixo valor nutritivo, ou a eutanásia.
Durante o treinamento virtual de escuta ativa que fiz com 150 pessoas no Líbano, em 2021, cada participante teve oportunidade de praticar a abordagem com um colega que tinha um ponto de vista contrário ao seu sobre um assunto polêmico. Uma delas, Loulou, contou como o processo de repetição ajudou a mitigar a divergência ideológica que existia entre ela e seu interlocutor. “Eu percebi que sempre que nós parafraseávamos o que o outro estava dizendo percebíamos que o que estava sendo dito não era totalmente errado ou absurdo. Essa experiência vai, com certeza, fazer com que eu seja menos teimosa nas próximas discussões.”
Para conseguir escutar atentamente assuntos divergentes, precisamos equilibrar o jogo entre nossa capacidade analítica e nossas emoções. Em Strangers in Their Own Land, a socióloga Arlie R. Hochschild explica que “muros de empatia” (empathy walls) são um “obstáculo para a compreensão plena do outro, um obstáculo que pode fazer com que nos sintamos indiferentes ou até hostis em relação àqueles cujas crenças são diferentes das nossas ou cuja infância tem raízes em circunstâncias diferentes”. Para resolver essa situação, cada um precisa compreender de que maneira o outro vivencia o mundo. Por exemplo, em seu esforço para entender os apoiadores do Tea Party em Louisiana, Hochschild descreve o relacionamento que ela manteve com Sharon, uma mãe solteira, branca, que permitiu que Hochschild a acompanhasse em seu trabalho como vendedora de plano de saúde. Hochschild conquistou a confiança de Sharon graças ao modo como ouvia suas histórias e experiências. “Eu percebi que o tipo de relação que Sharon oferecia era mais valiosa do que eu tinha imaginado no começo — funcionou como a construção de um andaime para uma ponte de empatia”, explica. “Nós, dos dois lados, imaginávamos, erroneamente, que ter empatia pelo outro lado impediria uma análise lúcida, quando, na verdade, é do outro lado que as análises mais importantes podem surgir”.
Existem, claro, desafios importantes na escuta ativa para pessoas com pontos de vista e crenças opostos, tais como o incômodo que sentimos ao ouvir informações que se opõem àquilo que sabemos ou acreditamos. Enfrentar esse incômodo e criar empatia pelo interlocutor traz consigo a possibilidade — e, para alguns, o risco — de nos transformar, mudando quem somos e no que acreditamos. “É preciso muita segurança interna e coragem para conseguir se arriscar a compreender o outro”, afirmam Rogers e Farson.
Obstáculos Enfrentados para Transpor Divergências
Líderes do terceiro setor engajados na mudança social e sistêmica devem ouvir com atenção aqueles que, tradicionalmente, são excluídos de posições de poder. Isso é imperativo em especial na filantropia americana, onde são brancos 92% dos presidentes de fundações, 83% de outros executivos, e 68% dos que trabalham nos programas. Dada a extensão da exclusão e dos desafios de assegurar financiamento para pessoas negras, a escuta ativa é essencial para efetivamente atender aos beneficiários e entender suas necessidades.
No entanto, existem desafios na escuta entre poderes divergentes. Quando o ouvinte está em uma situação de maior poder — por exemplo na posição de um empreendedor social ou filantropo que disponibiliza fundos ou serviços para uma pessoa que fala em nome de sua comunidade —, ele pode tentar evitar ouvir verdades incômodas. Pode fazer perguntas fechadas e tendenciosas e deixar pouco tempo para as respostas de modo a evitar fatos reveladores indesejáveis e/ou necessidades que ele não pode ajudar a solucionar. Em Listening to Those Who Matter Most, the Beneficiaries, os especialistas em filantropia efetiva Fay Twersky, Phil Buchanan e Valerie Threlfal sugerem que os financiadores “têm medo do que os beneficiários podem dizer, que por não serem especialistas eles podem estar mal-informados ou equivocados. Talvez [os financiadores] tenham medo de que a gente saiba alguma coisa que seja importante nessa abordagem”.
Por outro lado, os beneficiários — ou aqueles em uma posição de menor poder e/ou aporte financeiro — podem se mostrar céticos diante da intenção e da atenção do ouvinte, podendo não acreditar que o ouvinte realmente deseja escutar sua real perspectiva e, por isso, se policiar ou mesmo se calar — ou sentirem-se impelidos a partilhar apenas feedback positivo a fim de assegurar ou manter seus financiamentos ou serviços.
Como podemos combater esses desafios na prática? Monica Nirmala, atualmente consultora do governo no combate à Covid-19 na Indonésia, passou anos praticando escuta ativa como diretora executiva da filial da Health In Harmony naquele país. “Na Indonésia, a questão hierárquica é muito forte”, explica. “Quando as pessoas conversam com funcionários do governo, tendem a dizer coisas boas e positivas e não revelam os verdadeiros problemas”. Nirmala superou essa divergência de poder sendo “deliberada na hora de ouvir. Mostrando que eles sabiam mais do que eu, que suas experiências eram valiosas, ajudando as pessoas a serem honestas sobre quais são os verdadeiros problemas”, conta.
Embora estar mais ciente de prejulgamentos e preconceitos nos ajude a trabalhar a forma como ouvimos e respondemos, é mais fácil criar confiança se o falante e o ouvinte tiverem origem, cultura e/ou linguagem similares. Meg Bostrom, cofundadora da Topos, empresa de comunicações voltada para pesquisas, afirma que para projetos sobre igualdade racial, a identidade racial de sua equipe é similar à do ouvinte e do à falante. Para outros projetos, a Topos envia dois ouvintes — um com uma perspectiva interna e outro com uma perspectiva externa — para fazer a pesquisa. Para aprender por que comunidades indígenas estão promovendo desmatamento florestais, a Health in Harmony envia uma dupla de ouvintes, uma pessoa da região que fale o mesmo idioma da comunidade indígena em questão e outra de uma cultura diferente. Ambas as perspectivas ajudam a construir o entendimento juntos: o local conhece o idioma e a cultura da região, o que ajuda a criar confiança, ao passo que o externo pode fazer com que o falante explique coisas que não foram ditas.
Preocupações éticas existem em todas as instâncias da escuta atenta, mas, em especial, naquelas em que há uma divergência de poder significativa entre falante e ouvinte e, principalmente, quando a conversa é proposta pelo ouvinte. Assim, este deveria estar consciente de sua responsabilidade na criação de um ambiente de confiança no qual o falante encontra-se vulnerável, explica o psicólogo Alex Gillespie. Para tanto, o ouvinte deve dar ao falante certo controle sobre a conversa, além de efetivamente repetir o ponto de vista daquele que fala. Pode-se garantir isso abordando os outros em ocasiões diversas, concedendo-lhes tempo para ponderar sobre os assuntos e refletir sobre aquilo que disseram.
Desenterrando Narrativas Escondidas
O poder da escuta ativa também está na capacidade de chegar ao que está além das informações acessíveis e superficiais que, muitas vezes, são dadas como respostas automáticas para questionamentos genéricos. A escuta ativa pode desenterrar narrativas escondidas — sobre história e conhecimento institucionais, por exemplo — necessárias para compreender sistemas complexos, uma vez que essas narrativas são responsáveis por criar e organizar identidades.
Compreender as narrativas escondidas das comunidades sub-representadas é um passo importante para resolver vários desafios sistêmicos. Por exemplo, para encontrar soluções para o aumento da emissão de gases de efeito estufa precisamos entender o raciocínio daqueles que se mostram céticos diante das mudanças climáticas, ou que as negam. Quando ouvi os produtores de leite, fui capaz de escrever uma história sobre “homens sem rosto dentro de corredores escuros” em busca de um bode expiatório me valendo daqueles que os produtores viam como os suspeitos de sempre. Alguns dos fazendeiros compartilharam sua raiva e frustração em relação a sua falta de recursos, bem como sua desconfiança para com as autoridades científicas. Eles veem a mudança climática como a mais recente desculpa para responsabilizá-los, uma vez que foram culpados, no passado, por criar mazelas sociais, desde causar câncer até a disseminação de tuberculose bovina.
O tempo é um fator crucial para a escuta atenta. Quando ouvimos alguém, é usual termos uma pergunta a responder ou um assunto específico do qual queremos saber mais. Embora repetidas conversas com diversas pessoas de uma comunidade sejam, com o tempo, mais propensas a extrair narrativas mais ricas e autênticas, esse trabalho intenso nem sempre é prático. Independentemente do tempo que você tenha, seja honesto com as pessoas com quem conversa, compartilhe com elas a pergunta mais ampla que você busca responder e, então, lhes dê oportunidades para elaborar suas respostas.
Colocar a Abordagem em Prática
Para que a escuta atenta provoque uma mudança sistêmica, as pessoas precisam aprender como praticar essa abordagem de maneira individual e coletiva. Segundo Kluger, “o que é essencial no processo de treinar as pessoas a ouvir atentamente é lhes oferecer a experiência de ser ouvido com atenção”. Refletir sobre essa experiência, incorporando-a, permite que o ouvinte realmente entenda o poder da escuta atenta e possa colocá-la em prática.
O treinamento de escuta atenta pode ser realizado em diversos contextos, incluindo aquele no qual organizações sem fins lucrativos ou empresas treinam suas equipes para compreender seus clientes e consumidores melhor. A Proximity Design é uma empresa social com sede em Myanmar que cria produtos para ajudar produtores rurais a aumentar suas receitas, ensinando a eles técnicas que vão desde escolha de sementes a bombas de água movidas a energia solar. Para entender as necessidades dos clientes, a equipe de vendas faz um treinamento de três semanas que inclui práticas de escuta e dramatização. O programa ressalta habilidades de escuta ativa como repetição, esperar um tempo antes de responder e aprender a se sentir confortável quando outras pessoas compartilham o que sentem. “Nós redesenhamos nosso relacionamento com pequenos produtores ao tratá-los como clientes perspicazes e empreendedores que querem ter escolha e dignidade, e que precisam de foco e atenção”, afirma a fundadora da empresa Debbie Aung Din. “É essencial que as pessoas se sintam ouvidas”.
Ser ouvido diminui de forma considerável a ansiedade social e convida os falantes a se engajar em um processo de introspecção e autoconhecimento que pode levar a atitudes menos extremadas.
Mesmo um treinamento curto de escuta ativa pode fazer a diferença. Eu dei um curso para 200 pessoas de diferentes comunidades no BBC Crossing Divides Festival, em Manchester, no início de 2020. Ao final, 73% dos participantes estavam mais confiantes para falar com pessoas com quem não concordavam e 76% sentiam mais empatia por eles. Como a maior parte dos profissionais que trabalha com escuta defende que o curso deve se estender por um determinado período para que os participantes possam ter tempo de refletir e praticar durante as sessões, eu prolonguei a duração do curso de escuta ativa para três semanas quando, neste ano, o ministrei, de forma virtual, para os libaneses.
Os facilitadores que observaram as conversas de grupos menores notaram progressos significativos. Na primeira sessão, os participantes estavam “fazendo comentários”, “interrompendo” e “negligenciando” as técnicas; na última, porém, se mostravam mais dispostos a repetir o que o falante havia dito para saber se tinham entendido corretamente. Eles também se tornaram mais abertos a ouvir pontos de vista distintos. Antes do treinamento, 21% dos participantes afirmavam, de forma veemente, ser capazes de ouvir alguém expressar uma opinião diferente sem o interromper. Depois de três sessões de treinamento, 58% concordavam com essa afirmação.
Quanto tempo demora para que o treinamento de escuta ativa seja eficaz? “É possível treinar alguém em dez minutos? Sim. Um período de dez anos seria melhor? Sem dúvida”, afirma a mediadora de conflitos Catherine Conner. “Quando treinamos as pessoas, vemos isso mais como uma introdução que traz consigo alguma prática inicial.”
A escuta ativa incorpora uma maneira de ser que pode ser vista no dia a dia no contato com as pessoas e que se baseia no reconhecimento fundamental de sua humanidade e dignidade. É uma abordagem que líderes de impacto social podem usar para realizar suas ambições e promover mudanças sistêmicas e uma ferramenta para jornalistas melhor compreenderem comunidades que sempre foram sub-representadas. Praticar a escuta ativa é particularmente valioso em um contexto no qual os cidadãos temem grandes divergências políticas e no qual ideias extremadas tornaram-se dominantes. A abordagem da escuta ativa pode fomentar conversas mais sinceras e autênticas para que consigamos nos entender melhor — um primeiro passo necessário rumo à criação de uma sociedade mais coesa e resiliente.