Especial Cobertura Vacinal

Proteção integrada na infância

Iniciativa do UNICEF, a Busca Ativa Vacinal ajuda municípios a encontrar crianças e adolescentes que não tenham sido vacinados ou estejam com a vacinação atrasada. A partir do princípio da intersetorialidade, a proposta reúne e mobiliza representantes de diferentes áreas como saúde, educação e assistência social oferecendo suporte aos agentes locais no mapeamento, registro e monitoramento, e nas medidas para que recebam a proteção 

Por Clara Caldeira

 


EM FOCO

BUSCA ATIVA VACINAL (BAV) é uma iniciativa do UNICEF para apoiar os governos locais na identificação, registro e monitoramento de crianças não imunizadas ou em risco de não receberem vacinas. Desenvolvido em parceria com a Pfizer e com apoio da Fundação José Luiz Setúbal, o programa visa contribuir com os municípios para encontrar crianças com menos de 5 anos, adolescentes e gestantes que não foram vacinados, ou estão com a vacinação atrasada, e tomar medidas para que recebam todas as doses e cresçam protegidas de doenças evitáveis. Atuando em parceria com o SUS, o BAV usa uma metodologia social e uma ferramenta tecnológica disponibilizada gratuitamente para os municípios.


 

imagem ilustrativa de uma carteira de vacinação para artivo sobre a Busca Ativa VacinalÉ necessário ir aonde as crianças estão. Esta é uma das premissas do Busca Ativa Vacinal (BAV), iniciativa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), que atua em parceria com o Sistema Único de Saúde (SUS) para reverter a tendência de queda das taxas de vacinação infantil observada no Brasil nos últimos anos. A Lei 14.886, de 11 de junho de 2024, instituiu o Programa Nacional de Vacinação em Escolas Públicas com o objetivo de aumentar a cobertura vacinal da população, principalmente entre alunos da educação infantil e do ensino fundamental. Além de constituir um avanço significativo num contexto em que o Ministério da Saúde trabalha duro pela retomada das altas coberturas, a lei confirma a importância do princípio da intersetorialidade, espinha dorsal da BAV no apoio aos municípios no trabalho pela garantia da imunização infantil.

Desde 2015, as coberturas vacinais vêm caindo no Brasil, colocando o país em alerta para o perigo do retorno de doenças evitáveis. A cobertura de algumas das principais vacinas infantis saiu de patamares superiores a 95%, em 2015, e sete anos depois caiu para 70%, de acordo com o DataSUS 2022. Entre os 12 estados com as taxas de cobertura vacinal mais baixas contra a poliomielite em 2022, nove estão nas regiões Norte e Nordeste e os outros três nas regiões Sul e Sudeste.

Em 2022, ano de lançamento do BAV, três em cada dez crianças não receberam as vacinas necessárias para protegê-las de doenças potencialmente perigosas. O UNICEF, por meio de uma parceria com a Pfizer e a Fundação José Luiz Setúbal, desenvolveu uma estratégia para ajudar municípios do Norte e Nordeste, também entre as regiões com indicadores mais baixos de imunização infantil, a encontrar as crianças com menos de 5 anos, mas também adolescentes e gestantes, que não tinham sido vacinados ou estavam com a vacinação atrasada e tomar as medidas para que elas recebessem todas as doses necessárias. Ao contrário do que ocorre em outros países, aqui o UNICEF não precisa aplicar as vacinas, graças à existência de um sistema de saúde pública ativo e funcional.

Quem aplica os imunizantes em território brasileiro é o SUS e todas as ações do UNICEF são cuidadosamente articuladas às diretrizes do Programa Nacional de Imunização (PNI) e do Ministério da Saúde. 

A proposta da BAV baseia-se em uma metodologia social, cujo componente mais importante é a intersetorialidade. “Esse é o coração da BAV, é a partir daí que as ações acontecem”, ressalta Luciana Phebo, chefe nacional de saúde do UNICEF no Brasil. Para possibilitar que essa premissa se efetive, é preciso reunir e mobilizar representantes de diferentes áreas como saúde, educação e assistência social em prol da vacinação infantil. “Nós entendemos que é necessário ir aonde as crianças estão”, explica Phebo. E em seguida pergunta, exemplificando o tipo de raciocínio que orienta o programa: “Precisamos nos questionar: quem tem acesso direto a elas? É a assistência social? A Secretaria de Educação?”.

O movimento promovido pela Busca Ativa, portanto, parte de uma força-tarefa que estimula a comunicação e o trabalho coordenado entre escola, assistência social e programas como o Bolsa Família e o Saúde da Família. O objetivo é ajudar a tornar o fluxo da informação vacinal mais assertivo e eficaz, desde a identificação das crianças sem vacina ou com atraso até o cadastro desses dados no sistema de informação do governo. A BAV conta com uma plataforma digital gratuita que oferece suporte aos agentes locais no mapeamento, registro e monitoramento dessas crianças, além de auxiliar no estabelecimento de estratégias de encaminhamento aos serviços de saúde e atualizações de vacinação, monitoramento da cobertura vacinal e identificação das vulnerabilidades que levam à não vacinação. 

“No Brasil, hoje, além da falta de vacina no braço, outro problema muito sério é a falta de vacina no sistema de informação”, explica Luciana Phebo. No atual governo, lembra, a Secretaria de Informação e Saúde Digital (SEIDIGI) está fazendo um grande esforço para possibilitar a interoperabilidade, conectando o sistema da Atenção Primária à Saúde (APS) à Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS). O UNICEF tem apoiado essa mobilização com a promoção de capacitações com ênfase no letramento digital, visando esse foco específico. A participação dos profissionais de saúde dos municípios em tais atividades, por sua vez, entra como um dos critérios para o Selo UNICEF (ver quadro da p. 48), como um estímulo a mais para o engajamento dos servidores.

Oficinas e formações em imunização também são parte crucial da estratégia da BAV. A iniciativa inclui programas de capacitação online e gratuitos, voltados a agentes comunitários de saúde, a visitadores domiciliares de outras áreas e a todos os atores envolvidos direta ou indiretamente na imunização infantil. Nos percursos formativos são abordados temas como território, hesitação vacinal e letramento digital. “As necessidades vão mudando e as capacitações também”, esclarece Luciana Phebo. 

 

Os aliados da vacinação infantil

Outro princípio fundamental para compreender a dinâmica de funcionamento da BAV é a ideia de aproveitar ao máximo cada oportunidade. Partindo do pressuposto de que uma política pública eficiente pode e deve ser feita da valorização do vínculo e das ações promovidas por outras políticas, a Busca Ativa Vacinal entende como vitais os diálogos com instituições como os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e com as escolas da rede pública e privada. A vacinação nas escolas e a identificação das crianças com pendências de vacinação no momento da matrícula são oportunidades únicas que não podem ser desperdiçadas, segundo esse raciocínio.

“A escola é uma aliada da vacinação infantil”, afirma Luciana Phebo. Em primeiro lugar, por ser um local que já tem em sua rotina o monitoramento da documentação da criança e do cartão vacinal, mas também por sua importância na promoção da educação em saúde. “A vacinação é um autocuidado e um cuidado com o outro, e isso é muito importante de ser ensinado para as crianças e adolescentes.” A profissional avalia que os próprios professores entendem que educar em saúde é uma das tarefas do sistema de educação básica, e que aprender a cuidar de si numa perspectiva individual, mas também coletiva, é algo que precisa estar no currículo oficial.

Nesse contexto, Luciana destaca a importância do Programa Saúde na Escola, que integra ações em saúde e educação para o aprimoramento de políticas públicas, trazendo em si a proposta da intersetorialidade, por meio da qual é promovida a vacinação no ambiente escolar, por exemplo. Sobre o risco de uma possível associação da escola à agulha ou ao medo da vacina por parte das crianças, relatos mostram o contrário. Na escola, por estarem em um ambiente social, envolvidas com colegas e brincadeiras, as crianças manifestam muito menos medo da vacina do que nos postos de saúde. Os colegas acabam incentivando e encorajando uns aos outros, o que gera uma mobilização espontânea muito positiva.

A pesquisa Escola: Uma Aliada da Vacinação Infantil¹, realizada pelo Instituto Locomotiva a pedido da Pfizer, constatou que 76% das mães brasileiras consideram a escola como o melhor ambiente para a vacinação dos filhos. Segundo o levantamento, cerca de nove em cada dez mães acreditam que o acesso à vacinação infantil será facilitado caso a imunização seja realizada também nas escolas. As mães ouvidas manifestaram o desejo de que a escola as ajude a lembrar das doses previstas pelo calendário e que lhes envie mais comunicados sobre vacinas. Entre as vantagens desse tipo de iniciativa, a maioria das mulheres apontou a redução dos custos com deslocamento e dos gastos associados ao trajeto. Com relação à confiança, 81% das mães se mostraram seguras com a imunização no ambiente escolar.

Mas se a escola, a assistência social e programas como o Bolsa Família – em que uma das condicionalidades é a imunização completa – têm tanta importância para a recuperação das coberturas vacinais, a vacinação abre outros caminhos. “A vacinação atinge mais pessoas do que qualquer outro serviço de saúde social no mundo”, argumenta Luciana Phebo, “então ela acaba sendo porta de entrada para outras políticas públicas que contribuem para a redução da pobreza.” No âmbito da assistência social, reduz a incidência de infecções, o que auxilia na proteção financeira das famílias ao diminuir os gastos com doenças. “Existe um cálculo de que as vacinas ajudarão a evitar que até 24 milhões de pessoas entrem na linha da pobreza até 2030”, destaca Phebo, o que fortalece a importância da vacina para o êxito das políticas públicas assistenciais.

O cálculo que Luciana Phebo menciona é resultado de uma pesquisa realizada pela Universidade Harvard, em parceria com a Gavi (The Vaccine Alliance), e publicada em 2018 na revista científica Health Affairs.2 O estudo mediu o impacto econômico e de saúde das vacinas para dez doenças em 41 países em desenvolvimento e constatou que, além de reduzir a pobreza, as vacinas administradas entre 2016 e 2030 evitariam 36 milhões de mortes. De acordo com Seth Berkley, epidemiologista e CEO da Gavi na época, as vacinas não apenas salvam vidas, mas também provocam um enorme impacto econômico nas famílias e comunidades. Uma criança saudável tem mais chances de frequentar a escola e futuramente se tornar um membro produtivo da sociedade, enquanto sua família pode evitar os custos, muitas vezes devastadores, que uma doença pode acarretar. Uma outra pesquisa, de 2016, empreendida pela Universidade Johns Hopkins, também nos Estados Unidos, publicada em 2016 na mesma Health Affairs3, constatou que para cada US$ 1 gasto em imunização, US$ 16 são economizados em custos de saúde, salários perdidos e perda de produtividade devido a doenças. Levando em conta os benefícios mais amplos de pessoas vivendo uma vida mais longa e saudável, o retorno do investimento aumenta para US$ 44 por cada US$ 1 gasto.

Mas se as escolas e a assistência social já estão mobilizadas e juntas pela recuperação das altas taxas de cobertura, há também a possibilidade de envolvimento com grupos mais inusitados. Um exemplo é a parceria que o UNICEF está iniciando com o Conselho Nacional do Ministério Público para poder chegar até os cartórios, onde se faz a emissão da certidão de nascimento das crianças. Luciana Phebo lembra ainda que, no Brasil, é muito comum o pai do recém-nascido ir até o cartório fazer o registro de nascimento. “Essa também é uma oportunidade para engajar o homem nessa agenda, para que isso não fique só nas costas da mulher, porque tem uma questão de gênero importante envolvida nos assuntos do cuidado”, pontua. 

 

Baturité: um piloto de sucesso

Para chegar ao desenho final da estratégia da Busca Ativa Vacinal, o UNICEF, também com a parceria estratégica da Pfizer e apoio da Fundação José Luiz Setúbal, investiu em projetos-piloto em quatro municípios, sendo dois deles Baurité (CE) e Campina Grande (PB). Ao longo de 2022, a metodologia foi implementada nas redes municipais de saúde desses quatro municípios, testada e aprimorada para que, no futuro, pudesse ser utilizada em larga escala.

Por meio de reuniões virtuais mensais e alguns encontros presenciais, foram discutidas a organização das equipes e a metodologia em cada município, as realidades locais, as diferentes iniciativas que já eram desenvolvidas para alcançar as coberturas vacinais ideais, além do que estava funcionando bem e quais as vulnerabilidades que impediam cada gestão de alcançar as metas estabelecidas. A cada encontro, os municípios recebiam materiais atualizados, ferramentas para diagnóstico institucional e novas apresentações para sensibilizar e gerar conhecimento sobre a BAV. Além disso, foram entregues os kits-BAV, compostos de camisetas e guias da metodologia do programa, guias de implantação no local e cartilhas para análise da carteira de vacinação. Todos os materiais foram desenvolvidos e testados durante os pilotos e depois passaram a integrar a estratégia maior, lançada no final de 2022.

Com relação à cobertura da tríplice viral (segunda dose), medida internacionalmente usada para avaliar o alcance dos programas de imunização infantil além do primeiro ano de vida, Barreirinha apresentou um crescimento sutil após o primeiro ano de BAV, mas indica uma tendência de crescimento acentuada em 2024, com grandes chances de fechar o ano próximo da meta de 95% segundo levantamento do DataSUS realizado pelo UNICEF Brasil. Já Abaetetuba, que no início da BAV estava próximo aos 30%, apresentou uma ligeira queda em 2023, mas parece estar se recuperando, podendo terminar 2024 perto dos 50%. Campina Grande, que já ostentou uma cobertura de quase 100% em 2019, sofreu uma queda vertiginosa com a pandemia de covid-19 em 2020, aproximando-se dos 20%, mas termina 2024 se aproximando dos 50%. Percebe-se, assim, que há uma assimetria importante dos impactos, como observa o médico e oficial de saúde do UNICEF no Brasil Gerson da Costa Filho. “Mas eles tendem a se acumular com os anos conforme os esforços de recuperação, sobretudo após a pandemia de covid-19, e vão se sedimentando”, explica Costa Filho.

Em Baturité, uma cidade de 35 mil habitantes, a implementação foi tão bem-sucedida que, após um ano de BAV, a cobertura vacinal média subiu de 43% para 95%, de acordo com a secretaria de saúde. Com relação à tríplice viral, assim como Campina Grande, o município contava com uma cobertura exemplar antes da pandemia e sofreu um baque em 2020, atingindo patamares próximos aos 20%, mas se recuperou e agora já se aproxima da sonhada cobertura total. Com isso, o Baturité alcançou a maior cobertura vacinal do Ceará, levando o governo do estado a assinar, em julho de 2023, o termo de adesão à iniciativa, com o objetivo de incentivar outros municípios a atingir as metas de cobertura estabelecidas pelo Ministério da Saúde – que variam de 90% a 95%, dependendo do imunizante. 

Micael Pereira Nobre, coordenador de assistência farmacêutica da Secretaria de Saúde de Baturité, explicou que as funerárias do município costumam ter planos de atendimento médico popular, oferecendo serviços acessíveis aos clientes por meio de parcerias nas áreas médica, odontológica e laboratorial. Com isso, a busca ativa das pessoas que não foram vacinadas e das mães que não vacinaram as crianças é feita também nesses estabelecimentos. A inusitada oportunidade identificada e aproveitada no contexto da busca ativa exemplifica com perfeição a aplicação prática de uma das principais diretrizes do programa. 

Em Baturité, antes mesmo da adoção da metodologia BAV, um dos primeiros passos foi o estabelecimento de metas por coordenação da área de saúde para melhorar a cobertura vacinal. Para que isso fosse possível, e também para conceber estratégias e prever recursos, uma investigação inicial foi fundamental. Um bom diagnóstico implica dispor não somente de indicadores confiáveis, mas também de informações sobre as políticas em vigor, as condições da estrutura de saúde, a disponibilidade e a qualidade da mão de obra. Foi justamente essa etapa que detectou, por exemplo, que não havia nenhuma sala de vacinação informatizada no município e que, com frequência, os medicamentos eram armazenados incorretamente. Após o diagnóstico obtido com a implementação da BAV, foi feita a reposição das câmaras frias, as Unidades Básicas de Saúde (UBSs) foram reformadas, todas as salas de vacinação passaram a ter internet e prontuário eletrônico e um plano de contingência foi criado para a falta de energia: “agora tem sempre uma pessoa de sobreaviso para colocar esse plano em ação caso seja necessário”, conta Nobre. 

Com relação aos registros e sistemas de informação, no início da série de medidas no município foram encontrados incontáveis erros de digitação e de inserção dos números nas cadernetas. Não raro, o registro da segunda dose era feito em substituição ao da primeira, que era apagado. Baturité realizou então, no começo do projeto, um mutirão para que os agentes comunitários de saúde atualizassem o cadastro das famílias e ajudassem a corrigir o banco de dados e, nesse sentido, as capacitações também constituíram um pilar importante da mobilização. Para Gerson da Costa Filho, essa força-tarefa foi central para o sucesso da experiência de Baturité, o que foi corroborado pelos resultados de outros municípios que não fizeram parte do piloto, mas integram a iniciativa Selo UNICEF. Investir desde o começo na qualificação da informação e na captação dos resultados através dos sistemas de informação foi, segundo ele, um dos grandes aprendizados e que deverá ser levado para ações futuras.

 Já em comunicação, outra área fundamental, além das parcerias com as rádios locais, que segundo Nobre tiveram importância decisiva para o sucesso da busca ativa, foi feito um trabalho intenso nas redes sociais com foco no Instagram. “Se você não comunica, você não consegue seu objetivo final”, comenta o coordenador. 

Outra iniciativa que colaborou para os bons resultados do município foi a criação de mutirões de vacinação em diferentes localidades – para além das unidades de saúde – e a expansão dos horários de vacinação, com o objetivo de contemplar mães e pais que trabalham o dia todo.

Para que as mudanças alavancadas pela metodologia BAV tenham êxito e continuidade, é importante que ela seja capaz de promover transformações estruturais. Isso pode acontecer de diferentes formas, por meio de ações de incidência e advocacy, tendo sempre em vista o fortalecimento da intersetorialidade. Um exemplo representativo seria a criação de uma lei ou decreto municipal que estabeleça fluxos entre educação, saúde e assistência social. Assim, quando uma criança sem vacina é identificada, onde quer que ela esteja, os servidores públicos sabem o que fazer – tanto no que se refere ao encaminhamento do caso como em relação ao registro da informação.

Um grande aliado nesse contexto é o Selo UNICEF, que, em 2024, certificou mais de 900 municípios do Norte e Nordeste que evoluíram em um conjunto de indicadores, incluindo a vacinação infantil.

 


SELO UNICEF: UMA agenda prioritária para a infância e a adolescência

O Selo UNICEF é uma estratégia criada para fortalecer as políticas públicas municipais voltadas às crianças e aos adolescentes que vivem na Amazônia Legal brasileira e no Semiárido, e que se mostrou uma grande aliada na luta pela recuperação das altas coberturas vacinais. Ao aderir ao Selo UNICEF de forma espontânea, os gestores assumem o compromisso de manter uma agenda direcionada à infância e à adolescência como prioridade. A adesão inclui o monitoramento de indicadores sociais e a implementação de ações que ajudem o município a cumprir a Convenção sobre os Direitos da Criança, que no Brasil é refletida no Estatuto da Criança e do Adolescente e inclui o direito à vacinação.

O sucesso do Selo UNICEF é resultado da parceria com governos estaduais e municipais por meio da atuação integrada. A última edição (2021-2024) contou com a participação de 2.023 municípios, de 18 estados, dos quais 923 conseguiram o certificado, sendo que para imunização, enquanto, no Brasil, de 2020 a 2023, as coberturas da Tríplice Viral D2[i] aumentaram 2,6% (de 64,27% para 65,91%), nos municípios certificados pelo Selo UNICEF em 2024 o aumento foi de 17,7% (de 56,4% para 66,4%) no mesmo período. Um exemplo de ação pela retomada das coberturas por meio do Selo é definir a instituição de um decreto ou lei municipal que reforce a intersetorialidade da imunização como uma das iniciativas optativas que resultam na obtenção do certificado e que se tornará obrigatória na próxima edição. “Com isso, estamos conseguindo estimular a intersetorialidade em diversos municípios do norte e do nordeste”, comemora Luciana Phebo. Num decreto como esse, segundo Phebo, tem que estar descrito o fluxo, as portas de entrada para identificar a criança não vacinada e também a implementação da vacinação nas escolas. 

Atualmente, já são 265 municípios com o Selo UNICEF que aprovaram normativas municipais relacionadas a decretos ou leis sobre imunização, seguindo as diretrizes do programa. “A assistência social tem como função identificar e encaminhar, mas a escola é um lugar estratégico para a vacinação”, ressalta a chefe de saúde do UNICEF. Phebo destaca ainda a importância da territorialização para fortalecer a intersetorialidade. “Toda escola tem uma Unidade Básica de Saúde que a atende, é assim que é pensado o SUS”, explica. “Então é viável a gente pensar que haja esse trabalho em conjunto, detectando as crianças não imunizadas e promovendo a vacinação”, finaliza.


 

A esperança nos números

Em 2023, o número de crianças que não receberam a primeira dose da vacina contra a poliomielite foi menor do que em 2022. Dados do DataSUS mostram que o Brasil conseguiu retomar os avanços na imunização infantil após anos de queda nas coberturas vacinais, que colocaram em risco a saúde de milhões de crianças. No entanto, apesar dos avanços, os números ainda não indicam um cenário de tranquilidade equiparável ao anterior ao início da queda. Ainda há crianças não vacinadas no país, que precisam ser encontradas e imunizadas, em um esforço conjunto envolvendo saúde, educação e assistência social.

O levantamento realizado pelo UNICEF, com base em dados do Ministério da Saúde, mostra que em 2022 nasceram 2,56 milhões de crianças no Brasil e foram aplicados 2,32 milhões de primeiras doses da pólio (VIP) – o que significa que 243 mil crianças não receberam a vacina. Em 2023, dos 2,42 milhões de nascidos, 2,27 milhões receberam a primeira dose de pólio injetável e 152,5 mil ficaram sem a vacina. A retomada da imunização é um avanço que merece ser comemorado, de acordo com Youssouf Abdel-Jelil, representante do UNICEF no Brasil. Entretanto, para ele os desafios ainda existem e precisam continuar sendo encarados: “Essa busca tem de ultrapassar os muros das unidades básicas de saúde e alcançar outros espaços em que crianças e famílias, muitas em situação de vulnerabilidade, estão”, defende. 

A tendência de recuperação das coberturas vacinais é fruto do planejamento adotado desde o início pela atual gestão do Ministério da Saúde. O trabalho incluiu a criação do Movimento Nacional pela Vacinação e a implementação da estratégia de microplanejamento, sempre com respeito e atenção às particularidades de cada município. Após todo esse esforço e um investimento de mais de R$ 5,6 bilhões na compra de imunizantes, o ministério registrou, em 2023, aumento nas coberturas vacinais de 13 dos 16 principais imunizantes do calendário infantil do Programa Nacional de Imunizações (PNI), em comparação com dados de 2022. Registraram crescimento vacinas contra a poliomielite (VIP e VOP), pentavalente, rotavírus, hepatite A, febre amarela, meningocócica C (primeira dose e reforço), pneumocócica 10 (primeira dose e reforço), tríplice viral (primeirae segunda doses) e reforço da tríplice bacteriana (DTP, que previne contra a difteria, o tétano e a coqueluche).

A importância de trabalhar a intersetorialidade e múltiplos indicadores é reforçada num contexto em que ainda é preciso chegar àquelas crianças às quais o acesso é mais difícil e que, por isso, ainda não foram vacinadas. “Conforme a cobertura vacinal for aumentando, e ela está aumentando, cada vez fica mais complexo chegar àquela criança que não foi vacinada”, diz Luciana Phebo. “Por isso, necessariamente a saúde precisa atuar de forma articulada com a educação, assistência social, e outros grupos devem ser acionados, como grupos religiosos, por exemplo”, defende. Phebo lembra a importância da conscientização dos jovens, que já são ou vão se tornar pais e mães no futuro, para que eles possam entender a importância da vacinação. “Muitos desses jovens não viveram a poliomielite no Brasil, não conhecem o drama, a dor. Muitos deles também não viram crianças morrendo.”

A vacina é um direito da criança, assegurado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e, quando uma campanha de imunização chega a 95% de crianças vacinadas, é sempre importante lembrar que isso significa que 5% das crianças não estão vacinadas, ou seja, o trabalho ainda não acabou. A agenda de imunização 2030, ligada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) – por meio dos quais a Organização das Nações Unidas propõe metas a ser cumpridas por todos os países-membros –, sugere, como princípio, não deixar nenhuma criança para trás. No caso específico do Brasil, essa meta incorpora ainda a cobertura universal de saúde (que inclui o acesso às vacinas), apoio à pesquisa e desenvolvimento de tecnologias e inovações. “Com esse indicador (‘criança zero dose’) a gente consegue contabilizar quantas crianças estão nessa situação de extrema vulnerabilidade com relação à proteção imunológica”, explica Luciana Phebo. “A vacinação é uma questão de direitos humanos e essa noção é muito importante para nós”, declara.

 


Nenhuma criança pode ficar para trás

Outro indicador importante que tem sinalizado uma tendência positiva é o parâmetro “criança zero dose”, utilizado pelo UNICEF e pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e que corresponde ao número de crianças que não tomaram a primeira dose da DTP (vacina tríplice que previne contra a difteria, o tétano e a coqueluche).

No Brasil, em geral a primeira vacina que as crianças recebem é a BCG (contra as formas graves de tuberculose), diferentemente da maior parte do mundo, o que torna esse um indicador global importante. Em 2021, com relação à “criança zero dose”, o Brasil estava entre os dez piores países do mundo, ocupando o sétimo lugar no ranking organizado pela OMS, com 687 mil crianças. Em 2022, foi para a oitava posição, com 417,9 mil crianças. Em 2023,4 saiu do ranking dos dez piores e não figurou nem entre os 20 piores, com 103 mil crianças “zero dose”, um avanço que merece ser celebrado. Outro indicador importante é constituído pela soma entre o número de crianças “zero dose” e o número de crianças com atraso vacinal. Em 2022, esse número chegou a 620 mil crianças, mas em 2023 também foi possível observar uma melhora considerável: ficou em 257,4 mil crianças. 


NOTAS

1 Instituto Locomotiva. Pfizer. Escola: uma aliada da vacinação infantil. Abril de 2023. 

2 Gavi (The Vaccine Alliance). Harvard University. Study: vaccines prevent not just disease, but also poverty. 2018.  

3 Johns Hopkins University. Return on investment from childhood immunization in low-and middle-income countries, 2011–20. Health Affairs, 2016. 

4 Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Brasil avança na imunização infantil e sai da lista dos países com mais crianças não vacinadas no mundo. 

 

A autora

CLARA CALDEIRA é jornalista, mestre em saúde pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP). Atuou na imprensa alternativa com foco em cultura, sustentabilidade, cidadania e direitos humanos e hoje concentra suas atividades no terceiro setor.

 

*Artigo publicado originalmente na edição especial Cobertura Vacinal; leia aqui a edição completa

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