Investimento de impacto

As limitações do investimento em soluções universais

O investimento sistêmico requer inserir as soluções em seu contexto

Por Dominic Hofstetter

soluções adaptáveis para investimentos sistêmicos se assemelham a quebra-cabeças
Programas de investimento sistêmico devem atuar simultaneamente nos níveis macro, médio e micro das intervenções. Devem desenvolver componentes universais do quebra-cabeça e então integrá-los no contexto específico. Foto: Shutterstock

O capital de impacto tende a ser investido de duas formas principais. A primeira é em empresas ou projetos mais ou menos independentes de contexto geográfico ou social. Por exemplo, a Lime é uma operadora de redes compartilhadas de bicicletas e patinetes elétricos, que podem reduzir as emissões de gases de efeito estufa em diversos locais, desde que esses veículos substituam meios de transporte mais poluentes. A outra maneira é investir em iniciativas altamente relacionadas com um lugar ou mercado específico. Um exemplo são as ofertas financeiras híbridas da GroundBreak Coalition, que têm como objetivo reduzir a desigualdade racial na distribuição de riqueza nas cidades de Minneapolis e St. Paul, no estado norte-americano de Minnesota, ajudando pessoas não brancas e de baixa renda a se tornarem proprietários de imóveis, empreendedores e incorporadores imobiliários comerciais.

Embora a maioria dos investidores de impacto opere no primeiro modelo – buscando tecnologias, produtos ou serviços “universais” que teoricamente poderiam ter sucesso em diversos contextos –, nossa experiência nos levou a questionar se soluções focadas em escalabilidade universal correm o risco de exagerar seu impacto ou negligenciar abordagens contextuais mais eficazes. A TransCap Initiative, onde trabalho, passou os últimos seis anos desenvolvendo o campo do investimento sistêmico, uma abordagem concebida para lidar com a natureza e a magnitude dos maiores desafios da sociedade: a transformação dos sistemas alimentares, energéticos, de mobilidade, urbanos e industriais. Um padrão que emergiu organicamente em nosso trabalho é que frequentemente nos vemos atraídos para contextos específicos, geralmente interseções entre um sistema e um desafio, como as transições agrícolas regenerativas no meio-oeste dos Estados Unidos ou a transição ao net zero da mobilidade na Suíça, contrastando com a forma descontextualizada em que a maior parte dos investimentos de impacto ocorre atualmente.

Há razões pelas quais investidores tradicionais de impacto procuram soluções com apelo universal. Uma delas é a crença de que o potencial de retorno financeiro é maior ao focar em mercados mais amplos do que em soluções contextuais mais limitadas. Outra é que o conhecimento dentro das equipes de investimento costuma ser unidimensional e independente de contexto, significando que os investidores geralmente compreendem setores ou classes de ativos específicas, mas não fatores culturais, políticos, regulatórios e econômicos específicos de contextos geográficos diversos. Também existe a questão de que o capital de investimento costuma ser organizado por temas (por exemplo, futuro da mobilidade, mudanças climáticas, etc.) e não em torno de esquemas específicos de sistemas/desafios (por exemplo, adaptação às mudanças climáticas no sul da Espanha). Finalmente, o fluxo de oportunidades de investimento tende a crescer proporcionalmente ao tamanho do contexto, de forma que investidores que buscam inovações “universais” provavelmente encontrarão um maior volume de oportunidades do que aqueles focados em contextos específicos.

O desafio do investimento de impacto independente de contexto é que, no fim das contas, a resolução de um desafio concreto dependerá sempre de como uma solução se integra aos contextos nos quais é utilizada. Considere os diferentes níveis de adoção dos patinetes elétricos pelo mundo, por exemplo. Houve um tempo em que se presumiu que, se eles fossem disponibilizados, as pessoas em todos os lugares passariam a usá-los. No entanto, estudos revelaram que a adoção real depende de uma infinidade de fatores, e o grau em que os patinetes elétricos são realmente uma “solução” para os problemas de transporte de uma cidade depende fortemente das circunstâncias específicas. Enquanto Berlim registrou um recorde mundial de 17,5 milhões de viagens de patinetes elétricos em 2023, Paris os proibiu no mesmo ano.

Existem várias razões pelas quais as inovações não se difundem de forma semelhante em contextos diferentes. Uma barreira importante é o problema do “não foi inventado aqui”, um obstáculo comum à adoção de inovações de origem externa. O que faz sucesso em um contexto pode ser rejeitado em outro simplesmente por não ter origem local. Alguns dos exemplos mais famosos desse fenômeno vêm do mundo corporativo, como a rejeição da Sony ao formato de arquivo MP3 para proteger seu Walkman ou a rejeição da Kodak ao processo da Polaroid. Outro possível impedimento é a falta de preparação de um sistema para acomodar um novo elemento por razões técnicas, legais, políticas ou outras. Por exemplo, no Reino Unido – assim como em muitos outros países –, permissões de planejamento e conexões à rede elétrica para infraestrutura de recarga têm sido uma grande barreira ao aumento da adoção de veículos elétricos. Existem ainda fatores idiossincráticos que podem impedir o sucesso de uma intervenção: considere o infame caso da liberação de sapos-cururu na Austrália, onde a tentativa de replicar uma estratégia de controle de pragas bem-sucedida em outro contexto resultou em um desastre de biodiversidade causado pelo ser humano e em uma advertência sobre a introdução de espécies não nativas.

Trabalhar com foco no contexto permitiria a investidores estudar um problema em profundidade, levando em conta as particularidades e nuances locais e, a partir disso, identificar o conjunto de soluções necessário para enfrentá-lo de forma eficaz. Patinetes elétricos podem ser a resposta em algumas cidades, mas não em outras. Investidores que ignoram o contexto podem ser ingênuos quanto ao grau em que a inovação que estão apoiando realmente resolverá problemas do mundo real, superestimando seu impacto e – o mais importante – deixando de lado um potencial não aproveitado.

O contexto dentro do investimento sistêmico

Por definição, o investimento sistêmico coloca o contexto no centro do processo. O contexto importa desde o início, incluindo as etapas interconectadas de: (1) articular uma intenção transformadora, (2) delimitar os limites do sistema, (3) realizar análises sistêmicas e (4) construir e coordenar coalizões com agentes de investimento. Cada uma dessas etapas exige que investidores sistêmicos reflitam sobre qual problema específico resolver, quais são as causas desse problema e quem precisará fazer parte do consórcio responsável pela mudança.

Durante esses processos, é possível tentar focar em sistemas “globais”. Porém, qualquer análise feita nesse nível tenderá a gerar insights tão genéricos que as soluções pontuais sugeridas estarão sujeitas a diversas barreiras de difusão. Além disso, insights analíticos no nível macro geralmente não são aplicáveis na prática, exceto para os maiores atores multinacionais. Isso ocorre porque as estruturas institucionais nas quais a inovação e o investimento geralmente acontecem costumam operar em níveis abaixo do macro: quase ninguém opera de maneira verdadeiramente global. Assim, estratégias de investimento geralmente precisam ser desenvolvidas em escalas “subglobais”. Isso significa que, mesmo tendo insights analíticos no nível macro, ainda é necessário realizar muitas análises adicionais para se chegar a conclusões relevantes nos níveis médio ou micro.

Três fatores diferentes nos aproximam da especificidade e do contexto no investimento sistêmico:

1. A mentalidade analítica de tentar compreender um problema em profundidade e sob múltiplas perspectivas. Alguns problemas têm causas de nível macro; por exemplo, o racismo estrutural perpetua a imobilidade econômica de pessoas não brancas. No entanto, muitas causas estão no nível micro, como danos a uma ponte que triplicam o tempo de deslocamento dessas pessoas (estudos mostram que a raça influencia o tempo médio de deslocamento, sendo que pessoas não brancas enfrentam viagens mais longas que pessoas brancas, especialmente em áreas urbanas). Como a análise sistêmica exige aprofundamento, acabamos sendo atraídos pelo contexto.

2. A busca pela aplicabilidade prática. Alocar capital é uma atividade de nível micro, ocorrendo entre entidades legais específicas. Para que análises gerem insights aplicáveis na prática, elas precisam ser realizadas em níveis que orientem a transferência de capital de uma entidade para outra.

3. O interesse em gerar efeitos combinatórios. As sinergias que surgem quando múltiplas intervenções (investimentos, doações) possuem relações estratégicas entre si tornam-se mais prováveis à medida que a compreensão do problema e a densidade de conexões aumentam – por exemplo, quando se torna possível identificar quais organizações reforçam mutuamente o trabalho umas das outras de maneira tangível.

Quanto mais concreto o contexto, mais fácil se torna identificar essas oportunidades.

Trabalhar com foco no contexto traz outros benefícios adicionais, que se combinam para aumentar as chances de sucesso em iniciativas de mudança sistêmica: a possibilidade de acessar recursos específicos daquele contexto (como capital proveniente de investidores locais ou mesmo governos), a legitimidade e autonomia resultantes de se trabalhar diretamente com atores locais e (possivelmente) a facilidade de atuar num ambiente relativamente homogêneo do ponto de vista cultural e linguístico.

Implicações estratégicas

Tudo isso aponta para a necessidade de “delimitar” claramente o problema. Mas quanto exatamente precisamos delimitar? Onde fica exatamente a linha divisória entre algo abstrato demais e algo suficientemente tangível?

No nosso trabalho de investimento em sistemas alimentares, percebemos que delimitar o sistema apenas como “agricultura no meio-oeste dos EUA” não oferece contexto suficientemente específico para permitir a alocação prática de capital. Certos aspectos do problema são compartilhados por todos os subsistemas agrícolas daquela região, como a aplicabilidade das leis federais ou o problema geral da degradação dos solos. Mas cada subsistema é um microcosmo com inúmeras peculiaridades que tornam inviável uma abordagem única para mudança sistêmica. Mesmo as causas e consequências da degradação do solo variam consideravelmente de um local para outro.

Por outro lado, aprendemos também que há o risco de exagerar ao contrário, delimitando o sistema de forma excessivamente restrita. Por exemplo, focar em uma única commodity agrícola em um único estado nos levou a subestimar a interconexão e interdependência das cadeias agrícolas, criando o risco de cairmos em raciocínios reducionistas e visão limitada. O fluxo de oportunidades também pode ser um problema: o investimento é um exercício de filtragem, e investidores precisam de uma base ampla de oportunidades no topo do funil. Mesmo um contexto tão amplo quanto o sistema de mobilidade de um país de tamanho médio pode se mostrar pequeno demais para garantir um fluxo de negócios suficiente para a construção de um portfólio que atenda padrões básicos de risco, retorno e diversificação – algo que aprendemos em nosso trabalho sobre o sistema de mobilidade suíço. A liquidez também é outra questão: investidores precisam manter parte do seu capital em ativos líquidos para ter dinheiro disponível quando necessário. Ações e títulos negociados publicamente oferecem essa liquidez, mas geralmente são emitidos por grandes empresas que operam no nível macro, o que dificulta influenciá-las em níveis médio e micro.

Passamos a acreditar que a tensão entre “independente de contexto” e “contextualizado” é mais uma característica do que um defeito no trabalho com sistemas. O segredo para lidar produtivamente com essa tensão é atuar simultaneamente nos níveis macro, médio e micro do problema. O desenvolvimento de cada peça do quebra-cabeça pode acontecer em cada nível sistêmico, mas a montagem dessas peças em respostas adaptadas localmente – portanto eficazes – precisa acontecer no nível micro, dentro do contexto específico.
Considere a analogia da construção de uma casa. Um projeto desses exige conhecimentos de arquitetura, análise estrutural e técnicas de construção – todos elementos macro, aplicáveis globalmente. Exige também elementos médios, moldados por circunstâncias nacionais ou regionais, como códigos de construção, mão de obra qualificada e mecanismos de financiamento. Contudo, construir a casa propriamente dita (para alcançar o resultado social desejado: abrigo) é uma atividade de nível micro, na qual uma infinidade de fatores pode determinar sucesso ou fracasso. O terreno tem a capacidade de suporte necessária? Está situado na zona correta? Existe estrada pavimentada para caminhões pesados entregarem os materiais de construção? É no nível micro que o impacto real acontece, por meio da combinação específica e contextualizada de diversas inovações individuais.

Duas implicações estratégicas decorrem disso:

1. Programas de investimento sistêmico devem atuar simultaneamente nos níveis macro, médio e micro das intervenções. Devem desenvolver componentes universais do quebra-cabeça e então integrá-los no contexto específico. Trabalhar no nível macro é uma oportunidade de garantir amplo fluxo de negócios e liquidez suficiente, mas o impacto verdadeiro se materializará no nível micro, onde as pessoas vivem, trabalham e interagem.

2. Investidores sistêmicos não devem pensar a expansão de impacto por meio da lógica tradicional de crescimento (ampliar uma única solução), mas por meio da replicação adaptada (copiando uma solução para diferentes locais, adaptando-a às especificidades locais) – uma diferença sutil, mas fundamental. Nesse processo, é essencial focar no “núcleo de eficiência”: as partes específicas (e não a solução completa) que podem ser replicadas com mínimas adaptações para diferentes contextos locais. Em outras palavras, o núcleo deve permanecer praticamente o mesmo, mas as camadas ao seu redor – como marketing, embalagem ou entrega – podem ser adaptadas para facilitar sua adoção local.

O retorno do contexto nas finanças com propósito

Em resumo, qualquer organização que busque transformar sistemas deve encontrar formas de introduzir contexto e então ampliar seu impacto por meio de replicação adaptada. Para muitas organizações – incluindo organizações comunitárias ou fundações locais – isso é evidente. É também uma conclusão lógica para quem acredita nos argumentos a favor do investimento de impacto com foco local ou cuja missão está ancorada em um esquema específico sistema-desafio, como no caso da GroundBreak Coalition.

Porém, parece claro que muitos investidores com propósito perderam de vista a importância do contexto, frequentemente impulsionados pelo desejo de maximizar impacto apoiando iniciativas de aplicação universal. Em vez de começar com uma solução abstrata e tentar aplicá-la a contextos específicos, seria melhor começar com um contexto específico e então identificar quais soluções são necessárias. É exatamente nessa abordagem que prioriza o sistema que o investimento sistêmico pode ser uma chave para abordar alguns dos problemas mais concretos e urgentes do século 21.

O AUTOR

Dominic Hofstetter é diretor-executivo da TransCap Initiative, uma organização sem fins lucrativos com atuação global cuja missão é desenvolver o campo do investimento sistêmico. Ele trabalha com mudanças climáticas e outras questões ambientais desde 2009, sempre na interseção entre finanças, inovação e tecnologia.

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