Rumo à neutralidade de carbono
O think tank alemão Agora Energiewende desenvolve propostas de política energética e climática para atingir a neutralidade de carbono
Por Paul Hockenos
A transição da Alemanha para a energia limpa, chamada Energiewende [transição energética], já estava em curso em 2011 quando um fato a tornou mais urgente. Em 11 de março daquele ano, um poderoso terremoto e tsunami atingiram a central nuclear de Fukushima, no Japão, provocando um colapso em grande escala.
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Se uma nação tecnologicamente avançada como o Japão pôde sofrer um acidente tão devastador, então a Alemanha também poderia, deduziu a chanceler alemã conservadora Angela Merkel. Esse pensamento foi compartilhado por mais de 250 mil manifestantes que tomaram as ruas do país naquela semana, exigindo o fim da energia nuclear. O enorme protesto reforçou a motivação de Merkel para acelerar a Energiewende, posta em curso pela administração anterior.
Em contraste com Merkel, o líder político do Partido Verde e antigo alto funcionário de energia Rainer Baake já havia muito se opunha à energia nuclear. Para ele, a resposta de Merkel a Fukushima abriu um caminho para as energias renováveis, mas exigia uma estratégia precisa. “Precisávamos de pesquisas boas e robustas e de um fórum onde as pessoas pudessem discutir abertamente”, lembra Baake. A Alemanha poderia se tornar pioneira na ação climática ao fazer a transição para um abastecimento de energia de baixa emissão de carbono que abandonasse não só os combustíveis fósseis, mas também a energia nuclear.
O país já tinha prometido reduzir as emissões de CO₂, duplicando sua cota de energia renovável até 2020 – o que cumpriu – e aumentando-a de modo a cobrir mais de 80% de seu consumo de eletricidade até 2050. Até 2011, turbinas eólicas, hidroelétricas, células solares e digestores de biogás já representavam 20% da eletricidade do país, graças à legislação aprovada em 2000, que concedeu benefícios aos produtores independentes de energia limpa.
Mas a inesperada e rápida expansão das energias renováveis na Energiewende – uma grande anomalia na Europa em 2011 – era generalizada e desestruturada, suscitando tantas perguntas quanto respostas. Como exatamente uma potência industrial como a Alemanha substituiria todo o seu fornecimento de energia sem destruir negócios lucrativos, paisagens de cartão-postal e estilos de vida amados?
Para criar e concretizar uma estratégia de mudança para a energia limpa, Baake propôs um fórum inspirado nas ágoras gregas, onde as pessoas se reuniam para vender produtos e conversar. Em 2012, ele fundou a Agora Energiewende, consultoria baseada em políticas públicas com sede em Berlim que opera como um think tank multidisciplinar sem fins lucrativos. Quatro anos mais tarde, abriu uma filial em Bruxelas, que cobre a política climática da União Europeia (UE). A missão da Agora, segundo seu site, é oferecer “estratégias politicamente viáveis e baseadas em evidências para promover a meta de neutralidade climática” no mundo todo.
Um mercado de ideias
A inspiração da Agora Energiewende não se limita à Grécia antiga. Markus Steigenberger, que ajudou Baake no lançamento da organização sem fins lucrativos e atua como seu diretor administrativo, diz que eles recorreram a outros laboratórios de ideias do mundo em busca das melhores práticas. “A ideia era construir uma organização adequada ao contexto alemão e europeu que fornecesse soluções viáveis, com base em fatos científicos robustos.”
Steigenberger argumenta que, em contraste com o caráter partidário dos think tanks dos EUA, na Alemanha a política é muito mais consensual e receptiva a diversas perspectivas. Nesse espírito de inclusão, a Agora reuniu um conselho de 25 stakeholders vindos de governos estaduais e do federal, partidos políticos, universidades, sindicatos e indústria. O conselho tem um homólogo em Bruxelas e, lá como em Berlim, reúne-se quatro vezes ao ano para discutir as descobertas científicas dos especialistas da Agora e propor soluções políticas.
“Os políticos são responsáveis pelo processo legislativo”, explica Steigenberger. “A Agora contribui para o debate com estratégias e soluções que estão à frente do problema, mas são política e tecnicamente viáveis.”
Por exemplo, o primeiro documento político da Agora, “12 Insights on Germany’s Energiewende”, de 2013, argumentou que as energias eólica e solar são mais baratas que outras matrizes limpas e têm potencial único para uma expansão massiva. A energia hidrelétrica, por outro lado, é limitada pelo número de rios que podem ser represados. Portanto, o governo devia apoiar o desenvolvimento de parques eólicos e solares, bem como a rede de transmissão necessária para lidar com essas fontes, concluía o relatório.
O documento guiou o colossal desenvolvimento de energia solar e eólica na Alemanha durante mais de uma década. Desde sua publicação, a Alemanha reformulou seus roteiros energéticos, comprometeu-se com uma ampla eletrificação, reescreveu normas, planejou e construiu novas redes inteligentes, iniciou um programa de energia eólica em alto-mar, ajustou os mercados de energia para melhor acomodar as fontes renováveis e alterou seus critérios de subsídios para energia solar e eólica – uma revisão que fez com que a capacidade das energias renováveis mais que dobrasse. Fontes renováveis respondem hoje por cerca de metade do consumo de eletricidade da Alemanha. O país está determinado a duplicar novamente a capacidade de energia eólica e a quadruplicar a energia solar para se tornar dependente apenas de fontes renováveis até 2035.
“Algumas dessas ideias já estavam circulando”, observa Toby Couture, diretor da empresa de consultoria energética E3 Analytics, de Berlim. “Mas a Agora, por meio de relatórios bem escritos, conseguiu captar a imaginação do público e definir a narrativa. A tese sobre sol, vento e eletrificação permanece válida até hoje.”
Ao longo de uma década, a criação de Baake definitivamente moldou a agenda de proteção climática na Alemanha e na Europa. Hoje emprega cerca de 150 especialistas de 30 nacionalidades – de engenheiros a economistas e cientistas políticos –, os quais nutrem os mais importantes programas de transição energética do país com propostas que recomendam estratégias, táticas e políticas. A metodologia da Agora combina pesquisa interna e trabalhos encomendados a especialistas de fora para garantir que todas as conclusões sejam abrangentes e confiáveis.
Ao longo de uma década, a Agora definitivamente moldou a agenda de proteção climática na Alemanha e na Europa.
A Agora também promove o diálogo e as relações públicas entre tomadores de decisão, grupos de interesse, pesquisadores e mídia. Seus gráficos baseados em medições do laboratório, acessíveis ao público, traçam a composição do fornecimento de energia em constante mudança e do nível de consumo da Alemanha. E todos os seus documentos estão disponíveis gratuitamente no site, em quatro idiomas.
Em 2016, a Agora lançou uma consultoria dedicada a conversões sustentáveis em transportes. Seguiram-se duas consultorias adicionais, para a indústria em 2021 e para a agricultura em 2022. “O trabalho da Agora é sobre a transformação para a neutralidade climática em todos os setores – da agricultura até os transportes e a indústria”, diz Steigenberger. “Todos eles são essenciais para a descarbonização da nossa economia e sociedade. Nós investigamos ligações complexas, trade-offs e interdependências à medida que a transição para a neutralidade climática avança.”
As iniciativas filantrópicas independentes Mercator Foundation e European Climate Foundation (ECF) comprometeram-se a financiar a Agora Energiewende durante sua primeira década. Hoje, ela opera com uma tutela privada. Aproximadamente 80% do orçamento de € 19 milhões provém de fundações privadas do mundo todo, como a ECF e a Aspen Global Change Institute, enquanto cerca de 15% são disponibilizados por doadores governamentais cujos fundos são exclusivamente para trabalho internacional.
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