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Uma ONG se decoloniza

Como a ONEVILLAGE PARTNERS deixou de ter programas liderados pela comunidade para ser uma organização conduzida por ela

Por Eric Kawa

Grupo de ação comunitária vota em reunião na província de Baaka, em Serra Leoa

Serra Leoa enfrentou desafios educacionais, sociais e econômicos após se tornar independente da Grã-Bretanha, em 1961 – entre os quais uma década de guerra civil, que terminou em 2002, e o maior surto de ebola da história, de 2014 a 2015. A taxa de pobreza é de 64%, a expectativa de vida é de 60 anos e a taxa de alfabetização na zona rural é de 48%. Só 16% da população tem acesso a saneamento básico e 2%, a água potável.

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Depois da guerra, governos, ONGs e filantropos enviaram ajuda externa. Entre os grupos de auxílio estava a organização sem fins lucrativos OneVillage Partners. A entidade foi fundada pelo incorporador Jeff Hall em 2005, após uma visita a amigos que tinham sobrevivido ao conflito e viviam em campos para desalojados. Essas amizades remontam a 1987, quando Hall foi voluntário do Corpo da Paz numa região rural do leste do país.

A OneVillage Partners acredita que as parcerias comunitárias devem servir de base para enfrentar a pobreza de origem multifatorial. A organização oferece apoio financeiro e gestão de projetos para as comunidades, além de conectar líderes comunitários para que colaborem em desafios comuns. Os relacionamentos alicerçam os esforços da organização.

“O trabalho da OneVillage Partners se baseia na liderança comunitária e em perguntar às pessoas do que elas precisam e como podemos ajudá-las a melhorar suas vidas”, diz Jill LaLonde, diretora-executiva da organização.

 

Formando lideranças comunitárias

 

O trabalho da OneVillage Partners começa com uma convocação dos membros, pedindo-lhes que selecionem 12 residentes para representá-los em um grupo de ação comunitária (CAP, na sigla em inglês). Esses voluntários atuam como elo entre a comunidade e a equipe da OneVillage Partners, que, por sua vez, facilita o treinamento em gestão para o CAP e traz especialistas e parceiros para projetos conforme a necessidade.

Nas 32 comunidades com as quais a organização trabalhou, a prioridade eram as questões de água e saneamento. Cada comunidade elaborou um projeto para suas circunstâncias. Enquanto uma poderia reabilitar poços quebrados, outra exigiria novos. Uma poderia cobrar os usuários do poço por uso, enquanto outra tributaria toda a comunidade pelo acesso livre. Muitas construíram latrinas e educaram os moradores sobre a importância de usá-las e mantê-las.

Em 2022, segundo dados da OneVillage Partners, as comunidades que implementaram projetos de água e saneamento registraram redução média de 73% nos casos de doenças diarreicas. Em 2020, os voluntários do CAP na comunidade de Grima, no leste de Serra Leoa, criaram um projeto para renovar a clínica de saúde comunitária e a melhorar seus serviços para combater as altas taxas de mortalidade materna e infantil – dez crianças com até 5 anos, 1% da população local, haviam morrido em 2019.

A OneVillage Partners deu treinamento, apoio à liderança e uma doação para cobrir custos de construção – esta ficou a cargo da comunidade. Os voluntários também educaram os habitantes para a manutenção e a arrecadação de recursos para a propriedade comunal. Um ano depois, apenas duas crianças menores de 5 anos morreram. Momoh Musa, voluntário-líder do projeto, atribui a mudança ao aumento do número de grávidas que optam por dar à luz na clínica que tem “enfermeiras treinadas e qualificadas”.

 

Projetos liderados pela comunidade não se igualavam à liderança comunitária em nível organizacional.

 

A OneVillage Partners também se esforça para fortalecer a equidade de gênero. Por exemplo, o programa Nurturing Opportunities for Women educa mulheres e famílias sobre como gerir sua renda e melhorar suas habilidades de negócios. Para substituir um currículo padrão que não estava dando bons resultados, a equipe da OneVillage Partners desenvolveu um novo programa de treinamento, com base apenas em imagens, que começa com uma aula sobre como segurar um lápis.

Apesar de a OneVillage Partners receber apoio de doadores individuais e angariar verbas, quase um quarto de seu financiamento vem de subsídios e de empresas, sendo que estas oferecem apoio por meio de patrocínio de eventos. O fato de seu financiamento ser, em grande parte, irrestrito é um dos motivos pelos quais a entidade consegue dar poder de decisão às comunidades.

Ao longo dos últimos nove anos, a Mortenson Family Foundation, com sede em Minnesota, concedeu financiamento irrestrito à OneVillage Partners. Danyelle O’Hara, que dirige a área de relacionamento com a comunidade na fundação, explica que o apoio longevo “se deve aos resultados que a OneVillage Partners tem obtido ao longo dos anos”, incluindo “a maneira como a capacidade local foi construída de forma real e tangível, a fim de edificar a infraestrutura comunitária e melhorar a vida da comunidade”.

Mudança de poder

 

Hoje, a OneVillage Partners opera em 32 comunidades parceiras e oito chefias no leste de Serra Leoa. Há 53 funcionários no país e 4 nos Estados Unidos. A organização recentemente percebeu que os projetos liderados pela comunidade não eram equivalentes à liderança pela comunidade em nível organizacional. Enquanto as pessoas da zona rural de Serra Leoa estavam envolvidas na tomada de decisões programáticas, a sede da organização estava lotada nos Estados Unidos – inclusive a equipe de liderança e o conselho administrativo. Estes também são compostos majoritariamente por pessoas brancas e não são representativos das comunidades que atendem.

De acordo com LaLonde, o assassinato de George Floyd pela polícia em maio de 2020, em Minneapolis, foi um catalisador para que aprofundassem o debate sobre a justiça racial e o trabalho de desenvolvimento internacional. A equipe começou a se questionar, investigando quais mudanças estratégicas e operacionais poderiam ser feitas para mudar o poder e aumentar a representatividade local, e como essa mudança poderia tornar o trabalho mais eficaz e sustentável.

Chad McCordic, diretor nacional da entidade, que mora em Serra Leoa, enfatizou que a organização queria não apenas pregar, mas também praticar a decolonização.

“É uma ótima maneira de olharmos para o poder implícito e explícito”, diz McCordic. “Também ajuda a explicar a doadores e apoiadores como e por que alguns dos desafios pelos quais passam as pessoas em Serra Leoa se devem à colonização e a seus efeitos.”

A mudança de poder também contou com a criação de um comitê de diversidade, equidade, inclusão e decolonização, a fim de ajudar o conselho administrativo e colaboradores a identificar e executar estratégias proativas em prol da representatividade. O comitê aborda temas como a estrutura de remuneração, a comunicação externa e a linguagem e a ética de viagens em grupo dos Estados Unidos para Serra Leoa.

Um marco neste trabalho foi a elaboração e adoção, pelo conselho administrativo, de um novo plano estratégico em 2022, o qual descreve a expansão programática, a liderança com significado, as mudanças estruturais e um compromisso renovado com os valores liderados pela comunidade. A OneVillage Partners tem planos de expandir seu programa em Serra Leoa e por meio de parcerias, nos próximos anos. Até 2022, a entidade trabalhava somente em um distrito. Até 2028, pretende estar presente todas as 15 províncias rurais do país. Será relevante, para essa expansão, identificar indivíduos e organizações comunitárias locais que trabalhem em busca de objetivos semelhantes e para encontrar formas de fortalecer o trabalho coletivo por meio de parcerias.

A nova estratégia também estabelece o compromisso de passar da atual estrutura de liderança para um comando centrado e direto. Especificamente, a OneVillage Partners busca mudar o poder para que a estratégia, as operações e os programas da organização sejam definidos e liderados pelos serra-leoneses. Em nível operacional, isso significa contratar um diretor-executivo em Serra Leoa e promover uma transição do conselho de diretores com base majoritariamente nos EUA para um conselho global, voltado para o recrutamento de serra-leoneses. Até agora, o trabalho consistiu em preparar essas mudanças – e, mais importante, reorganizar a estrutura de liderança pessoal e alçar serra-leoneses a cargos de liderança.

Todos na OneVillage Partners admitem que ainda têm muito a aprender sobre a decolonização da organização. “Vamos cometer erros, e tudo bem”, diz LaLonde. “Mas o importante é aprendermos com eles.”

 

O AUTOR

Eric Kawa é um jornalista radicado em Freetown, Serra Leoa.



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