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Planejamento familiar para a África ocidental

A Ouagadougou Partnership facilita o acesso a contraceptivos, da Mauritânia ao Benim.

Por Adrienne Day

A caravana de doadores da Ouagadougou Partnership se reúne com a comunidade local em Niamey, no Níger.

A 10ª reunião anual da Ouagadougou Partnership (OP), uma coalizão multissetorial de planejamento familiar, ocorreu em dezembro de 2021 em Uagadugu, Burkina Fasso. Mais de mil pessoas participaram, presencialmente ou via Zoom, com discussões não apenas sobre questões sérias como também sobre razões para celebrar.

Eles tinham bons motivos para comemorar, diz Marie Ba, diretora da OPCU, o centro de coordenação e comunicação da OP. A OPCU apoia e impulsiona os esforços de planejamento familiar e busca tornar a contracepção mais acessível na África Ocidental francófona. Para isso, enfrenta fortes tendências culturais e políticas conservadoras, que têm contribuído para taxas altas de mortalidade materna, infantil e de crianças abaixo dos 5 anos.

A fertilidade está entrelaçada à malha cultural da região. A posição social de uma mulher depende do número de filhos que ela tem. Pela forte presença muçulmana, famílias grandes são desejáveis – uma ideia apoiada por líderes religiosos conservadores. Discussões sobre planejamento familiar e sexo fora do casamento continuam sendo tabu.

Antes da fundação da OP em 2011, somente cerca de 11% das mulheres usavam métodos contraceptivos modernos, como pílulas, preservativos e dispositivos intrauterinos, segundo a Track20, organização que fornece dados aos governos para rastrear indicadores, como taxas de gravidez indesejada e de abortos inseguros evitados devido ao uso de contraceptivos modernos. Em média, as mulheres estavam tendo entre quatro e oito filhos ao longo de sua vida reprodutiva. Globalmente, o uso de anticoncepcionais evitou cerca de 44% das mortes maternas em 2008, mas na África Ocidental francófona – Benim, Burkina Fasso, Costa do Marfim, Guiné, Mali, Mauritânia, Níger, Senegal e Togo – o problema persistiu.

Entre 2012 e 2021, contudo, a região teve um dos aumentos mais acelerados das taxas de contracepção moderna entre as regiões em desenvolvimento, e o financiamento de planejamento familiar por doadores da OP quase triplicou, de US$ 80 milhões para US$ 212 milhões. Na última década, segundo a Track20, a OP colaborou para o aumento do uso de contraceptivos por mais de 4 milhões de mulheres na região, para um total de 7 milhões. Esse crescimento evitou cerca de 21,6 milhões de gestações indesejadas e salvou a vida de cerca de 71.500 mulheres.

“A maioria dos países da África Ocidental francófona dobrou suas taxas de uso de métodos contraceptivos na última década”, informa Ba. “O Senegal, por exemplo, passou de 12% em 2011 para cerca de 24% atuais.”

A mudança cultural também foi óbvia. “Quando entrei para a organização, dificilmente se podia falar sobre planejamento familiar”, lembra. “Você tinha que usar o termo ‘espaçamento entre nascimentos’ para ser ouvido e deixar todos à vontade na sala. Mas acho que o mundo está mudando – parece que as pessoas estão muito mais abertas a falar sobre planejamento familiar.”

 

Condições Adversas

 

Um ponto crucial para a fundação e o sucesso futuro da OP foi a revogação pelo presidente Barack Obama da Política da Cidade do México, em janeiro de 2009 – comumente chamada de “lei da mordaça global”, que encerrou o financiamento a muitos programas de saúde e planejamento familiar para mulheres fora dos Estados Unidos. Após a revogação, representantes da William & Flora Hewlett Foundation, da US Agency for International Development, da French Development Agency e da Bill & Melinda Gates Foundation puderam propor ao governo francês uma ideia de parceria para promover o planejamento familiar na África Ocidental francófona – uma área com tremenda necessidade “de investimento e mudança”, diz Perri Sutton, integrante do programa e da equipe de planejamento familiar da Gates Foundation. “Algumas das taxas mais altas de mortalidade materna do mundo estão aqui”, acrescenta ela.

Antes da fundação da OP, os doadores internacionais não estavam muito engajados na região, devido sobretudo ao tamanho relativamente pequeno dos países. “Quando a população de uma nação é pequena, o potencial de impacto também é pequeno”, observa Sutton. Unir os países em nome de uma parceria dá mais destaque à região e, portanto, aumenta a capacidade de atrair mais doadores. Além disso, os estreitos laços entre os países e a rede de recursos compartilhados representam uma oportunidade para que o impacto dos doadores se espalhe além das fronteiras de qualquer país e “repercuta na região como um todo”, afirma Sutton.

O tema do planejamento familiar também é propenso a atrair menos financiamento do que outras causas devido à sua natureza preventiva – em oposição à curativa. “As pessoas tendem a colocar seus esforços e dinheiro no combate à malária ou ao HIV, porque é muito mais tangível do que o planejamento familiar em termos de impacto”, diz Ba. Além disso, pode-se levar mais de uma década para ver os efeitos de uma iniciativa de planejamento familiar, e a política se move em um ritmo mais rápido.

Desde o início da OP, as fundações Gates e Hewlett financiaram conjuntamente a OPCU e suas reuniões e eventos, assim como a primeira conferência em Uagadugu no início de 2011.
Aí surgiu a ideia dos Planos de Implementação com Custos (CIPs, na sigla inglês) – programas de planejamento familiar financiados por doadores e adaptados a cada país, detalhando prioridades e estratégias de saúde reprodutiva ajustadas ao orçamento e aos recursos disponíveis. Os CIPs deveriam ser usados como referência para que cada país pudesse medir seu próprio progresso.

Para criar esses CIPs, cada país precisou de ferramentas e recursos para calcular e validar seus dados de planejamento familiar. Essas informações revelaram algumas questões críticas, típicas de cada um, que possibilitaram às respectivas agências de saúde elaborar CIPs específicos. “Por exemplo, no Níger, o sexo antes do casamento é raro, então o alvo são as jovens mulheres casadas, na tentativa de fazê-las adiar a primeira ou segunda gestação”, diz Emily Sonneveldt, diretora da Track20. “Mas na Costa do Marfim, onde as pessoas costumam se casar mais tarde e há mais atividade sexual fora do casamento, os programas de planejamento familiar devem atender às necessidades tanto de adolescentes solteiros quanto casados.” Os primeiros CIPs eram “extremamente ambiciosos”, de acordo com Sonneveldt, porque foram elaborados sem o conhecimento do número de famílias que usavam ou desejavam usar métodos contraceptivos. Mas, à medida que dados mais apurados foram surgindo ao longo do tempo, foi possível definir metas mais realistas. “Dados equivalem a responsabilidades”, afirma Sonneveldt. Com dados precisos, “as conversas são ancoradas na realidade”, diz ela.

Para atrair o financiamento de doadores, a ex-diretora da OPCU Fatimata Sy, que se aposentou em 2016, sabia que era imperativo conduzir visitas in loco com potenciais doadores, para que pudessem ver o impacto do financiamento ao nível comunitário. Ela se referiu a esse esforço como uma “caravana de doadores”, que evoluiu para um evento anual que incluía formuladores de políticas locais, financiadores, líderes juvenis e líderes religiosos nessas visitas regionais e que gerou conversas que levaram a um maior envolvimento do governo com a questão – assim como ao aumento no financiamento de doadores.

O sucesso geral da OP resultou de um esforço coordenado de muitas partes diferentes interessadas em dividir o objetivo compartilhado de reduzir as taxas de mortalidade materna, infantil e de crianças menores de 5 anos na região, por meio do aumento de 6,5 milhões no número de usuários de contraceptivos modernos até 2030. “Esse objetivo compartilhado propicia responsabilidade mútua e competição amigável entre os países”, afirma Janet Holt, do programa de equidade de gênero e governança da Hewlett Foundation, que desenvolve ações como concursos de cartazes de campanha e premiações pela melhor cobertura midiática da OP.

 

Otimismo Cauteloso

 

No discurso de Ba na conferência de 2021, ela qualificou o sucesso da parceria com uma nota de cautela, dizendo que a taxa de aumento do uso de anticoncepcionais havia diminuído, embora os índices tenham atingido a meta de 2021 da OP. “Esse [declínio] se deve em parte à Covid-19”, argumentou, “mas também às crises relacionadas à segurança e ao clima que impactaram o acesso das mulheres ao planejamento familiar.” Além disso, as recentes inundações deslocaram comunidades em vários países da OP, disse ela, o que aumentou o número de refugiados e desabrigados internos. Quando se recebe um novo grupo de refugiados, diz Ba, “o número de nascimentos tende a aumentar nove meses depois”, em parte devido ao estupro e ao incesto. Por isso, é vital que o planejamento familiar e a contracepção façam parte de todo pacote humanitário.

Os dados da Track20 também revelaram que a maioria dos países estava investindo para atender à demanda atual por planejamento familiar em vez de promover uma demanda adicional. “Esse foi um alerta de que o incentivo diminuiria se não houvesse uma abordagem intencional das barreiras relacionadas à demanda da contracepção”, afirma Sonneveldt.

Um grande motivo de orgulho para Ba é a recente transferência da liderança da OPCU para a Speak Up Africa, organização política e de advocacy com sede em Dacar, no Senegal, fundada e dirigida por mulheres. As vantagens de trabalhar com uma organização local são muitas, segundo Ba, e uma delas é contornar a barreira do idioma. “Com organizações internacionais, muitas vezes o francês não é a primeira, segunda ou até a terceira língua dentro dessa organização”, ela explica. Além disso, a liderança de mulheres africanas torna a mudança da narrativa em torno do planejamento familiar “mais autêntica” e atraente – algo que não é tão fácil de fazer “quando seu nome é Bill & Melinda Gates Foundation”, diz ela.

Trabalhar com líderes de juventude na mudança de normas sociais e usar ferramentas como mídias sociais para atingir gerações mais novas é essencial para o futuro da OP. Segundo Ba, “é possível fazer mais e melhor em termos de divulgação, e acho que realmente encorajamos uma geração de jovens a adotar o planejamento familiar voluntário”.

 

A AUTORA

Adrienne Day é jornalista e editora no Brooklyn, em Nova York, nos Estados Unidos.



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