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Resolvendo o “paradoxo local” das redes sociais

As redes sociais locais muitas vezes se encontram tão cheias de desinformação, racismo e toxicidade quanto as plataformas globais, com efeitos que podem ser ainda mais graves.

Por Chand Rajendra-Nicolucci e Ethan Zuckerman

Redes Sociais Locais
(Ilustração por iStock/RamCreativ)

Os pais de Cameron Child têm uma casa de praia em Bethany Beach, estado de Delaware, nos Estados Unidos. Certa ocasião, sua mulher e sua filha, que são ambas pretas, foram lá passar férias. Logo no primeiro dia, contou Cameron ao site The Root, ele recebeu na rede social local Nextdoor uma notificação intitulada “Alerta”, frase usada em Bethany Beach quando pessoas pretas são avistadas na vizinhança. À medida que ele lia os posts, foi percebendo que o alerta era sobre sua mulher e a filha. Alguém havia chamado a polícia para reportar uma “mulher suspeita” tentando arrombar alguma coisa. Felizmente, a ocorrência terminou de maneira rápida e tranquila quando a mulher de Cameron explicou a situação à polícia.

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No entanto, a história de Cameron é bastante comum no Nextdoor. Outro incidente relatado envolveu um homem que, tendo o costume de caminhar do trabalho para casa tarde de noite, certa vez acordou pela manhã e viu posts descrevendo-o como um “homem moreno, suspeito” que observava casas e carros. A discussão culminou com pessoas incentivando um vizinho, membro da rede, que disse estar com uma arma e que iria “dar uma volta” para investigar.

Os problemas das redes sociais são muitas vezes atribuídos ao anonimato e à alienação. Se pelo menos os usuários tivessem de usar seus nomes verdadeiros e morassem e trabalhassem entre as pessoas com quem interagem, elas não se comportariam tão mal! Redes sociais locais em plataformas como o Nextdoor e o Facebook proporcionam um experimento natural para testar essa hipótese. Infelizmente, as redes sociais locais muitas vezes se encontram tão cheias de desinformação, racismo e toxicidade quanto as plataformas globais, com efeitos que podem ser ainda mais graves, graças à conexão direta dessas redes com o mundo offline.

Trata-se de um fenômeno que estamos chamando de “paradoxo local”: por serem baseadas em relações e lugares do mundo real, espera-se que as redes sociais locais sejam espaços mais saudáveis para conversas online. Na prática, porém, podem ser tão ou mais tóxicas que as plataformas globais. Quem quer que já tenha frequentado uma reunião de conselho de escola é capaz de compreender as raízes desse paradoxo. As discussões sobre questões locais, como escolas, bairros e crimes revelam-se tensas porque afetam diretamente a vida das pessoas. Além disso, as normas da vida offline não encontram uma tradução online, mesmo em se tratando de redes locais. Assim, muitas vezes essas redes combinam a desinibição digital — pela qual as pessoas desumanizam seus interlocutores — com as paixões despertadas por discussões sobre escolas, bairros e crimes.

O paradoxo local é importante porque redes sociais locais estão cada vez mais preenchendo as lacunas deixadas por instituições locais em dificuldades — tem-se o desaparecimento de associações cívicas, a morte do jornalismo local, o esvaziamento de governos estaduais e locais. Para cidadãos que vivem em um lugar sem um jornal da região e que não estão intimamente envolvidos com a política local, sua única visão dos fatos ocorridos na cidade pode se dar pelas redes sociais locais.

Felizmente, acreditamos que esse paradoxo pode ser resolvido. Nosso trabalho de estudo dessas redes, de desenvolvimento de software de redes sociais locais e de experimentação em parceria com governos locais, organizações não governamentais e com a imprensa, revelou uma potencial solução: redes orientadas por valores, moderadas de perto, confiáveis e locais. Essa fórmula pode preservar o bem fundamental que está no coração das redes sociais locais, ao mesmo tempo em que lida com os aspectos não saudáveis que resultam parcialmente de sua novidade e falta de investimento.

 

O Paradoxo Local

 

O engajamento cívico local é uma parte crucial de nossas vidas. Envolver-se com pessoas e organizações de nosso bairro, de nossa cidade, seja ela pequena ou grande, representa a nossa conexão mais direta e consistente com a sociedade. Quer se trate de uma igreja, de uma liga esportiva ou de um conselho de escola, é aí que se dá a maior parte da vida cívica das pessoas comuns. Nos Estados Unidos, a importância do âmbito regional é consagrada pela constituição, com o federalismo garantindo que governos estaduais e locais desempenhem um papel significativo na vida das pessoas. Noventa mil governos locais arrecadam e gastam bilhões de dólares todos os anos em serviços públicos como estradas, educação e parques, e decidem sobre onde é permitido construir casas ou iniciar um negócio e até que horas o bar local pode ficar aberto.

Três explicações principais surgiram para o declínio no engajamento cívico local nos Estados Unidos em décadas recentes: a erosão do capital social, a nacionalização da vida e o declínio dos jornais locais. O capital social — as relações e a confiança que promovem engajamento cívico — decaiu à medida que a vida moderna se tornou mais individualizada e menos comunitária. Além disso, conforme a identidade das pessoas se fez mais atrelada a compromissos nacionais, sua conexão com as comunidades locais enfraqueceu, tornando-as menos familiarizadas com os assuntos locais, e menos interessadas por eles. Por fim, o declínio de jornais locais diminuiu o fornecimento de informações confiáveis e solapou o senso compartilhado de comunidade que facilita o engajamento cívico. A pandemia também exacerbou esses fatores forçando o isolamento, incentivando o trabalho remoto e impedindo muitas das instituições locais que contribuíam para a vida cívica local de funcionar.

O surgimento de grupos do Facebook, fóruns do Nextdoor e “redes de assistência mútua” de caráter local pode ser visto em parte como uma resposta de base a essa perda institucional.

 Os problemas com as redes sociais locais podem parecer um tanto surpreendentes. Elas geralmente exigem o seu nome verdadeiro e recebem discussões entre pessoas que não raro conhecem umas às outras e interagem offline. Se o anonimato e a alienação são fatores comuns, citados pelas pessoas como causas das patologias da discussão online, não deveriam então as redes locais serem espaços de discussão mais respeitosos e produtivos? Em vez disso, o que vemos são redes sociais locais muitas vezes como palco de racismo, toxicidade e desinformação, o que as impede de atingir o seu pleno potencial como espaços para a construção de comunidades locais fortes na era digital.

Parte desses problemas podem ser atribuídos à novidade e ao subinvestimento. O fenômeno das redes sociais locais é relativamente novo — o Nextdoor foi lançado em 2011 — e recebe menos atenção e investimento do que as redes globais. Alguns são resultado da natureza controversa das questões locais. Como afetam diretamente a vida das pessoas, os debates sobre escolas, bairros e crimes são tensos. E nos últimos anos, com a nacionalização da vida americana, essas questões locais têm se vinculado a identidades políticas nacionais, tornando os debates locais ainda mais sensíveis. Uma recente série do New York Times, “The School Board Wars” (As guerras do conselho escolar, em tradução livre), explorou essa dinâmica, investigando os embates em comunidades locais envolvendo a reabertura de escolas e mudanças no currículo. A série mostrou que na maioria das vezes as pessoas rompem relações em razão de identidades políticas nacionais e interagem não como vizinhos apolíticos, mas como combatentes em uma cultura de guerra atual.

Por fim, alguns desses problemas podem resultar da estratégia predominante na construção e gestão das redes sociais locais. Essas redes são construídas e geridas por corporações globais que administram centenas de milhares de redes locais com o olhar voltado para a maximização da rentabilidade.

O Nextdoor e o Facebook adotaram uma estratégia forjada num dado contexto — o da gestão de plataformas de mídia social global com bilhões de usuários — e a estão aplicando a redes locais com centenas ou milhares de membros, impondo a mesma estrutura tanto em regiões do Kansas rural quanto em quarteirões de grandes cidades como New York. Para controlar as redes, eles dependem de voluntários escolhidos não em razão de serem adequados para o papel, mas simplesmente porque foram os primeiros a criar um grupo. Ao mesmo tempo, eles terceirizam decisões de moderação para funcionários em Phoenix ou nas Filipinas, que desconhecem que um aumento proposto para um imposto local na verdade é de “0,01%”, e não de “10%”, ou que o conselho da escola não está propondo uma mudança radical e ilegal no currículo do distrito, mas sim uma atualização de rotina baseada em orientações estaduais. Além disso, as empresas pouco fazem para incentivar a responsabilidade, o desenvolvimento institucional ou a integração com estruturas existentes na comunidade (para além de parcerias obscuras com a polícia, que podem explicar o porquê de tantos desses grupos lembrarem grupos de vigilância de bairro). O resultado é uma miscelânea de redes que não raro fica aquém de seu potencial.

Construir e gerir redes sociais locais já é algo difícil por si só. Compor essas atividades com uma estratégia que ignore o conhecimento local e maximize os lucros acima de tudo faz com que as redes sociais locais sejam um arremedo do que poderiam ser, o que além disso contribui para a sensação de que nossas comunidades locais estão se desagregando. Também limita a inovação: o Nextdoor está supondo que uma estratégia para uma rede social local que surgiu num bairro de uma região rica da baía de São Francisco deve ser a mesma empregada para outros bairros pelo país e pelo mundo afora. O paradoxo local se deve, em parte, a fatores que fogem a nosso controle — as redes sociais locais são espaços relativamente novos recebendo debates sobre questões polêmicas locais —, mas um fator importante é a atual estratégia “tamanho único” e de maximização dos lucros para construí-las e geri-las.

 

Redes Orientadas por Valores, Moderadas de Perto, Confiáveis e Locais

 

 Nossa pesquisa revelou uma potencial solução para o paradoxo local: redes que sejam orientadas por valores, moderadas de perto, confiáveis e locais.

Sem que sejam moderadas de perto, as redes sociais locais podem resvalar em racismo, toxicidade e desinformação. Mas para que uma moderação de perto seja aceitável pelos moradores, estes precisam confiar nas pessoas que estão moderando e gerindo a rede e compreender os valores que pautam suas decisões. É muito mais fácil as pessoas confiarem na organização responsável pela gestão da rede se tal organização tiver uma presença local.

Imagine se, em vez de o seu vizinho ou vizinha esporadicamente moderar conteúdo de acordo com seus humores, uma equipe de moderadores treinados, com raízes em sua comunidade local, se dedicasse a controlar o espaço. Em vez de remoções de conteúdos politicamente motivados e da desinformação que rapidamente se espalha, poderíamos ver discussões produtivas e disseminação de informações úteis. Além disso, imagine se, em vez de esperar que uma plataforma global viesse a apoiar parcerias com instituições locais para além do departamento de polícia, a sua rede local pudesse ela própria buscar essas parcerias, e criasse os recursos necessários na plataforma à medida que os achasse adequados.

Os componentes de nossa fórmula são semelhantes às estratégias adotadas por infraestruturas sociais como meios de comunicação, departamentos de política e organizações culturais. Isso faz sentido, porque vemos as redes sociais locais como uma infraestrutura social. Infelizmente, é frequente elas não serem geridas como tal.

 

Na Prática

 

Um exemplo importante que faz jus às suas responsabilidades como infraestrutura social é o Front Porch Forum (FPF) [Fórum da Varanda da Frente, em tradução livre], uma rede social local que serve a todas as cidades de Vermont e algumas comunidades circunvizinhas dos estados de Nova York, Massachusetts e New Hampshire. O FPF usa uma equipe de moderadores que passa em revista cada post para ter certeza de que esteja em conformidade com o código de conduta do site, que barra ataques pessoais e comportamento “contrário à missão de desenvolvimento comunitário”. Isso ajuda a manter a discussão amistosa e construtiva. Além disso, em vez de tornar o conteúdo imediatamente disponível online, os posts e as respostas são publicados uma vez por dia. O andamento mais lento incentiva os usuários a pensar mais no que estão dizendo. Os testemunhos de residentes comprovam.

“O FPF me conecta com a minha comunidade, torna mais fortes os laços entre nós, […] Fico esperando ansiosa para ler toda noite. Não sou fã de Facebook mas AMO o Front Porch Forum.” 

“Quando eu me mudei, a primeira coisa que eu procurei foi o Front Porch Forum. É uma ferramenta fundamental em qualquer bairro […] Com ela ficamos sabendo dos acontecimentos recentes, e dá para rir um pouco. Todo bairro dos Estados Unidos precisa ter um!

O FPF foi fundado por Michael Wood-Lewis e sua mulher, Valerie. Eles tiveram a ideia para o FPF no ano 2000, depois que se mudaram para Burlington, Vermont, vindos de Washington, D.C. Com um filho com paralisia cerebral, eles perceberam que precisavam do apoio dos vizinhos. Porém, estavam com dificuldade de construir conexões com a comunidade.

Wood-Lewis achou que o fórum tornaria mais fácil se conectar com a vizinhança e faria os recém-chegados se tornarem locais. Foi um sucesso, e em 2006 o fórum começou a se expandir para outras cidades do Vermont. O crescimento foi orgânico: em geral, as cidades chegavam até o FPF e pagavam uma taxa única, que cobria o custo inicial para a cidade. Em algum momento, com a ajuda de dois subsídios governamentais, o FPP se expandiu para o âmbito do estado.

Esse crescimento orgânico foi a chave para conservar aquela que é uma das diferenças marcantes entre o FPF e o Nextdoor: a moderação proativa. O FPF usa uma equipe de moderadores que analisa cada post para ter certeza de que esteja em conformidade com o código de conduta do site antes de ser postado. Isso ajuda a manter a discussão amistosa e construtiva. No Nextdoor, a moderação é feita de maneira reativa e operada em grande parte por um pequeno grupo de voluntários.

A estrutura de governança do Nextdoor indica que a moderação pode ser confusa, frustrante e enviesada. Por exemplo, na esteira da morte de George Floyd, houve muitos relatos de pessoas sendo banidas ou tendo posts deletados quando defendiam solidariedade a protestos locais, enquanto posts racistas e inflamados passavam sem punição. De modo semelhante, houve um grande número de relatos sobre moderadores de concepção contrária às vacinas removendo posts que expressavam apoio aos esforços de vacinação contra a Covid-19, ao mesmo tempo em que permitiam posts impulsionadores de desinformação sobre vacinas e sobre a pandemia. O FPF enfrentou as mesmas questões polêmicas, mas elas compreendiam um processo, um conjunto de valores, de vínculos com a comunidade local e a confiança de seus usuários para ajudar os moderadores a lidar com elas.

É possível indagar se o FPF não seria fruto das normas sociais da Nova Inglaterra e da relativa homogeneidade étnica e cultural da região. Contudo, acreditamos que uma plataforma que seja orientada por valores, moderada de perto, confiável e local pode ser bem-sucedida em qualquer lugar. Wood-Lewis explica que as pessoas inicialmente céticas quanto ao FPF acreditavam que ele poderia funcionar apenas na cidade de Burlington, ou no condado de Chittenden. Ele admite que uma rede social na cidade de Nova York ou num estado rural como Montana possa ter práticas e normas diferentes, mas acredita que o modelo de moderação cautelosa e confiança local seja universalizável.

Nossa própria experiência vem em apoio a esse otimismo. Nós criamos uma rede social local que serve a cidade que sedia a nossa universidade, Amherst, em Massachusetts. Ela é gerida por membros de nossa equipe de pesquisa em parceria com a administração municipal. Nossa preparação para lançar a rede incluiu uma pesquisa junto à comunidade sobre engajamento cívico local e um mapeamento dos grupos cívicos existentes — ambos nos ajudaram a identificar parceiros potenciais e a desenvolver uma compreensão da vida cívica na comunidade. Essa averiguação e construção de alianças, juntamente com um trabalho prévio, deram subsídios à nossa estratégia para que ela conseguisse criar e gerir uma rede que fosse orientada por valores, moderada de perto, confiável e local. Uma estratégia como essa requer tempo, compromisso e presença local — não é o tipo de coisa que uma empresa global ou um voluntário não treinado possam fazer.

Embora a participação seja limitada, ela tem se mostrado produtiva e saudável. Acreditamos que isso seja resultado, em parte, de uma cuidadosa construção de participação. Abordamos tópicos de discussão como se fôssemos repórteres locais, compreendendo os problemas prováveis, polindo participantes em face de potenciais controvérsias e solicitando contribuições tal como faríamos numa entrevista “com a pessoa na rua”. Nosso primeiro debate importante veio complementar uma reunião pública sobre o futuro de um parque local. Registramos dezenas de comentários e evitamos toxicidade. Os participantes perceberam a utilidade do espaço, e nós recebemos feedbacks importantes:

“Creio que esse tipo de conversa e engajamento são extremamente necessários… O mais importante pra mim é que você não é conhecido pelas pessoas. Uma ideia seria estabelecer parcerias com organizações comunitárias que sejam conhecidas e confiáveis, e trazê-las para o post”. 

Em resposta, estamos recrutando “defensores locais” — membros da comunidade que sejam bem conhecidos e confiáveis — para entrar na plataforma, participar dela e advogar por ela como um modo de construir a confiança e a adesão dos residentes.

Faz-se necessária mais experimentação para encontrar o mix certo de tecnologia, construção e governança para fazer com que as redes sociais locais floresçam, e é provável que cada comunidade tenha uma receita diferente. Em algumas, uma rede social local pode desempenhar o papel que antes era realizado pelo  editorial do jornal local, como um espaço para discussão de questões importantes na comunidade. Em outras, uma rede social local pode servir como ferramenta para a organização de assistência mútua. Em alguns casos, pode desempenhar múltiplos papéis, ou podem haver múltiplas redes sociais locais exercendo papéis diferentes. Algumas redes podem formar novas organizações para se autogovernarem, enquanto outras podem depender de instituições locais existentes.

 

Desafios e Oportunidades

 

 Para continuar a experimentar com esse modelo, e disseminá-lo, são necessários investimentos significativos por parte de líderes de governos, de organizações não governamentais e da mídia.

É difícil customizar, controlar e gerir o software necessário para uma rede social local. As soluções comerciais existentes são caras e limitam a capacidade de uma comunidade de controlar e customizar o software e os dados. Um software de código aberto geralmente requer expertise técnica para instalação, administração e customização. Isso significa que o grupo de pessoas capazes de experimentar com as redes sociais locais é limitado aos que podem pagar por experimentação técnica e aos dotados de conhecimento para eles próprios experimentarem. A fim de realmente possibilitar todo um florescimento de redes sociais locais, precisamos de um sistema que capacite as pessoas com um mínimo de expertise técnica e dinheiro para ativar suas próprias redes sociais customizáveis e controláveis.

No entanto, para nós os desafios técnicos realmente são o de menos se comparados com o trabalho social e institucional necessário para criar redes sociais locais saudáveis. Construir uma comunidade saudável online demanda tempo, compromisso e confiança — aliás, como qualquer outra instituição. As redes sociais locais não serão bem-sucedidas da noite para o dia, e para crescer vão exigir um trabalho lento e difícil — as oportunidades para agir com rapidez e romper com algumas coisas no fenômeno das redes sociais já têm sido aproveitadas.

As instituições locais já existentes, cuja missão e valores conversam com o fenômeno das redes sociais locais — a exemplo da mídia local —, devem cogitar a criação de uma rede social local. Em um exemplo promissor, a Wick Communications, empresa que é um jornal local de propriedade familiar na região do Mountain West, criou a NABUR (Neighborhood Alliance for Better Understanding and Respect [Aliança de bairro para melhor compreensão e respeito, em tradução livre], uma plataforma local organizada em torno dos jornais locais de Wick e moderada por seus jornalistas locais. Quando realizados corretamente, esses projetos podem gerar renda e proporcionar valor significativo para uma comunidade.

Os governos locais deveriam procurar incentivar, desenvolver suas próprias formas de redes sociais locais e estabelecer parcerias com elas. A pandemia mostrou a importância de tornar os governos locais mais acessíveis por meio de opções virtuais; as redes sociais locais são um próximo passo lógico, passo que, segundo vimos, tem revelado resultados promissores em nossos próprios experimentos com governos locais.

Os financiadores de todos os tipos deveriam pensar em investir em pessoas e projetos que estejam atuando em redes sociais locais, desde lidar com barreiras técnicas a organizar e gerir uma rede. Para além do evidente benefício de conectar uma comunidade local, redes sociais locais saudáveis podem proporcionar uma educação prática em democracia, socializando moradores locais para realizar boas reuniões, estabelecer compromissos quanto a questões controversas e ouvir as pessoas com as quais não concordam.

Contudo, as redes sociais locais não podem depender unicamente de receitas de subvenção. Felizmente, parece haver um caminho para que tenham uma receita sustentável mediante anúncios locais e doações. A capacidade de expansão das redes sociais locais indica que não é necessária uma organização enorme para se gerir uma rede bem-sucedida. O Front Porch Forum arca com uma equipe de 24 funcionários em período integral sobretudo com anúncios locais, juntamente com assinaturas para políticos locais e campanhas de doação semianuais ao estilo das da National Public Radio (NPR). Os 24 funcionários do FPF servem 210 mil membros, cobrindo todo o estado do Vermont e parte dos estados de Nova York, Massachusetts e New Hampshire.

 

Comunidades fortes na era digital

 

As redes sociais locais contêm as sementes de uma importante inovação na construção da comunidade global. Fazendo uso da estratégia correta, elas podem ajudar a abordar alguns dos mais sérios problemas que as comunidades locais enfrentam hoje — capital social declinante, mídia local em dificuldades e governos estadual e local esvaziados. Porém, para alcançar o seu pleno potencial, as redes sociais locais terão de resolver os problemas apresentados pelo paradoxo local —  racismo, toxicidade e desinformação. Nossa fórmula — redes que sejam orientadas por valores, moderadas de perto, confiáveis e locais — apresenta uma solução possível. Estamos confiantes de que com os investimentos corretos, as redes sociais locais possam ser parte importante na construção de comunidades locais fortes na era digital.

 

OS AUTORES

Chand Rajendra-Nicolucci é pesquisador do Initiative for Digital Public Infrastructure.

Ethan Zuckerman é professor associado de políticas públicas, informação e comunicação da University of Massachusetts, em Amherst, e fundador do Initiative for Digital Public Infrastructure. É autor dos livros Mistrust: Why Losing Faith in Institutions Provides the Tools to Transform Them (2021) e Rewire: Digital Cosmopolitans in the Age of Connection (2013).



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