Imprimir artigo

Como o fracasso mudou minha maneira de pensar sobre o trabalho sem fins lucrativos

A inovação é difícil no setor rentável, fora dele é ainda mais

Por Atta Tarki

(Foto por iStock/Wachiwit)

No segundo semestre de 2019, cheguei entusiasmado para uma reunião de diretoria da organização sem fins lucrativos Beautify Earth. Fundada em 2012, a entidade promove o engajamento cívico por meio da arte de rua em locais públicos. Naquele momento, senti que estávamos à beira de um crescimento explosivo, com uma campanha para “embelezar” caixas de telefonia em Los Angeles, transformando-as em pequenos murais, havia recebido atenção nacional, conquistado elogios da comunidade e motivado nossa equipe em todos os níveis. Éramos um foguete pronto para decolar – ao menos era o que eu sentia.

Leia também:

A guardiã virtual das florestas

Além dos ensaios clínicos

Estava confiante porque tinha passado por situação semelhante antes. Sou CEO de uma empresa de busca de executivos orientada por dados, com uma equipe de cem pessoas. Após anos iniciais sem investidores, período durante o qual aperfeiçoamos nossa proposta de valor e nosso modelo de negócios, minha organização, que havia sido fundada em 2010, começou a dobrar de tamanho a cada dois anos depois que contratamos um executivo de vendas talentoso para fazer o desenvolvimento de negócios (em vez de confiar na minha agenda e no boca a boca). Defendi à diretoria da Beautify Earth que reproduzíssemos essa estratégia de crescimento. Nossa proposta de valor era clara e estávamos prontos para levar a mensagem aos grandes doadores. Assim, convenci os demais diretores a contratarem uma executiva experiente vinda do setor privado para a captação de recursos. O cargo consumiria uma grande parte do orçamento da Beautify Earth – o que fez com que membros do conselho e da diretoria hesitassem -, mas eu os assegurei de que compensaria.

Em retrospecto, tenho arrepios ao ver como meu otimismo me cegou. Naquela primeira e fundamental reunião, semeei o fracasso posterior da minha proposta. Contratamos uma executiva talentosa, a deixamos à vontade e tudo foi por água abaixo. Dispensamos seus serviços depois de três meses, durante os quais não entraram grandes doações e nosso orçamento operacional se viu em boa parte comprometido. A Beautify Earth se recuperou e continua a fazer um excelente trabalho, mas o custo de oportunidade, em termos de tempo e orçamento, foi significativo.

O que aconteceu? A fórmula havia se mostrado viável em minha própria empresa. Por que não o foi no contexto de uma organização sem fins lucrativos?

Primeiro, sobrecarregamos nossa nova contratada; como se tratava de uma pequena organização sem fins lucrativos com um orçamento limitado, sucumbimos à tentação de pedir que ela fizesse três trabalhos diferentes. Em segundo lugar, nunca chegamos a um acordo com a diretoria sobre como medir o sucesso da função. A captação de recursos leva tempo; no entanto, perdemos a paciência depois que ela não conseguiu arrecadar nenhuma doação importante nos primeiros três meses. Por fim, superestimamos nossa capacidade de inovar como líderes. Com um corpo deartistas, empreendedores e outros profissionais criativos, a diretoria ingenuamente supôs que seríamos imunes aos impulsos reacionários que atrapalham muitas lideranças. Mas não conseguimos ser capazes de apostar tudo em um novo modelo de captação de recursos; não estávamos dispostos a arriscar nossos meios estabelecidos de sucesso em nome de uma recompensa futura.

Passamos a abordar a inovação de uma maneira totalmente diferente. A partir de reflexão e conversas com meus colegas, tirei três lições importantes do fracasso que, acredito, me tornarão um líder melhor no setor sem fins lucrativos.

Tenha foco

Sufocamos a função com muitas tarefas. Líderes de entidades sem fins lucrativos tendem a ser extremamente conscientes dos custos, principalmente quando se trata de gastos fora do programa. É quase doloroso para nós autorizá-los; lamentamos profundamente o uso de cada centavo que não seja destinado diretamente ao impacto na comunidade. Assim, pode ser difícil definir as atribuições ao fazer uma nova contratação, especialmente em uma organização pequena. Em um esforço por fazer valer nosso dinheiro, acabamos colocando tudo e mais um pouco na descrição do cargo de diretor de desenvolvimento, o que diluiu o foco. O administrador e autor de livros de negócios Michael Porter certa vez definiu estratégia como “escolher o que não fazer”. Uma boa contratação exige reduzir sem dó o número de variáveis em que se espera perfeição. No entanto, embora como recrutador profissional eu nunca teria sido capaz de criar uma descrição de cargo vaga para um de meus clientes, violei esse princípio básico no caso da Beautify Earth.

Diante da preocupação da diretoria de gastar muito em uma única função, tentamos usar o cargo para resolver dois problemas separados e não relacionados, causando sobrecarga. Outro desafio que enfrentávamos naquele momento era o encontrar suportes para arte pública, como paredes de edifícios e proprietários dispostos a permitir que um artista de rua fizesse um mural em suas propriedades. Não apenas incluímos a responsabilidade por essa busca no cargo como também, quando encontramos uma candidata de nosso agrado no setor rentável, aceitamos com o pedido dela de trabalhar três quartos do tempo previsto – ela precisava de um trabalho secundário para compensar a perda de remuneração decorrente da mudança para o setor sem fins lucrativos, mas isso acabou prejudicando seu foco.

No entanto, tampouco conseguimos alinhar os esforços de nossa organização com a função dela. Dedicada ao setor não rentável, a consultoria Bridgespan fez uma descoberta que parece paradoxal: a tendência é que as organizações sem fins lucrativos que mais crescem não sejam as com fontes de financiamento diversificadas e, sim, as que miram em uma única fonte, como associações de pequenos valores ou grandes doadores. No entanto, em vez de pedir a novos membros que se dedicassem a captar recursos junto a grandes doadores, nossa diretoria pediu que passassem a maior parte do tempo aumentando nossa base de associados de pequenos doadores. Os líderes nunca se empenharam verdadeiramente no sucesso da diretora de desenvolvimento e, num dado momento, a organização chegou a pedir à nova contratada que ajudasse a contatar e a reativar associados que haviam deixado de contribuir. Com isso, ela passou a ter três trabalhos diferentes: buscar superfícies para arte, aumentar o número de associados e captar recursos de grandes doadores. Essa não era uma receita para o sucesso.

Seja paciente

Outro erro meu foi não definir claramente o que seria “sucesso”. Resistindo a financiar um ano do novo cargo, a diretoria se comprometeu com um período de teste de três meses, mas sem especificar como avaliaríamos a função após esse período.

Passados os três meses, vi muitos sinais promissores. No mundo dos negócios com fins lucrativos, estou acostumado a ciclos de vendas de seis a nove meses e sabia que seria difícil para a diretora de desenvolvimento – especialmente levando em conta o processo de integração – conseguir doações importantes em seu primeiro trimestre. Nesse tipo de função, o processo, e não os resultados, devem ser o alvo dos primeiros meses. A diretora de desenvolvimento havia tido várias reuniões com grandes doadores, e considerei isso um sinal de que estávamos no caminho certo.

No entanto, muitos dos outros diretores simplesmente não estavam dispostos a continuar financiando uma posição sem um retorno do investimento claro. Hoje vejo que nunca deveria ter concordado com um compromisso de só três meses e deveria ter esperado até ter o apoio necessário para que a experiência fosse bem-sucedida. Como um conselho diversificado, que incluía de artistas a arquitetos,  mas com poucos membros experientes em gerenciar um diretor de desenvolvimento, eu deveria ter explicado com mais detalhes como é e quanto tempo leva um ciclo normal de vendas. Eu poderia ter solicitado a uma consultoria que fizesse uma apresentação para a diretoria, trazendo parâmetros de quanto tempo leva para que iniciativas de captação de recursos deem retorno, em organizações comparáveis. Um check-up de três meses era bom, até sensato, mas deveria ter se concentrado em metas intermediárias e voltadas para os processos. Eu deveria ter insistido para que fizéssemos isso do jeito certo – ou não o fizéssemos.

Muitas vezes, organizações não rentáveis dão errado nos primeiros anos. Com frequência, elas se originam em esforços comunitários de base e estão habituadas a obter muitas coisas de graça: espaços para eventos são cedidos, palestrantes dão descontos, advogados e contadores oferecem consultoria pro bono. Mas a certa altura as diretorias precisam se  profissionalizar e estar preparadas para fazer investimentos. Gastar dinheiro para gerar dinheiro é uma grande transição. É como um adolescente que tem que aceitar o fato de que os pais resolveram fechar a torneira dos gastos. Nós não estávamos prontos para essa transição na Beautify Earth.

Seja inovador

Essa talvez seja a nossa principal falha, em termos sistêmicos: não assumimos o compromisso com o tipo de transformação de que incumbimos a nova contratada. Achávamos que estávamos prontos para dar esse apoio, mas não. Em seu livro The Innovator’s Dilemma, Clayton Christensen observa que os mesmos líderes historicamente responsáveis pelo sucesso de uma organização são, em geral, os que bloqueiam a inovação necessária para a continuidade do sucesso; ele chama esses gerentes e líderes bem-intencionados de “anticorpos”, porque eles atacam qualquer novidade introduzida na organização. Christensen defende que unidades autônomas independentes realizem grandes inovações sem supervisão dos gerentes encarregados, seja por meio de projetos de desenvolvimento (skunkworks) ou de subsidiárias ou empresas derivadas. Para serem bem-sucedidas, essas unidades independentes não podem ter de competir com projetos da organização principal por recursos.

Depois que dispensamos a diretora de desenvolvimento, olhamos para a frente. Percebemos que uma das tarefas que havíamos definido para o cargo – tentar achar muros e outros espaços públicos para artistas de rua – não foi concebida da melhor maneira possível. Em vez de contratar um indivíduo para varrer as ruas, seria muito mais eficiente transformar o Beautify Earth em uma plataforma digital, na qual artistas, proprietários e patrocinadores pudessem se conectar. Imaginamos uma funcionalidade no site em que donos de imóveis pudessem analisar esboços de artistas para o mural que desejassem criar, e os doadores poderiam, assim, financiar o projeto escolhido. Mas, como conselho, havíamos aprendido a lição. Não estávamos dispostos a correr o risco de investir em pesquisa e desenvolvimento e nos experimentos necessários para transformar essa visão em realidade. Nossa experiência fracassada de criar uma diretoria de desenvolvimento nos ajudou a ser mais honestos e admitirmos isso.

Por isso, decidimos seguir o que aconselha o livro de Christensen. Designamos um de nossos fundadores, Evan Meyer, para formar uma entidade separada e com fins lucrativos. Ele tinha liberdade para encontrar investidores e aprimorar o modelo de negócios por conta própria. Seis meses depois, esse spin-off, BeautifyEarth.com (nós somos BeautifyEarth.org), deu início a uma rodada de financiamento pré-semente de US$ 350.000.  Nos primeiros três meses de lançamento do site, centenas de espaços se cadastraram na plataforma para receber murais, um número muito maior que o total de telas que normalmente obtemos no braço sem fins lucrativos.

Faça direito ou não faça nada

A inovação é difícil no contexto de empresas do setor rentável; minha experiência diz que é ainda mais difícil para uma organização sem fins lucrativos. Ninguém quer “agir rápido e quebrar tudo” em uma organização comprometida em ajudar a resolver problemas e ajudar a sociedade. Mas os desafios sociais atuais exigem que entidades não rentáveis encontrem soluções inovadoras. Meu conselho para outros líderes de organizações sem fins lucrativos pode soar paradoxal: não tenha medo de tentar inovar, mas tenha cuidado com as dificuldades para ter sucesso. Mantendo essa atitude, você evitará meias-medidas que muitas vezes prejudicam os esforços de inovação. E, ao contrário do que fiz em minha tentativa fracassada, faça direito – ou não faça.

 

O AUTOR

Atta Tarki (@AttaTarki) é membro do conselho da Beautify Earth, autor de Evidence-Based Recruiting (McGraw Hill, fevereiro de 2020) e CEO e fundador da ECA, uma empresa de busca de executivos orientada por dados, gerenciamento interino e equipe de projetos.



Newsletter

Newsletter

Pular para o conteúdo