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Como capacitar empresas sem fins lucrativos

Como a capacitação estratégica e a filantropia baseada na confiança podem funcionar juntas para organizações sem fins lucrativos

Por Anu Malipatil e Lucy Brainard

(Ilustração de iStock/Viktoria Kurpas)

A pandemia colocou em evidência as necessidades das organizações sem fins lucrativos, forçando tanto os financiadores quanto os beneficiários a repensarem a forma como trabalham em conjunto, seja para enfrentar desafios inesperados, seja para se preparar para necessidades futuras. Nos Estados Unidos, entre movimentos pedindo por uma concessão de doações mais equitativa e mais consciencialização sobre as disparidades econômicas, muitos financiadores continuam debatendo qual seria a “melhor” forma de ser mais receptivo às necessidades dos beneficiários.

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Não há dúvida de que há poder em uma filantropia que proporcione às organizações apoio operacional geral e financiamento irrestrito. Ambos são componentes importantes da filantropia baseada na confiança, abordagem que, sob diferentes aspectos, enfatiza a humildade e a colaboração para a concessão de doações. Mas as organizações sem fins lucrativos também estão recorrendo a subsidiários em busca de apoio para além das doações – como networking, coaching e orientação consultiva – a fim de desenvolver capacidades de gestão que as ajudem a alcançar o sucesso a longo prazo.

Norteadas pela convicção de que as preferências dos financiadores acabam interferindo na avaliação das competências das organizações, algumas fundações adotaram uma abordagem “sem restrições” para apoiar o desenvolvimento de capacidades. Outras vão além e se questionam sobre a necessidade de o setor filantrópico redefinir suas formas de apoiar os beneficiários através do desenvolvimento de capacidades ou, até, de cortar essa relação por completo, afirmando que falta reciprocidade dos financiadores e que a prática reforça dinâmicas de poder.

Na Overdeck Family Foundation, que visa melhorar oportunidades educativas para as crianças, rejeitamos firmemente essa visão binária. Em vez disso, abraçamos a responsabilidade mútua entre o desenvolvimento de capacidades estratégicas e a filantropia baseada na confiança. Em vez de cancelarem o reforço de capacidades, as fundações deveriam desempenhar um papel mais estratégico e prático, envolvendo-se em conversas transparentes e reconhecendo que tanto o beneficiário quanto o financiador têm pontos de vista importantes a aportar.

Como escreve Phil Buchanan, presidente do Center for Effective Philanthropy[Centro para Filantropia Eficaz (Center for Effective Philanthropy]: “Doadores e fundações ponderados rejeitam a necessidade de que haja dicotomia entre estratégia, avaliação, evidências e aprendizagem, por um lado, e confiança, escuta e apoio flexível, no outro. […] Eles percebem que, embora o conhecimento e a experiência das pessoas mais próximas das questões devam ser respeitados, o pessoal da fundação e os doadores também possuem conhecimentos úteis.”

É claro que a dinâmica de poder entre financiadores e beneficiários tem impacto na forma como as organizações sem fins lucrativos percebem e experimentam o apoio ao desenvolvimento de capacidades. Mas isso não deve impedir a conversa entre as partes, especialmente se o fizerem com disposição para a aprendizagem. De acordo com o Candid Learning for Funders (originalmente GrantCraft), que busca melhorar a filantropia ajudando os financiadores a serem mais estratégicos e eficazes, as melhores práticas para essas conversas incluem o estabelecimento de uma base de confiança e transparência e o compartilhamento de uma lista verificada de recomendações que a organização sem fins lucrativos deveria considerar. É preciso, ainda, deixar claro que não existem consequências negativas caso a organização decida não se envolver no apoio ao desenvolvimento de capacidades patrocinado pelo financiador. Em muitos casos, essa comunicação transparente leva a decisões mais eficientes, que valorizam a agência e o respeito mútuo.

Nosso próprio trabalho nos deu provas de que o desenvolvimento de capacidades estratégicas pode funcionar em conjunto com a filantropia baseada na confiança para alcançar um impacto maior do que o do mero financiamento. Uma pesquisa feita em 2019 pelo Center for Effective Philanthropy mostrou que 95% dos nossos beneficiários que receberam apoio para capacitação disseram que isso proporcionou um benefício moderado ou importante ao seu trabalho ou organização. Amparados por esse feedback, em 2020, incluímos em nossas ofertas de apoio ações como discussões regulares de capacitação com os beneficiários, listas de especialistas bem-avaliados que poderiam procurar, ajuda para desenvolver objetivos de trabalho significativos com consultores, auxílio financeiro para executar projetos e aconselhamento sobre aplicação de insights de curto e longo prazo.

Ao longo dos últimos anos, descobrimos que o apoio ao desenvolvimento de capacidades obtém maior impacto quando se concentra em ajudar as organizações a se tornarem mais rentáveis, sustentáveis e dotadas de capacidade para crescer. A seguir, alguns exemplos que ilustram os motivos pelos quais essas áreas merecem atenção especial.

 

Apoiando a relação custo-benefício

 

Muitos beneficiários tentam melhorar e comunicar a relação custo-benefício dos seus programas naturalmente. Os financiadores podem ajudá-los, através de financiamento e capacitação, a compreender se o seu modelo funciona conforme pretendido. Em particular, financiadores podem ajudar os beneficiários a construir provas de impacto, apoiando o recrutamento e a contratação de analistas de dados e combinando-os com investigadores que possam realizar os estudos necessários.

Esta é a abordagem que adotamos com a Lena (acrônimo de Language Environment Analysis, ou linguagem de análise de ambientes), uma organização sem fins lucrativos orientada por dados cuja finalidade é acelerar o desenvolvimento da linguagem das crianças de 0 a 5 anos, usando tutoria baseada em tecnologia.

A ferramenta “talk pedometer” da Lena, por exemplo, mede a quantidade de “turnos de conversa” (interações entre adultos e crianças), uma das métricas mais preditivas dos resultados da criança, como função cerebral e habilidades de leitura. Embora a organização tenha coletado grandes quantidades de dados individualizados e específicos, ela não tinha uma maneira coerente e simplificada de visualizar dados agregados em nível macro. Ao saber que queria compreender melhor o impacto dos seus programas em vários locais, a nossa equipe propiciou uma bolsa para a Lena, por meio do Projeto de Dados Estratégicos (SDP) – programa de dois anos no Centro de Investigação de Políticas Educacionais da Universidade Harvard que encontra, forma e coloca futuros líderes talentosos da área em organizações educacionais para transformar o uso de dados. Também concedemos uma doação para subsidiar fortemente o custo da bolsa da Lena.

O programa ajudou a Lena a criar painéis de dados que permitissem visualizar as métricas de recrutamento, retenção, alcance e impacto em cada cidade, revelando quem a tecnologia alcançou e o impacto que teve sobre essas pessoas. Os painéis forneceram uma visão nova e completa das métricas da organização, dando base para que os responsáveis pelas decisões implantassem recursos de forma mais eficaz em todos os lugares. Uma vez que havia indicadores-chave de desempenho compartilhados por todas as cidades, cada uma podia ver os sucessos dos outros locais e participar em conversas com eles para compreender que ações haviam contribuído para aumentar o seu impacto. Por exemplo, a unidade de Birmingham, no Alabama, constatou que as crianças da unidade de Virginia Beach, em Virgínia, estavam tendo ganhos com o uso da ferramenta Lena Grow, dedicada a educadores de primeira infância e ambientes de cuidados infantis. Como resultado, optou por transferir mais recursos para o cuidado das crianças e para as visitas domiciliares, o que mostrou impactos menores durante a pandemia.

A Overdeck Family Foundation continuou a trabalhar com a Lena na expansão das métricas de impacto, indo além dos resultados para crianças individuais, buscando ilustrar tendências maiores e influenciar práticas baseadas em dados de forma mais ampla. Juntamente com o SDP, o nosso apoio ajudou a Lena a criar narrativas baseadas em dados para se comunicar eficazmente com uma série de públicos-alvo – incluindo educadores, líderes distritais e decisores políticos –, o que aumentou a influência da organização no domínio da primeira infância.

 

Fortalecendo o Modelo de Receita

 

Gerar receitas fiáveis para cobrir o custo total das operações atuais e futuras é outro desafio frequente para os beneficiários. Sem um modelo de receitas forte, os programas podem não ser sustentáveis a longo prazo.

EdReports, uma organização sem fins lucrativos que visa melhorar a qualidade dos materiais didáticos em sala de aula, era um beneficiário nosso de longa data. Ao saber que a entidade queria melhorar sua sustentabilidade organizacional, cobrimos sua participação em um conjunto de workshops facilitados pela RevJen Fuel Series com foco naidentificação e construção de estratégias de receita de crescimento e diversificação.

Através dos workshops, a EdReports determinou que precisava diminuir a sua dependência de receita filantrópica e identificar novos caminhos para obter recursos. A experiência ajudou a chefia da entidade a compreender que, em vez de atualizar o plano estratégico da organização, era necessário desenvolver um plano que incluísse novas fontes de receitas obtidas. Desde então, a nossa fundação tem continuado a ajudar a EdReports a explorar o mercado em busca de novos fluxos de receitas, a compreender melhor o que o seu público-alvo pretende e a moldar uma proposta que demonstrasse seu valor único, inclusive provendo parcerias com outros fornecedores e consultores.

 

Impulsionando a demanda e a construção do mercado

 

Garantir que as organizações tenham uma compreensão clara do cenário competitivo e das oportunidades futuras de crescimento é outro aspecto do desenvolvimento de capacidades que pode ser catalisador. Apoiar organizações sem fins lucrativos por meio de análises de mercado e planejamento financeiro ajuda-as a garantir recursos suficientes para sustentar o crescimento e lidar com tempos de vacas magras.

Tomemos como exemplo o nosso bolsista EiE, a divisão curricular do Museu da Ciência de Boston, que procurava expandir a sua cota de mercado no currículo e na aprendizagem profissional do pré-escolar ao oitavo ano. Para apoiar esse objetivo, facilitamos uma parceria com a EdSolutions, uma organização especializada em ajudar organizações a navegar nos mercados e na escala educacional. A EdSolutions trabalhou com a EiE para realizar uma análise dos fornecedores e serviços existentes para distritos e estados, em particular aqueles interessados em adquirir currículos suplementares de ciências, tecnologia, engenharia e matemática (STEM). A partir daí, criaram uma síntese dos estados e distritos com maior potencial de interesse no tipo de programação STEM suplementar que a EiE oferece – especificamente, conteúdos que poderiam fazer parte do currículo básico de matemática e ciências e serem incorporados às oportunidades de aprendizagem profissional existentes para educadores.

Com isso, a EiE conseguiu chegar a estados que já estavam interessados em integrar esse tipo de programação a seu currículo básico, resultando em uma estratégia e processo de vendas muito mais eficientes. A nossa fundação continua a aconselhar a EiE na execução dessa estratégia, ajudando-a a aumentar as receitas obtidas através de uma compreensão mais profunda da sua posição competitiva no mercado.

 

Como os financiadores podem ajudar

 

Não é o momento para as fundações deixarem de apoiar o desenvolvimento de capacidades nas organizações. Em vez disso, os financiadores devem desempenhar um papel mais estratégico e prático que inclua o envolvimento em conversas transparentes com os beneficiários, reconhecendo perspectivas valiosas de ambos os lados e criando, em conjunto, planos para enfrentar os desafios acordados.

O sucesso desses esforços exige confiança, respeito e responsabilidade mútuos, aspectos que os beneficiários e os financiadores podem desenvolver de forma concreta. Ter humildade e mentalidade de aprendizagem, por exemplo, abre espaço para que ambas as partes compartilhem suas perspectivas e conhecimentos únicos.

Depois de identificarem os desafios que os líderes das organizações sem fins lucrativos enfrentam, bem como as suas necessidades, os financiadores devem oferecer um conjunto limitado de oportunidades de capacitação avaliadas e de alta qualidade, com explicações claras sobre por que cada opção pode ajudar a enfrentar o desafio.

O envolvimento dos financiadores também deve continuar ao longo do trabalho de capacitação, especialmente se houver envolvimento de parceiros externos. É importante que os financiadores façam o acompanhamento durante as verificações a fim de apoiar a tomada de decisões estratégicas contínuas com o beneficiário e de garantir que estejam fornecendo um útil. Essa é uma oportunidade para ambas as partes aprenderem e continuarem a melhorar.

Isso não significa que os financiadores precisam estar presentes em todas as conversas, mas que devem se esforçar para ser um recurso de processamento de informação resultante de projetos de capacitação e planejar o que vem a seguir.

Descobrimos que permitir que especialistas e consultores externos trabalhem diretamente com os beneficiários, estando presentes como parceiros de pensamento e conselheiros de confiança, é eficaz para construir um sentimento de segurança e mudanças duradouras. Trabalhando em conjunto, os dois lados podem se envolver num trabalho de capacitação que conduza a resultados exponenciais, fortalecendo o impacto dos financiadores sobre os beneficiários ao longo de muitos anos.

 

AS AUTORAS

Anu Malipatil é vice-presidente de educação da Overdeck Family Foundation. Ela é membro da equipe fundadora da organização e tem mais de 20 anos de experiência em educação infantil e fundamental e no setor sem fins lucrativos, com experiências no Departamento de Educação do Estado de Nova York e na Teach for America.

Lucy Brainard gerencia a equipe de gestão de portfólio da Overdeck Family Foundation, a qual fornece aos beneficiários suporte para capacitação por meio de um modelo de apoio escalonado. Antes, ela trabalhou na equipe de impacto social do TripAdvisor.



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