Imprimir artigo

Parcerias para salvar um hotspot de biodiversidade

Um fundo colaborativo americano tem a missão de ajudar defensores ambientais no Sudeste Asiático a proteger o rio Mekong. Será possível fazer isso e, simultaneamente, lidar com a política local?

Por Kyle Coward

Uma vista do rio Mekong, onde o Lower Mekong Funders Collaborative dedicou seus esforços à proteção e restauração ambiental. (Foto de Dennis Schmelz/Alamy)

 

Quando se pensa em áreas do mundo ricas tanto em beleza natural quanto em complexidade, o Sudeste Asiático é um exemplo perfeito.

Estendendo-se do sul da China aos arquipélagos no oceano Pacífico, com clima tropical e subtropical, onde montanhas de calcário abrem caminho para planícies costeiras, a região abriga muitas espécies endêmicas não encontradas em nenhum outro lugar do planeta. Em meio a uma exuberante e diversa região de montanhas, planícies e florestas, encontra-se o imponente rio Mekong.

Leia também:

Do discurso sustentável à prática de Greenwashing

O Futuro da Moda

Com mais de 4.300 quilômetros de comprimento e serpenteando entre seis países, o Mekong é o maior rio do Sudeste Asiático e o décimo segundo do mundo. As mais de 1.300 espécies de peixe, 1.200 espécies de aves e 20 mil espécies de plantas que ali vivem tornam a região uma das mais ricas em biodiversidade do planeta.

Além do turismo, a indústria de pesca no Mekong traz impacto econômico para os moradores, garantindo segurança alimentar a milhões de cidadãos. Trata-se da maior indústria pesqueira de água doce do mundo. De acordo com um relatório conjunto da World Wildlife Fund (WWF) e do HSBC, gigante internacional de serviços financeiros, a taxa de crescimento dessa região nos últimos anos foi estimada entre 5% e 8%, impulsionada por setores como o cultivo de arroz e a pesca. As economias estão prosperando principalmente na bacia do baixo Mekong, mais navegável devido à menor concentração de bancos de areia e corredeiras. A organização intergovernamental Mekong River Commission calculou o valor anual da pesca e da piscicultura nessa região em US$ 17 bilhões, o que equivale a mais de 10% das atividades pesqueiras de todo o mundo. Igualmente formidável, a produção local de arroz representa cerca de 25% das exportações mundiais do grão. Quase 65 milhões de pessoas vivem nessa bacia e, graças a sua próspera atividade econômica, mais e mais cidadãos estão migrando para áreas urbanas.

O rio, que corre da China ao Vietnã antes de desaguar no Mar do Sul da China, tem um tráfego intenso de navios de cruzeiro. Em uma reportagem sobre a “expansão” da indústria de turismo no rio Mekong em 2019, a CNBC observou que ao menos dez navios estavam programados para percorrer o rio em 2020, antes de a pandemia de Covid-19 paralisar o setor.

O aumento da população urbana do baixo Mekong afetou gradualmente a terra ao longo da região do rio, desde a bacia do alto até a do baixo. Por toda a Grande Sub-região Mekong (GMS, na sigla em inglês), da qual fazem parte China, Camboja, Laos, Myanmar, Tailândia e Vietnã, o crescimento das áreas urbanas tem sido entre 3% e 5% ao ano. Até 2030, espera-se que mais de 40% dos moradores habitem cidades da GMS ou seus arredores. Com isso, cresce a pressão sobre os recursos naturais da região, especialmente em virtude do aumento da geração de energia hidrelétrica a partir de barragens. Situação semelhante ocorre na bacia do baixo rio, na qual se estima um aumento anual de 7% na demanda por energia.

Jack Tordoff conhece intimamente a região. Diretor administrativo do Fundo de Parceria para Ecossistemas Críticos (Critical Ecosystem Partnership Fund – CEPF), iniciativa com sede em Arlington, na Virgínia, dedicada à preservação da biodiversidade mundial, Tordoff trabalhou em prol de esforços de preservação e sustentabilidade no Sudeste Asiático por mais de uma década.  Ele sabe muito bem a tensão que lá existe para equilibrar desenvolvimento econômico e preservação ambiental e ecológica.

As várias barragens formadas ao longo do rio desempenham papel importante no avanço do desenvolvimento econômico dos países, uma vez que produzem eletricidade, evitam enchentes e fornecem irrigação para culturas em áreas de seca. No entanto,  elas também impedem o curso natural das águas, o que pode prejudicar o ciclo de vida dos peixes, bem como sua capacidade de reprodução, e afetar negativamente o suprimento de comida dos moradores, que têm nos peixes do Mekong sua principal dieta e fonte de renda. Esta é a situação atual das pessoas que vivem nas margens do rio, onde atualmente duas grandes barragens operam e várias outras estão em fase de planejamento.

“Mexer com a disponibilidade de água acarreta implicações para as pessoas mais diretamente afetadas”, explica Tordoff. Entre elas, a diminuição da segurança alimentar, baixa qualidade da água e aumento de doenças contagiosas provindas de espécies do rio, segundo a Organização Mundial da Saúde.

Outras preocupações ecológicas na região surgiram com o aumento do desmatamento para dar lugar a complexos agroindustriais de grande proporção. Eles estão sendo construídos para atender à demanda por commodities como arroz, borracha e óleo de palma. “Por um lado, o rio está sendo represado”, afirma Tordoff. “Por outro, a vegetação natural da bacia hidrográfica está sendo destruída.”

Uma tempestade perfeita de condições provocadas pelo ser humano, tais como mudança climática e degradação ambiental, fez do Sudeste Asiático o principal candidato para receber o trabalho de organizações como o CEPF. Desde 2011, o fundo se associou a inúmeras organizações internacionais filantrópicas com o intuito de investir em soluções para problemas ambientais e ecológicos no baixo Mekong. Essa parceria, conhecida como Associação dos Financiadores do Baixo Mekong (Lower Mekong Funders Collaborative – LMFC), forneceu apoio econômico para mais de cem organizações locais da sociedade civil que trabalham em projetos de preservação da biodiversidade e na promoção do desenvolvimento economicamente sustentável.

“Estamos tentando criar modelos por meio dos quais a proteção do ecossistema  permita também resolver questões fundamentais para as pessoas, em especial segurança alimentar e renda”, conta Tordoff.

 

Estabelecendo Colaboração

 

A LMFC reúne diversas organizações de grantmaking, além do CEPF, entre as quais Margaret A. Cargill Philanthropies (MACP), Chino Cienega Foundation e McConnell Foundation. Os beneficiários da generosidade colaborativa incluem organizações não governamentais (ONGs), grupos comunitários e iniciativas civis que criaram projetos próprios no baixo Mekong.

“Com todo o desenvolvimento e a degradação ocorridos, esse é um sistema de água doce extremamente importante”, diz Shelley Shreffler, membro do programa de meio ambiente da Margaret A. Cargill Philanthropies. “Acho importante darmos apoio às comunidades e às pessoas da região.”

A bacia do baixo Mekong – que abrange Camboja, Laos, Myanmar, Tailândia e Vietnã – tem sido alvo de esforços impulsionados por doações de diferentes financiadores americanos desde os anos 1980, momento em que o Vietnã procurava normalizar as relações com os Estados Unidos. Após décadas de conflito regional, foi só nos anos 1990 que os dois países estabeleceram relações diplomáticas.

Tordoff observa que aquelas atividades iniciais foram impulsionadas por organizações de ajuda internacional de fora da região. Segundo ele, apesar das boas intenções, algumas dessas iniciativas de financiamento usavam uma abordagem que nem sempre considerava as contribuições locais. “O primeiro esforço real para melhorar a qualidade ambiental se deu no fim dos anos 1980 e início dos anos 1990”, explica Tordoff, que passou mais de uma década trabalhando na preservação da biodiversidade no Sudeste Asiático antes de fazer parte do CEPF em 2009. “Não que [os esforços] não fossem eficientes, mas eram orientados muito externamente [à região].”

Antes da criação da LMFC, as organizações que fazem parte do grupo já buscavam, de maneira independente, promover projetos de biodiversidade e de desenvolvimento sustentável no Sudeste Asiático. Cientes dos trabalhos que cada uma executava na região, elas perceberam que se juntassem diferentes pesquisas, recursos e estratégias seriam mais fortes.

Tordoff explica que o que diferenciou esse processo colaborativo de outros projetos de desenvolvimento e preservação de fora do Sudeste Asiático foi o empenho em ajudar iniciativas locais a definir o tom de seus próprios objetivos e a liderar os projetos. Para as organizações locais, financiamentos por parte de membros colaboradores ampliariam os recursos, o que iria despertar a atenção das pessoas e possibilitar que suas vozes fossem ouvidas por governos no tocante a assuntos ligados a suas comunidades. Esses grupos locais se firmaram no início do novo milênio, quando os governos abriram espaço para que organizações da sociedade civil fizessem parte do processo político no baixo Mekong.

“A partir dos anos 2000 observamos um maior protagonismo desses esforços locais devido a mudanças na política, uma vez que os governos passaram, pouco a pouco, a dar mais espaço político para organizações da sociedade civil. Ao mesmo tempo, o CEPF e outros financiadores deram apoio para que entidades locais tivessem acesso a doações para realizar o trabalho ambiental”, explica Tordoff.

 

Focando em um Hotspot

 

Um retrato das iniciativas ambiciosas das quais a LMFC participa pode ser visto no hotspot da região da Indo-Birmânia, que engloba todas as áreas não marinhas dos cinco países do baixo Mekong, além de partes do sul da China, do nordeste da Índia e pequenas áreas de Bangladesh e da Malásia. Devido à ênfase nos esforços de preservação nos arredores do rio Mekong, Bangladesh, Índia e Malásia não estão incluídos no financiamento do CEPF para a Indo-Birmânia. O nordeste da Índia, que também não faz parte do Mekong, anteriormente era parte de um projeto de financiamento separado do CEPF.

Hotspots são áreas territoriais com ecossistemas biológicos diversos que enfrentam uma variedade de ameaças ambientais e ecológicas. Para ter essa classificação, uma área deve ter ao menos 1.500 plantas vasculares não encontradas em nenhum outro lugar do planeta e ter perdido ao menos 70% de sua vegetação nativa primária devido à degradação ambiental. No mundo,  36 áreas se enquadram nessa categoria.

O CEPF começou a investir em esforços de preservação em hotspots internacionais pouco depois de sua criação, em 2000, e em 2003 criou o “perfil de ecossistema” da Indo-Birmânia para identificar as principais preocupações quanto à erosão biológica daquele hotspot. “Nós nos concentramos em lugares específicos do planeta muito ricos em biodiversidade e que contam com alto índice de atividade humana”, explica Tordoff.

Após dar início a projetos de investimento em outros hotspots pelo mundo, o CEPF voltou sua atenção para a região da Indo-Birmânia e lançou em 2008 um plano de cinco anos para ajudar a financiar projetos que abordam questões importantes ligadas à degradação ambiental e ecológica na região. O tamanho do hotspot e a magnitude dos problemas ambientais e ecológicos apresentaram oportunidades significativas para os financiadores. Com mais de 346 milhões de moradores, a Indo-Birmânia é o maior hotspot do planeta e em 2011 o CEPF declarou que era também o mais ameaçado.

“O baixo Mekong, como parte da região da Indo-Birmânia, tem sido uma área importante para investimentos do CEPF”, explica Olivier Langrand, diretor-executivo do fundo. “Muitas espécies estão à beira da extinção no hotspot em virtude da trajetória do desenvolvimento econômico.”

Entre essas espécies estão aves como o sisão-bengalês, encontrado no Camboja e no Vietnã e catalogado como espécie severamente ameaçada de extinção pela União Internacional para Conservação da Natureza. Ademais, árvores como o jacarandá-siamês e o jacarandá-cambojano estão ameaçadas devido à alta demanda regional por móveis fabricados com madeira dessas espécies. Por representar um estilo de vida próspero, tais móveis tornaram-se símbolo de status entre cidadãos e a demanda atraiu até grupos criminosos organizados que buscam derrubá-las para obter a matéria-prima.

No fim das contas, se você conversar com pessoas como Tordoff, elas dirão que a preservação da biodiversidade não é um problema para apenas uma parte do mundo. Na verdade, é uma questão que afeta todas as pessoas do planeta.

 

Conflito no Baixo Mekong

 

Esforços de preservação e desenvolvimento sustentável têm sido proeminentes no Sudeste Asiático desde que financiadores internacionais foram atraídos para a região, nos anos 1980, quando o trabalho de ambientalistas como Norman Myers e Russell Mittermeier ganhou força na esfera mais ampla da defesa ambiental. Na bacia do baixo Mekong, a necessidade de assistência remonta à época em que a região estava mergulhada em conflitos armados, entre 1946 e 1989, quando batalhas entre forças apoiadas por comunistas e governos que contavam com o suporte do Ocidente colocaram a região na Primeira Guerra da Indochina e na Guerra do Vietnã.

A Primeira Guerra da Indochina foi travada, basicamente, no norte do Vietnã, então colônia da França. O conflito terminou em 1954 quando o grupo nacionalista Viet Minh, liderado por Ho Chi Minh – e que contava com o apoio da União Soviética e da China – repeliu as forças francesas na Batalha de Dien Bien Phu, marcando o fim da dominação no país.

O Vietnã pós-colonial foi posteriormente dividido em Vietnã do Norte, comunista, e Vietnã do Sul, apoiado pelo Ocidente. Conflitos menores entre os dois países ganharam maior proporção no momento em que os Estados Unidos – que apoiavam o Vietnã do Sul e haviam oferecido suporte à França na Primeira Guerra da Indochina – se envolveram a partir de 1964, após relatos de que o Vietnã do Norte atacara uma frota militar americana que operava no golfo de Tonquim. O declínio ambiental da região, lembra Tordoff , está ligado ao “envolvimento americano na Indochina com a Guerra do Vietnã”.

Como parte de sua ofensiva, as forças militares americanas usaram o herbicida Agente Laranja contra os combatentes norte-vietnamitas no país, bem como no Laos e no Camboja, onde o exército do Vietnã do Norte e seus aliados da guerrilha vietcongue realizavam operações. Além de causar problemas de saúde de longa duração e doenças na população, o herbicida também promoveu um amplo desmatamento de áreas rurais que abrigavam muitos refugiados vindos de outras regiões destruídas pela guerra.

Stephen Nichols, fundador e presidente da Chino Cienega Foundation, com sede na Califórnia e que financia projetos ligados às mudanças climáticas e à sustentabilidade ambiental no Sudeste da Ásia, viu de perto a magnitude da destruição da guerra quando chegou ao Vietnã em 1967, onde serviu nas Forças Armadas dos Estados Unidos como professor voluntário.

“A primeira coisa que você vê é o enorme dano ambiental”, relata Nichols. “Você está sobrevoando e vê crateras provocadas por bombas por todos os lados. Não dá para imaginar a extensão dessa destruição. Eu me lembro de pensar: ‘Quando esta guerra acabar, quanto tempo vai levar para este país se curar de todas as feridas?’.”

Na esteira dos conflitos, vários países na região do baixo Mekong buscaram reanimar suas economias por meio de investimentos pesados em agricultura, exportando commodities como café e arroz e derrubando árvores para a produção de madeira de lei.

“Foi um desmatamento seguido por décadas em que pessoas reagiam aos choques provocados pela guerra”, afirma Tordoff. “Os países foram desafiados a aquecer suas economias e uma das maneiras encontradas foi investir em setores de recursos naturais.”

Décadas depois, o desafio de equilibrar o desenvolvimento econômico regional e a sustentabilidade ambiental tornou-se tremendo, provocado por uma tempestade perfeita de fatores como desmatamento regional contínuo, dependência de energia hidrelétrica e mudanças climáticas.

 

Um Esforço Descentralizado

 

De muitas maneiras, a LMFC é o encontro de cabeças de organizações apaixonadas pela ideia de promover questões ambientais e ecológicas no Sudeste Asiático. Cada organização, por vezes, diverge quanto aos objetivos de preservação e desenvolvimento que priorizam. Algumas, como é o caso da CEPF, podem escolher se dedicar a financiar esforços de preservação da biodiversidade, ao passo que outras podem ter uma inclinação maior para questões como mudanças climáticas e advocacy.

O grupo de colaboradores adota uma abordagem um tanto informal e igualitária em seu trabalho. Não há um website e nenhuma das organizações envolvidas dita os tipos de projeto que as outras realizam.

“Não temos todos exatamente a mesma incumbência”, explica Tordoff. “Há uma grande área comum, mas, ao mesmo tempo, há coisas nas quais um financiador pode estar trabalhando que outros não estão. Respeitamos isso.”

Com sede na Califórnia, a McConnell Foundation – que concede recursos para ONGs e empreendimentos educacionais, bem como para entidades governamentais – é um membro colaborador que se vale de uma abordagem de advocacy importante no que diz respeito a seus financiamentos, apoiando esforços voltados para a resolução de conflitos no Nepal e em prol dos direitos de assistência jurídica em comunidades rurais no Laos. A fundação também financia projetos de preservação no Laos, país para o qual foi inicialmente atraída em virtude da considerável diáspora laosiana em sua sede em Redding, ao norte de Sacramento, e em seus arredores. Muitos moradores são descendentes de refugiados das guerras civis ocorridas em meados do século 20.

“Trabalhar em colaboração nos ajuda a identificar os pontos fortes de diversos financiadores, uma vez que todos são capazes de contribuir de formas variadas”, explica Jesica Rhone, diretora de programas internacionais da McConnell Foundation. “Foi extremamente importante conhecer esses outros financiadores de tamanhos diferentes, possuidores de outras redes de contato e que contam com um capital social que cada um oferece à iniciativa.”

Em seu trabalho, o CEPF investiu mais de US$ 30 milhões em doações para organizações da sociedade civil na região da Indo-Birmânia. Desde o lançamento de seu plano de cinco anos, o fundo apoiou mais de 310 projetos no hotspot. São alguns exemplos do trabalho dos stakeholders: campanha de comunidades nativas pelo direito à terra, grupos comunitários gerindo atividades pesqueiras e organizações de imprensa que buscam promover maior conscientização sobre os problemas da região.

Para avaliar os resultados das ações em hotspots pelo mundo, o CEPF se vale de quatro categorias individuais: 1) se a qualidade da biodiversidade do hotspot melhorou; 2) se houve fortalecimento da capacidade das organizações da sociedade civil de executar seu trabalho; 3) se houve melhoria na qualidade de vida dos cidadãos que moram no hotspot; e 4) se foram criadas condições para que setores públicos e privados contribuam com os esforços de preservação da biodiversidade. Dentro desses pilares, o CEPF examina alguns parâmetros para medir a eficácia dos alicerces criados pelos beneficiados. Esses parâmetros variam conforme o local e são definidos pelos stakeholders. Por exemplo, o CEPF avalia o número de cidadãos que se beneficiam diretamente de formas sustentáveis de produção de commodities como o arroz.

Em contrapartida, pelo cumprimento de objetivos ambientais específicos definidos por stakeholders locais que são beneficiários do CEPF, agricultores podem receber um valor mais alto por seus produtos, como o arroz, do que receberiam de outros compradores. Sem o preço mais elevado pago por sua produção, eles podem ter de complementar sua renda com trabalhos paralelos, como atuar no desmatamento.

O CEPF também analisa a quantidade de moradores que se beneficiam indiretamente da produção agrícola que não agride a vida selvagem. Esses benefícios não vêm da venda direta dos produtos ao mercado, mas sim do fato de terem um estoque de água mais limpa para usar na irrigação das lavouras. “Tem sido muito eficaz”, relata Tordoff. “O arroz produzido nesses esquemas está agora sendo exportado internacionalmente para alguns grandes compradores.”

O CEPF avalia ainda os esforços de stakeholders locais para ver se seu trabalho promoveu a criação de áreas de conservação de terras anteriormente ameaçadas. “Nós medimos isso com base no número de acres ou hectares”, explica Tordoff. “Isso pode significar medidas formais como um parque nacional ou uma reserva natural. Porém, cada vez mais, isso significa medidas informais como áreas de comunidades nativas preservadas e por elas mantidas.”

Outros parâmetros incluem a avaliação de como espécies locais ameaçadas foram beneficiadas desde que a cooperação começou a financiar projetos de preservação locais. Além disso, o CEPF oferece um sistema de triagem para que os beneficiários avaliem sua capacidade de iniciar e manter seus projetos.

“Todas as organizações locais que recebem doação preenchem uma ferramenta de autoavaliação na qual informa, por exemplo, se seus funcionários são treinados, se contam com voluntários ou se seu escritório é permanente.  Após três ou cinco anos, elas podem refazer a autoavaliação e podemos observar de que maneira sua capacidade mudou”, diz Tordoff.

 

Investimento e Ativismo Local

 

Desde 2013, o financiamento colaborativo no hotspot da Indo-Birmânia ajudou stakeholders locais a fortalecer seus esforços de gestão de preservação em regiões específicas nas quais as indústrias agrícola e de pesca têm produção intensiva. Segundo Tordoff, o trabalho de doação colaborativa cobriu uma área de mais de 768 mil hectares e possibilitou que ao menos 120 comunidades locais e nativas recebessem mais benefícios no que diz respeito a posse de terra, segurança alimentar e renda.

Mais de 80 doações foram concedidas a stakeholders e organizações internacionais que desenvolvem trabalhos na região. Entre os exemplos temos a criação de programas de preservação de espécies, o estabelecimento de iniciativas-piloto que promovem a gestão das florestas e da pesca pela comunidade e a conscientização sobre problemas de preservação ambiental por maior cobertura da imprensa local.

Entre as mais de cem organizações regionais da sociedade civil contempladas com doação da LMFC está a vietnamita PanNature. Com sede na província rural Son La, na fronteira com Laos, na parte noroeste do país, a PanNature realiza parcerias com cidadãos, setor privado e agências governamentais na busca de soluções para questões críticas, como o predomínio de barragens ao longo do baixo Mekong.

Mais do que alocar funcionários para administrar projetos no local, muito do trabalho da organização consiste na defesa de reformas de políticas públicas e no estabelecimento de relações com a imprensa local. Financiamentos do CEPF e de outros membros colaboradores possibilitam à organização aumentar o alcance de sua comunicação, levando a PanNature a expandir a publicação de materiais de divulgação e aumentar sua equipe.

“Atualmente, temos muito mais cobertura jornalística sobre as questões ambientais”, afirma Trinh Le Nguyen, diretor-executivo da PanNature, que fundou a organização em 2004. “Recebemos muitos apoiadores que trabalham na proteção e preservação do ambiente. Há dez anos, temas ambientais não eram muito importantes na agenda da imprensa.”

Como resultado do aumento da conscientização promovida pelo trabalho das organizações doadoras da LMFC, governos estão fazendo algumas concessões importantes na região. Recentemente, a Tailândia cancelou um projeto de barragem que detonaria uma parte do rio Mekong a fim de tornar a área navegável. Essa obra permitiria a grandes embarcações comerciais da China navegar rio abaixo para uma região que abriga áreas de reprodução e viveiros de peixes de diversos tamanhos, o que poderia provocar desequilíbrio nos hábitats das espécies. Pouco tempo depois da interrupção desse projeto, o governo do Camboja anunciou que suspenderia a construção de barragens ao longo do rio Mekong até 2030.

“Estamos começando a ver algumas decisões importantes do alto escalão serem tomadas em prol do ambiente”, explica Tordoff, e ressalta que seu otimismo pela região da Indo-Birmânia é, ainda assim, cauteloso. “Essas decisões sempre podem ser revertidas”, acrescenta. “Outro governo pode se estabelecer ou as pessoas podem mudar de ideia a respeito da sustentabilidade.”

Para Tordoff, a suspensão dos planos de construção foi particularmente significativa porque veio depois que o CEPF financiou esforços iniciais de stakeholders regionais para interromper construções em outra barragem do baixo Mekong. No início dos anos 2010, aumentaram as preocupações de moradores e ativistas do baixo Mekong com potenciais consequências ambientais e ecológicas para a pesca na planejada barragem de Xayaburi, no norte do Laos. O projeto requeria que a represa – financiada e operada pela iniciativa privada tailandesa – produzisse energia hidrelétrica que seria, quase em sua totalidade, vendida para a agência estatal de energia da Tailândia.

No fim, os esforços para interromper o projeto não deram resultado. “Acho que aquele foi o maior golpe para o movimento ambientalista”, pondera Tordoff. “Provavelmente levamos cinco ou dez anos a mais do que deveríamos para encontrar a melhor maneira de lidar com o problema.” Um memorando do acordo entre o governo do Laos e a construtora tailandesa CH Karnchang PCL já havia sido assinado em 2007, um ano antes do início da primeira fase de financiamento do CEPF na região. Àquela altura, a fase de pré-construção já estava transcorrendo, assim como já tinham sido concluídos os acordos de desenvolvimento e os estudos de viabilidade. Depois de mais de cinco anos de construção, a barragem começou a funcionar em 2019. Tordoff explica que, em decorrência disso, áreas nos arredores da barragem tornaram-se mais secas e menos ricas em nutrientes, o que afetou negativamente os hábitats dos peixes, além de ter aumentado a probabilidade da ocorrência de secas e queimadas.

“Se tivéssemos chegado cinco anos antes, talvez fosse possível apresentar alternativas”, acrescenta. “Mas antes que alguém pudesse de fato começar a compreender a situação, tudo já estava adiantado. As pessoas, naquele momento, não perceberam que se tratava de uma causa perdida antes mesmo de seu início. Acho que isso dá origem a muitas questões sobre a possibilidade de nos envolvermos legitimamente na política interna de outro país quando não temos informações suficientes a seu respeito.”

 

Barreiras Burocráticas

 

Apesar dos ganhos obtidos no local, a burocracia pode ser um problema nos países do baixo Mekong, onde moradores, vez ou outra, enfrentam obstáculos na hora de fazer com que suas vozes sejam ouvidas sobre assuntos políticos que os afetam diretamente. Isso com certeza ocorre em relação a questões com implicações ambientais.

“Exemplos de organizações da sociedade civil capazes de se envolver no desenvolvimento de políticas públicas são a exceção e não a regra”, explica Tordoff. “Ainda é desafiador para comunidades locais, movimentos dos povos nativos e ONGs terem, de fato, influência na tomada de decisões voltadas para o desenvolvimento.”

Esses sentimentos ecoam junto àqueles que trabalham no local, beneficiários do apoio econômico dos colaboradores.

“Gostaríamos de observar comunidades nativas desenvolvendo contatos profissionais e conversando com as pessoas que ocupam os mais altos cargos do governo”, afirma Mong Vichet, diretor assistente-executivo da Highlanders Association, organização cambojana que obteve financiamento dos colaboradores para ampliar a participação política dos grupos de minorias étnicas – ou de comunidades tradicionais – na província de Ratanakiri.

A organização dedica especial ênfase em fazer com que mulheres e jovens se envolvam em assuntos como direitos sobre a terra e preservação em áreas nas quais há considerável presença de minorias étnicas. No Camboja, onde o grupo majoritário Khmer controla as instituições políticas, sociais e econômicas do país, os povos nativos clamam por atenção.

“Somente as comunidades que trabalham com ONGs podem falar com o governo”, explica Vichet. “Mas os habitantes locais não podem, e é isso que organizações de povos nativos como a Highlanders gostariam de presenciar.”

Membros colaboradores que não se envolvem em advocacy também devem ter cautela quanto a outros assuntos sobre os quais não têm controle, como questões de transparência política, na bacia do baixo Mekong. É uma questão que ficou bastante evidente recentemente com o golpe militar em Myanmar, que destituiu o governo eleito. Isso também se mostrou problemático ao longo do tempo de diferentes maneiras para todos os países da região, nos quais regimes autoritários e não democráticos se proliferam.

“O espaço político disponível para que a sociedade civil atue é mais limitado em todos os países da Indo-Birmânia, muito mais do que na América do Norte ou na Europa”, explica Tordoff. “Isso se deve a vários fatores históricos. É preciso ser bastante cuidadoso.”

Além de negociar com burocracias governamentais pouco amistosas, os colaboradores também tiveram de lidar com a saída recente de dois membros. A MacArthur Foundation, que fazia parte do grupo desde 2011, encerrou seus investimentos no Sudeste Asiático no início de 2021 e deixou a iniciativa. Em 2019, a McKnight Foundation, que se envolvia no advocacy pela sustentabilidade e direitos referentes aos recursos naturais no Sudeste Asiático, anunciou que encerraria os financiamentos na região em 2020.

Embora a saída da McKnight da fundação deixe um buraco na área de advocacy, o CEPF busca uma nova fundação capaz de realizar esse trabalho e não tem planos de assumi-lo. A atual lacuna pode ser uma decepção para proponentes de iniciativas de empoderamento sustentável em regiões em desenvolvimento, que podem esperar que organizações envolvidas em tal função usem sua influência para defender questões como a dos direitos humanos.

No contexto de seu próprio trabalho, Langrand, diretor-executivo do CEPF, escolhe o termo “agnóstico” para descrever a visão da organização acerca da situação no baixo Mekong. “Dizemos a esses países: estamos aqui para apoiar a sociedade civil e proteger a biodiversidade”, relata. “Há alguns países nos quais enfrentamos resistência. Porém, na maior parte dos países os governos ficam muito satisfeitos de nos ver buscando soluções.”

No entanto, os objetivos de desenvolvimento econômico dos líderes municipais nem sempre priorizam a sustentabilidade ambiental e ecológica. É claro que isso não é exclusivo do baixo Mekong ou do Sudeste Asiático, uma vez que muitas potências mundiais ao longo da história (incluindo Estados Unidos, China e diversos países da Europa Ocidental) desenvolveram sua economia à custa do ambiente. Contudo, o precedente da história não necessariamente faz com que o dilema seja mais fácil de ser resolvido por membros colaboradores ou stakeholders locais. Isso ocorre, em particular, quando a conversa se volta para questões como barragens hidrelétricas, que podem fomentar prosperidade econômica, mas resultam em consequências ambientais e ecológicas sérias para moradores e para a região.

Tordoff acredita não apenas que o desenvolvimento sustentável faz mais sentido do ponto de vista ambiental, mas também que investimentos em energia solar são mais economicamente prudentes do que em energia hidrelétrica. Quando se trata de apresentar essa perspectiva no baixo Mekong, a situação se complica porque esses potenciais benefícios econômicos são mais amplamente distribuídos para os cidadãos da região que não fazem parte das empresas ou estão politicamente ligados às elites.

“Embora possa existir um argumento econômico para uma abordagem mais ecológica e equitativa, a questão não se restringe apenas em fazer sentido do ponto de vista financeiro”, explica Tordoff. “Também está ligada a quem se beneficia. Às vezes, com abordagens ambientais e outras abordagens mais equitativas, os benefícios são mais amplamente compartilhados e as comunidades são mais ouvidas.”

 

Os Planos da China

 

Mesmo se todos os países na bacia do baixo Mekong decidissem encerrar seus projetos de hidrelétricas no rio, eles seriam impedidos pelos próprios planos de desenvolvimento rio acima da China. A China opera 11 barragens no Mekong, na parte sudoeste do país, e muitos especialistas sustentam que, devido a sua força econômica, o país mantém uma relação extremamente unilateral com seus vizinhos menores do sul no que diz respeito à gestão do rio.

Em 2019, a China enfrentou um excesso de chuva e degelo, enquanto uma seca na bacia do baixo Mekong levou o rio a seu nível mais crítico em mais de um século. Segundo relatório do Stimson Center, um think tank americano apartidário, as barragens chinesas restringiram quase toda a precipitação do excesso de umidade a áreas secas do rio que, em outra circunstância, poderiam ter recebido vazões acima da média. Atualmente, essas áreas seguem bastante secas.

O relatório também descreveu a gestão chinesa de suas barragens como “inconstante” e apontou que, algumas vezes, as barragens liberam, inesperadamente, água rio abaixo provocando choques ambientais, como inundações na bacia do baixo Mekong, que prejudicam os processos ecológicos da área.

“A China vai fazer o que a China quiser fazer”, afirma Cady. “Eles vão ganhar o dinheiro que quiserem ganhar.”

Embora administrar os esforços de conservação diante dos planos chineses, sejam eles quais forem, possa parecer uma tarefa sisífica, Tordoff se contenta em obter vitórias onde os colaboradores têm influência, como ao lado dos stakeholders da região do baixo Mekong, capazes de defender moradores e comunidades.

“Não significa dizer que toda decisão é favorável aos grupos que realizam campanhas pela sustentabilidade ambiental”, afirma Tordoff. “Mas acho que estamos começando a ver uma pequena mudança.”

 

Olhando Adiante

 

No ano passado, o CEPF renovou seu comprometimento com o hotspot da Indo-Birmânia até 2025, com a destinação de US$ 10 milhões em financiamentos até o fim desse período. Os membros colaboradores estão de olho em como a pandemia pode afetar os negócios diários no baixo Mekong daqui em diante. Ainda que avanços tenham sido feitos ao redor do mundo com as vacinas e alguns relatos que mostram a redução no número de mortos, a crise econômica provocada pela pandemia que atingiu várias indústrias também foi sentida no setor das organizações sem fins lucrativos, com cortes de recursos financeiros e humanos.

Em relação ao baixo Mekong, a pandemia parece ter provocado um efeito mais direto no trabalho diário de stakeholders locais do que no próprio grupo de colaboradores. Contudo, para as comunidades da região o impacto tem mais a ver com a maneira como operam no local do que com os objetivos que buscam atingir. “O que os grupos não conseguiram fazer foi se encontrar e criar redes de contato locais”, explica Tordoff, observando que muitos encontros passaram a ser virtuais, mas com as atividades acontecendo normalmente.

“O que tenho ouvido dos meus beneficiários é que houve um impacto”, conta Shreffler, da MACP. “Eles precisam elaborar diferentes maneiras de envolver as comunidades porque nem sempre podem sair a campo.”

“Em relação às colaborações, não estou esperando grandes consequências”, diz Shreffler, da MACP. “Da nossa perspectiva, seguimos envolvidos com a região. A curto prazo, nossos níveis de financiamento não vão mudar.”

Steve Nichols, da Chino Cienega Foundation, também afirma que ele e sua equipe estão totalmente comprometidos. “Quem sabe o que vai acontecer?”, comenta. “Mas, por enquanto, parece que vamos conseguir manter o tipo de apoio que historicamente oferecemos.”

Antigos membros como a McKnight Foundation também estão monitorando os colaboradores. Embora não estejam mais envolvidos com o Sudeste Asiático, Cady fala de maneira carinhosa do tempo em que a McKnight fez parte da iniciativa e é otimista em relação ao futuro dos colaboradores.

“Respeitamos as diferentes abordagens de cada um”, afirma. “Todos percebemos que podíamos fazer um trabalho conjunto melhor na região. Estou muito triste com a saída da McKnight; mas, certamente, seremos, mesmo de longe, aliados.”

Atualmente, o coletivo também está buscando adicionar novas organizações ao grupo, cujas identidades ainda não foram reveladas. “Estamos entrando em contato com alguns novos membros para ver se gostariam de participar”, conta Tordoff. “Nós tivemos a participação de alguns em reuniões como observadores.”

Desde a criação da iniciativa de colaboração, stakeholders e organizações locais, como aquelas que fazem parte da LMFC, tiveram a sorte de testemunhar alguns avanços ambientais e ecológicos no baixo Mekong. Contudo, todos os envolvidos sabem que ainda há um caminho longo a ser percorrido. Independentemente dos obstáculos como a burocracia ou a pandemia, organizações-membro estão determinadas a ver seus esforços de financiamento renderem mais frutos daqui em diante.

“Acredito que há duas décadas teria sido impensável imaginar que questões como as ambientais seriam consideradas na região”, afirma Tordoff. “Acho que isso é uma prova da significativa mudança que está acontecendo aqui.”

 

O AUTOR

Kyle Coward é escritor e colaborou com The Root, Chicago Tribune, JET, Reuters e The Atlantic. Antigo conselheiro de saúde comportamental, ele é repórter da publicação especializada Behavioral Health Business.



Newsletter

Newsletter

Pular para o conteúdo