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Do discurso sustentável à prática de greenwashing

Pesquisa sobre relatórios de sustentabilidade de algumas das maiores companhias do mundo revelou inúmeros casos de greenwashing. A gestão sênior e os métodos de auditoria e confiabilidade precisam melhorar para evitar casos de empresas que camuflam ou mascaram os impactos ambientais de suas atividades.

Por Donna Carmichael, Kazbi Soonawalla e Judith C. Stroehle

 

greenwashing
Ilustração de James Heimer

 

A sustentabilidade cresceu rapidamente na agenda empresarial global. Um número crescente de stakeholders, incluindo os acionistas, concorda que as questões relacionadas ao tema podem representar riscos sérios aos negócios e, portanto, exigem uma gestão eficiente. A crise climática, pandemia e conflitos geopolíticos aceleram ainda mais essa agenda e expõem vulnerabilidades nas cadeias de suprimentos, o que  ressalta a necessidade de maior resiliência.

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Nesse contexto, crescem as preocupações sobre a qualidade e confiabilidade das informações relacionadas às questões ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês) que as organizações empresariais coletam e relatam. Os stakeholders querem saber se as empresas estão suficientemente preocupadas com a sustentabilidade para garantir transparência e precisão. Diante disso, aumentou a demanda por verificação independente por meio de assegurações para dar credibilidade aos dados de sustentabilidade das companhias. Essas revisões externas abrem espaço para um mercado vasto e lucrativo de auditoria das informações sobre sustentabilidade.

Embora as expectativas sejam altas, sabemos pouco sobre a efetividade das práticas atuais da auditoria da sustentabilidade. Para lidar com essa falta de conhecimento, nos reunimos para criar uma linha de pesquisa dentro da Oxford Rethinking Performance Initiative (Iniciativa de Reformulação de Desempenho – ORP, na sigla em inglês). Fundada em 2020 na Saïd Business School da Oxford University, a ORP é um consórcio de pesquisa que visa promover medidas de performance mais holísticas.

No começo de 2021, iniciamos um estudo abrangente sobre as práticas de asseguração de sustentabilidade nas cem companhias indexadas pelo Financial Times Stock Exchange (FTSE) de 2020 e 2021, o índice do mercado de ações do Financial Times. No início de 2021, começamos a coletar e analisar dados dos relatórios de sustentabilidade mais recentes no site das empresas, produzidos durante 2020 e 2021. Em geral, eles coincidiam com o encerramento do ano fiscal. A partir desses relatórios públicos, disponíveis na internet, montamos e examinamos um conjunto de dados abrangentes de informação auditada e publicada por essas companhias. Os primeiros achados foram publicados em uma versão preliminar na Social Science Research Network e um segundo estudo, que inclui uma análise comparativa internacional, ainda está em andamento.

 

Muitas companhias realizam a asseguração e divulgação externa somente das métricas escolhidas a dedo pela gestão e não daquelas que são relevantes para as operações da companhia.

 

Não imaginávamos que nosso esforço revelaria deficiências alarmantes nas mensurações, relatórios, auditorias e assegurações. Apesar das declarações ousadas das companhias sobre valores e comprometimento com o ESG, suas práticas não eram suficientes. Embora organizações de alto nível se esforçassem para assumir a posição de líderes nesse espaço e se envolvessem em retórica ostensiva e ambiciosa, seus relatórios eram em geral ambíguos ou enigmáticos e as assegurações correspondentes, fracas. Para sustentar suas declarações ESG com relatórios confiáveis e assegurações robustas, elas vão precisar de melhores incentivos associados a fiscalização mais rigorosa.

 

O Benefício da Dúvida

 

Auditoria e asseguração desempenham papel vital quando se fala em accountability e confiança corporativa. O objetivo das auditorias financeiras é fornecer uma verificação razoável de que as declarações financeiras estão isentas de distorção material. A maioria dos órgãos de competência legal exige a asseguração dos relatórios financeiros. Em compensação, auditoria e asseguração de informação não financeira normalmente não são obrigatórias. O mercado de asseguração de sustentabilidade vem crescendo continuamente nos últimos anos. Hoje, de acordo com a Federação Internacional de Contadores (Ifac, na sigla em inglês),1 abrange mais da metade das companhias do mundo todo.

Essa tendência se deve especificamente à crescente pressão do investidor e das regulamentações. Em 2019, uma pesquisa da McKinsey revelou que, para 97% dos investidores entrevistados, a divulgação da sustentabilidade deve ser assegurada. E em janeiro de 2022, a Aviva Investors comunicou a 1.500 companhias de 30 países que, a partir daquele momento, todas elas deveriam enviar auditorias externas anuais sobre seus relatórios climáticos. Por parte das regulamentações, a nova Diretiva para Relatórios de Sustentabilidade Corporativa da União Europeia (CSRD, na sigla em inglês), que entrará em vigor a partir de 2023, exigirá explicitamente a asseguração limitada de informação de sustentabilidade.

Quem, então, colherá os benefícios desse mercado em ascensão? No Reino Unido, cerca de metade das auditorias de sustentabilidade são feitas pelas Big Four, as quatro maiores empresas contábeis (Deloitte, PricewaterhouseCoopers, KPMG e Ernst & Young), enquanto as demais por empresas especializadas em consultoria ambiental ou sustentabilidade (por exemplo, Bureau Veritas, Corporate Citizenship, Carbon Trust). Globalmente, as Big Four atendem a mais de 60% do mercado.

Quando começamos a investigar a informação pública sobre asseguração de sustentabilidade para coletar informação detalhada, observamos uma narrativa de promessas ambiciosas. A KPMG diz que seus serviços “ajudam a inspirar confiança nas decisões importantes que os gestores tomam em nome de uma organização” e a PwC alega aumentar a “credibilidade das informações divulgadas”. A francesa Bureau Veritas, especializada em inspeções e certificações, oferece auditoria em sustentabilidade e promete “proteger a reputação da companhia”.

O que descobrimos desmente essas afirmações. Nossa prospecção revelou poucas evidências de boa-fé das companhias. Na verdade, percebemos que era extremamente difícil localizar as declarações de verificação, quanto mais obter o que elas consideravam um relatório de sustentabilidade. Em 73 das cem empresas do índice do FTSE que solicitaram assegurações em 2020 ou 2021, registramos dez diferentes sinônimos para o conceito de relatório de sustentabilidade e localizamos as declarações de asseguração em 16 locais diferentes nessas assegurações. Apesar de não estarmos satisfeitos com as declarações em si, também queríamos examinar os dados subjacentes. Em casos extremos, precisamos mergulhar em, ao menos, sete diferentes bases de dados, anexos, e relatórios para encontrar a informação necessária.

Várias vezes, nossa coleta de dados suscitou mais perguntas do que nos forneceu respostas. No início, consideramos que lacunas óbvias ou distorções deviam ser erros dos relatórios. Imaginamos, talvez ingenuamente, que grandes companhias dispunham de vastos recursos dedicados ao processo de coletar, relatar e assegurar informação relacionada à sustentabilidade. Escrevemos para várias delas em busca de explicações e correções. Algumas mantiveram contato conosco. Outras nunca responderam. As respostas que recebemos mostravam uma impressionante falta de receptividade, expondo inconsistências e erros, processos fragmentados e ignorância dos procedimentos relatados.

Os exemplos a seguir refletem as práticas de uma grande variedade de organizações, algumas fundadas nos últimos 20 anos, outras com até 166 anos. Estão sediadas no Reino Unido e na Europa e representam setores diversos, mas têm dois aspectos em comum: todas são grandes, estão entre as cem companhias listadas pelo FTSE que fornecem alguma forma de ESG ou de relatório de sustentabilidade e sua asseguração desses relatórios levantou bandeiras vermelhas.

 

Três Formas de Parecer Sustentável

 

A auditoria e a asseguração podem e devem melhorar a divulgação relacionada à sustentabilidade. No entanto, na sua forma atual, a prática, ao contrário, muitas vezes cria dúvida e confusão em um espaço já extremamente desorganizado. Relatórios que prometem verificar práticas de sustentabilidade, mas que as corroem em vez de afirmá-las, no final são somente uma forma de greenwashing.

As três estratégias de greenwashing mais comuns que identificamos foram declarações equivocadas, comunicação confusa e distorções.

Declarações Equivocadas | O que seria razoável esperar em uma declaração de asseguração? Verdade seja dita, esses relatórios – até os de auditoria financeira – não necessariamente refletem todo o trabalho dedicado à revisão externa de dados, metodologia, etc. Desejaríamos entender minimamente o que foi analisado na asseguração, como a análise foi feita, os padrões aplicados, o que o processo de asseguração encontrou e, idealmente, como a empresa poderia melhorar em resposta à informação analisada.

As declarações que examinamos foram decepcionantes. Dependendo da complexidade da organização, os relatórios de auditoria financeira costumam ter de cinco a vinte páginas. No entanto, encontramos pouquíssimos casos em que os de sustentabilidade tinham mais de duas páginas. Muitas vezes, toda a informação relevante sobre a verificação independente das métricas de sustentabilidade se resumia a uma única página. Porém, mais importante é que era comum os auditores relatarem que suas informações relacionadas à asseguração da sustentabilidade tinham um escopo “limitado” – o que significava ausência de evidências flagrantes de fraude. Ao contrário dos auditores financeiros, os de sustentabilidade não asseguravam que a informação era verdadeira e correta dentro de um limite razoável. Uma asseguração razoável requer que a empresa de asseguração obtenha dados suficientes para formar uma opinião positiva, de forma similar a uma auditoria de declaração financeira. É necessário fazer uma análise mais profunda dos dados e processos que geraram os dados para se ter uma asseguração razoável. Em vez de fornecer uma declaração negativa, como na asseguração limitada, o segurador emite um parecer sobre se as métricas de sustentabilidade estão completas e precisas com base nos critérios especificados. Os custos para obter essa asseguração são muito menores do que para a asseguração razoável. A credibilidade das práticas atuais de asseguração de sustentabilidade não pode se basear nesse nível limitado de asseguração. A asseguração razoável não é a regra, embora devesse ser.

No entanto, essa tendência admite exceções e descobrimos que algumas companhias pediram a seus auditores para elevar o nível de asseguração para “razoável”. Somente algumas companhias entre as cem do FTSE ampliaram seus esforços e investimentos para conseguir uma asseguração razoável para (algumas) de suas informações relacionadas à sustentabilidade.

Um exemplo é a 3i Group, multinacional de participação privada e uma empresa de capital de risco sediada em Londres. Segundo seu relatório de sustentabilidade de 2020, “as emissões foram verificadas até o nível de asseguração razoável pela Carbon Intelligence de acordo com os padrões ISO 14064-3”. Ou seja, o relatório satisfez os padrões estabelecidos pela Organização Internacional de Padronização (ISO) na Suíça no que se refere a emissões globalmente reconhecidas de gases de efeito estufa (GHG, na sigla em inglês). Mas cruzamos essa informação com a carta de asseguração de 2020 da Carbon Intelligence, que afirmava que “a verificação independente de emissões equivalentes direta ou indireta de dióxido de carbono [era]… até um nível limitado de asseguração”. Não sabemos se essa discrepância  ocorreu por um erro de inconsistência ou se foi uma flagrante desinformação da companhia. No entanto, sabe-se que o erro se repetiu no relatório de 2021. No final, ou a 3i estava tentando obter créditos indevidos para uma asseguração razoável ou repetindo o erro numa operação “copiar e colar” do relatório de 2020. Verificamos os relatórios mais recentes divulgados pela 3i e vimos que a inconsistência havia sido corrigida, e o relatório de sustentabilidade de 2022 agora afirma que a asseguração limitada foi obtida.

Encontramos outros exemplos de inconsistências e conceitos equivocados relacionados ao que as companhias entendem por asseguração externa. A United Utilities, uma das maiores companhias de fornecimento de água do Reino Unido listada nas cem do FTSE, afirmou que tinha assegurado seu relatório Força-Tarefa para Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima (TCFD, na sigla em inglês). O Financial Stability Board (Conselho de Estabilidade Financeira), um órgão internacional que monitora o sistema financeiro global, criou a força-tarefa em 2015 para ajudar a fortalecer e proteger os mercados financeiros globais de riscos sistemáticos como as mudanças climáticas. Quando examinamos os dados contidos do relatório TCFD da United Utilities, verificamos que, na verdade, ele não estava coberto por aquela asseguração. Quando perguntamos sobre a divergência, um porta-voz da empresa respondeu: “Depende do que chamamos de asseguração”. A resposta seguia explicando que essa asseguração era “efetivamente de divulgação e não sobre dados de asseguração”, insinuando que a divulgação estava assegurada, mas os dados não. Não ficou claro para nós como exatamente a divulgação podia estar assegurada sem que os dados também estivessem. Tal como foi apresentada, a informação poderia levar os leitores a pressupor que os dados também estavam assegurados, quando, na verdade, eles não tinham sido verificados independentemente.

Outro exemplo de relatório de asseguração enganosa foi da Avast, multinacional de segurança cibernética de softwares da República Tcheca. Em seu relatório anual de 2020, a companhia declarou ter procurado a Enviros, uma consultoria do Reino Unido especializada em geociências e que atende a empresas de energia, para verificar suas emissões: “A Avast encomendou uma auditoria externa para analisar nossos cálculos de emissões anteriores, investigar se os principais causadores do impacto ambiental estavam sendo capturados acuradamente e fornecer recomendações adicionais para reduzir nossas emissões”. Mas nós examinamos essa afirmação e descobrimos que a Avast não incluiu a carta de asseguração da Enviros. Normalmente esse documento acompanha as medidas de GHG divulgadas nos relatórios das empresas e ajuda a aumentar a confiança de que essas métricas foram verificadas de forma independente. Quando pedimos mais detalhes, fomos informados que a carta de asseguração era confidencial.

Comunicação confusa | Nós coletamos uma enorme massa de dados para extrair os indicadores supostamente auditáveis de cada asseguração. Para isso, tivemos de identificar o que as empresas chamam “informação selecionada” que define esses indicadores e serve como base para a asseguração de sustentabilidade. O conceito de informação selecionada levanta sérias dúvidas sobre vieses, uma vez que a gestão escolhe à vontade que métricas estão ou não sujeitas a asseguração independente, muitas vezes sem conexão óbvia com a materialidade das métricas divulgadas. Mas, além desse problema, descobrimos que, muitas vezes, é até impossível identificar do que tratam essas informações selecionadas. Muitas empresas se valem do obscurecimento para exibir um determinado comprometimento que tornou a interpretação dos dados ainda mais difícil.

Veja o caso da Experian, por exemplo. A multinacional irlandesa-americana de gestão de informações e banco de dados ensina como não se deve relatar a informação de sustentabilidade. A Experian contratou a PwC para realizar asseguração limitada de seus relatórios de métricas e apresentou o que seria uma lista detalhada e útil de suas medidas de desempenho dos negócios sustentáveis na seção anterior à carta de asseguração. A Experian apresentou essa lista no Relatório de Negócios Sustentáveis de 2021. No entanto, ao tentar entender a asseguração externa dessas medidas descobrimos, em letras miúdas, que somente as métricas listadas com um pequeno sobrescrito “∆” eram verificadas pela PwC. Das inúmeras métricas relatadas ao longo de onze páginas que cobriam tópicos como composição do Conselho, informação aos funcionários, medidas sociais, emissões de carbono e utilização de energia, somente quatro medidas eram asseguradas de forma independente. Em suma, não era possível saber com clareza quais medidas estavam incluídas na asseguração.

A Taylor Wimpey, empresa de construção civil do Reino Unido, utilizou um obscurecimento similar. O relatório de sustentabilidade de 2020 da companhia continha uma lista enorme de métricas, e o documento de asseguração externa era da The Carbon Trust, uma consultoria britânica dedicada a ajudar empresas a zerar suas emissões. Embora a Taylor Wimpey relatasse cerca de cem métricas de desempenho não financeiro, somente três tinham asseguração externa: emissões de GHG Escopo 1 e Escopo 2 e dados de energia. A empresa não retornou nosso contato.

Por incrível que pareça, a equipe nos enviou uma cópia da declaração de asseguração. No entanto, ao lermos com mais atenção, descobrimos na carta de asseguração que “esta Declaração de Asseguração deve ser lida à luz do documento de pegada ambiental”. Mas esse documento não foi incluído nas comunicações que tivemos e fomos informados de que a companhia “não o compartilharia publicamente porque continha dados internos”. O grupo Admiral se ofereceu para responder quaisquer dúvidas que tivéssemos sobre o documento da pegada ambiental, mas como fazer perguntas sobre um documento que não tínhamos visto? Esse caso serve de alerta para uma questão: qual o real nível de transparência dessas assegurações e o que os investidores podem esperar delas?

Distorções | Embora essa tática não seja tecnicamente uma falha de comunicação, todos nós sabemos que o que não é dito geralmente é muito mais importante do que o que é dito. Nossa coleta de dados revelou práticas de divulgação que omitiram informações relevantes. Acreditamos que, ao menos em alguns casos, as omissões foram intencionais para desviar a atenção de uma parte indesejável da história. Também constatamos que houve muita displicência e várias perguntas que fizemos foram ignoradas.

A Severn Trent, uma companhia de fornecimento de água com sede em Coventry, Reino Unido, se recusou a nos responder. Na página 196 do Relatório Anual de Desempenho de 2021, a companhia forneceu as métricas de emissões de GHG e afirmou que uma empresa chamada Jacobs havia realizado a asseguração externa dos dados e processos GHG. De fato, na página 35 do relatório, a Severn Trent incluiu a carta de asseguração da Jacobs. No entanto, o conteúdo e o escopo da carta eram incompreensíveis. Primeiro, a carta não informava em que métricas a Jacobs havia baseado sua asseguração independente. Segundo, não encontramos informação sobre se a asseguração foi obtida na forma limitada ou razoável. Terceiro, não conseguimos identificar nenhuma informação sobre as estruturas, critérios ou benchmarking usados no processo de asseguração.

Entramos em contato com a companhia para confirmar se a Jacobs havia feito a asseguração independente de todas as métricas da página 196. Até outubro de 2022 não tínhamos recebido nenhuma resposta.

Em outros casos nos foram negadas informações sobre justificativas e argumentos. Quando analisamos a Smith & Nephew, que fabrica equipamentos médicos no Reino Unido, observamos que ela não havia realizado asseguração externa desde 2017. Escrevemos para a empresa e perguntamos se essa informação era correta e,   se fosse, por que isso tinha ocorrido. Nós também indagamos se havia a intenção de retomar a verificação externa das métricas de sustentabilidade no futuro. Um porta-voz confirmou que a última verificação externa tinha sido de fato em 2017 e, não mostrando nenhum interesse em voltar a tratar desse assunto conosco no futuro, respondeu apenas: “Não comentamos decisões específicas como essa, mas garantimos rigorosamente a precisão e as declarações de nosso relatório de sustentabilidade. Estou certo de que consideraremos a possibilidade de uma verificação independente novamente num futuro próximo”.

 

Nem Tudo Está Perdido

 

Poderíamos incluir vários relatos mais confusos e até irritantes sobre nossa experiência na coleta de dados, mas não queremos dar a impressão de que a asseguração da sustentabilidade não vale a pena. Apesar de os exemplos negativos terem sido tão intrigantes e desencorajadores, encontramos alguns casos positivos e encorajadores. Algumas cartas de asseguração foram de fato elucidativas e algumas companhias responderam às nossas dúvidas rápida e integralmente. A Johnson Matthey, multinacional britânica, fabricante de produtos químicos e tecnologias sustentáveis, forneceu um relatório anual integrado que incluía tanto dados financeiros como de sustentabilidade em um único documento. O relatório era bem organizado e de fácil navegação. A Avieco, uma consultoria britânica de sustentabilidade que faz parte da Accenture, realizou a asseguração externa e sua carta incluía uma lista detalhada de atividades de asseguração, uma declaração clara da materialidade, métricas-chave apresentadas em suas tabelas de fácil compreensão e várias recomendações para melhorias.

Como observamos anteriormente, os relatórios das companhias e suas empresas de asseguração não financeira em geral ignoram ou minimizam as métricas detalhadas de sustentabilidade exigidas para garantir a confiança do público. Muitas empresas realizam asseguração e divulgação externa somente de métricas escolhidas a dedo pela gestão, e não as mais relevantes para as operações da companhia e, sobretudo, para os stakeholders. Para mérito da Johnson Matthey, a consultoria externa de sustentabilidade contratada fez uma rigorosa asseguração independente para identificar as métricas que seriam relevantes para vários stakeholders internos e externos, incluindo funcionários, clientes, investidores, ONGs e outros. Esse esforço produziu um excelente mapa ESG baseado em temas e métricas sugeridos pelos grupos de stakeholders como prioridades na sustentabilidade. Embora não seja uma tarefa simples ou isenta de risco, esse processo mostra o grande envolvimento dos stakeholders, decisivo para o desenvolvimento de metas relevantes de sustentabilidade material e alvos não restritos pelos caprichos da gestão.

Outro exemplo excelente foi a Mondi, multinacional que produz papel e embalagens, e seu relatório anual bem estruturado, compreensível e integrado. O relatório de asseguração de sustentabilidade da Mondi, concluído pela empresa de asseguração independente ERM CVS, incluía uma declaração clara de comprometimento, critérios e padrões adotados no relatório. Embora a maioria dos indicadores importantes de desempenho tivessem sido assegurados no nível limitado, a ERM CVS realmente efetuou uma asseguração razoável para algumas métricas ambientais importantes, incluindo emissões de GHG Escopo 1 e Escopo 2, e uso de energia. Da mesma forma que a Johnson Matthey, a Mondi leva muito a sério a participação de todos os stakeholders em sua governança de sustentabilidade e divulgação. O relatório de 2020 de desenvolvimento sustentável da companhia os define como “pessoas, grupos, organizações e parceiros internos e externos interessados em exercer influência ou ser afetado (positiva ou negativamente) pelas decisões, políticas e objetivos de nossos negócios”. Dentro de seu modelo de governança de sustentabilidade, a Mondi implementou uma linha direta para denúncia anônima de irregularidades e reclamações para funcionários, clientes, parceiros e investidores. Esse processo possibilita aos stakeholders relatar qualquer problema relacionado às operações da empresa, como poluição ambiental, questões relacionadas ao RH, violações de saúde e segurança, fraude e corrupção, etc. Todas essas denúncias são investigadas pela auditoria interna e analisadas pelo Conselho. Esse compromisso não é isento de risco, mas inspira maior confiança por dar transparência às operações comerciais e impactos da companhia.

 

Fazendo Melhor

 

Para sermos justos, nossos insights nem sempre contam a história toda. Separar a prática da divulgação quase nunca é simples, e as companhias podem estar empregando métodos robustos de medidas internamente, mas mecanismos de divulgação fracos, que não fornecem a devida informação ao leitor. A boa asseguração não é somente responsabilidade da companhia que a procura, mas processos e práticas sólidas e asseguradores e auditores bem informados também são ingredientes necessários.

Esta experiência nos levou a várias conclusões. Primeiro, os fornecedores de informação e auditores/asseguradores utilizam boa parte da linguagem e terminologia enigmáticas da auditoria financeira (como termos “asseguração razoável” ou “limitada”), quase sempre sem as devidas explicações. É preciso que elas deem mais destaque às diferenças entre asseguração de sustentabilidade e auditoria financeira, e como essas disparidades podem exigir diferentes processos, habilidades, linguagem e detalhamento da informação. Os asseguradores precisam criar processos muito mais rigorosos, padronizados e restritivos sobre essas exigências para chegar a uma auditoria confiável para a informação de sustentabilidade.

Segundo, as companhias podem ajudar a melhorar a credibilidade da asseguração de sustentabilidade fornecendo informação mais completa e consistente. No mínimo, cada companhia que se submete à asseguração deve informar quatro itens: 1) que estrutura e metodologia estão sendo usadas para preparar e divulgar a informação; 2) quais informações e métricas são asseguradas independentemente e por quem; 3) se a asseguração é limitada ou razoável; e 4) qualquer informação complementar que possa ajudar a contextualizar a informação acima. Referir-se a informação ausente ou afirmar que é importante sem comprovação compromete significativamente a credibilidade do relatório e da auditoria.

Apesar das tentativas de greenwashing encontradas, continuamos afirmando que a asseguração externa continua sendo uma ferramenta essencial para aumentar a qualidade e a credibilidade da informação relacionada à sustentabilidade e garantir que as companhias atinjam metas concretas de sustentabilidade.

 

A Maturação do Relatório de Sustentabilidade

 

“Tudo o que ouvimos são opiniões e não fatos”, escreveu o estoico imperador romano Marco Aurélio. “Tudo o que vemos é uma perspectiva, não a verdade.” Esse ensinamento de quem comandava um império se aplica aos relatórios de sustentabilidade. Enquanto houver espaço para melhorar a criação de padrões de auditoria de sustentabilidade global, a inclusão de dados de impacto social, a adoção ampla de práticas de asseguração razoável (versus limitada), teremos motivos para encarar tudo isso com otimismo. Esforços nacionais e internacionais para melhorar e harmonizar os relatórios e as medidas, como o Conselho de Relatórios Financeiros no Reino Unido, e internacionalmente, como o Conselho Internacional de Padrões de Sustentabilidade da Fundação Internacional de Padronização de Relatórios Financeiros (ISSB, na sigla em inglês), serão úteis para promover uma forma mais consistente de apresentar relatórios. A CSRD exige auditoria de sustentabilidade, o que certamente ajudará a melhorar a experiência dos auditores e os processos – mesmo que seja somente para casos de asseguração limitada. Dispor de exigências e padrões claros vai ajudar as companhias que emitem os relatórios e os auditores a formalizar suas práticas e melhorar sua qualidade. Provavelmente a CSRD também exercerá maior ação reguladora em auditorias da concorrência e de autoridades do mercado que, na melhor das hipóteses, dissuadirão as companhias de usar greenwashing.

Finalmente, os investidores e o público em geral precisam sentir-se confiantes de que a informação fornecida pelas companhias – tanto sobre dados financeiros como de sustentabilidade – seja precisa e confiável. A asseguração externa é uma exigência para os relatórios financeiros das companhias elencadas no FTSE. Acreditamos que o mesmo processo de verificação rigorosa possa ser aplicado aos relatórios de sustentabilidade. Muitas empresas ainda estão dando os primeiros passos e ainda terão um longo caminho a percorrer até atingir a maturidade.

 

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AS AUTORAS

Donna Carmichael faz doutorado em sociologia financeira na London School of Economics and Political Science, na Inglaterra. Ela estuda o papel dos investidores e da governança corporativa para promover sistemas de sustentabilidade e igualdade.

Kazbi Soonawalla é pesquisadora sênior de contabilidade na Saïd Business School e professora adjunta de gestão no Keble College, da  Oxford University. Sua pesquisa foca no mercado de capitais, relatórios financeiros e divulgação, governança, sustentabilidade e controle de  gestão.

Judith C. Stroehle é professora assistente de sustentabilidade e governança na University of St. Gallen, na Suíça. Juntamente com  colegas, ela criou em 2020 a Oxford Rethinking Performance Initiative, na Oxford University.



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