As salas de aula moldam as ideias de mérito dos alunos de forma diferente, dependendo da sua classe social nas escolas
Por Chana R. Schoenberger
As escolas são os lugares mais impor tantes para crianças aprenderem a se comportar socialmente e a entender seu meio. Um artigo publicado recentemente por Peter Francis Harvey, aluno de pós-doutorado da Inequality in America Initiative (Iniciativa Desigualdade na América) da Universidade Harvard, analisa como duas escolas – uma particular (Truman), que atende crianças de classe média alta, e outra pública (Brighton), que recebe alunos das classes mais pobres – transmitem a seus alunos a noção de como sua condição social se encaixa no mundo e como será seu futuro.
Harvey optou por uma abordagem etnográfica e, para isso, passou três anos observando alunos do ensino fundamental nas duas escolas. Ele entrevistou separadamente 101 dos estudantes das duas escolas, seus pais e professores, para obter informações sobre como as instituições incutem em seus alunos uma ideia de situação social – ou seja, “o que se ensina para as crianças sobre sua posição e orientação no mundo”.
O autor descobriu que nenhuma das duas escolas encoraja os alunos a entender a sua posição na sociedade de acordo com as ideias tradicionais de mérito acadêmico. Em vez disso, “as crianças nas escolas de classe média alta aprendem a se enxergar como se fossem ‘especiais’ devido às suas qualidades intrínsecas, enquanto nas escolas de classes mais pobres as crianças aprendem que devem se enxergar como condicionalmente boas se elas se comportarem segundo regras externas”, escreve Harvey.
Na Truman, os alunos transpuseram para seu comportamento em classe a ideia de que eram únicos e que isso era inerente a eles. “Era costumeiro que os professores respondessem à pergunta de um aluno, e depois alunos que não estavam prestando atenção fazerem a mesma pergunta novamente (às vezes, repetidas vezes)”, escreve Harvey. “A crença em sua própria singularidade parecia sufocar a possibilidade de reconhecerem ou se interessarem pela contribuição dos outros.”
Já os alunos da Brighton eram estimulados a se enxergarem como membros de uma coletividade. Os professores classificavam aqueles que não se conformam com as regras como “maus”. “As tentativas dos alunos de se diferenciarem dos outros além dos limites estabelecidos eram publicamente rotuladas pelos professores como ‘inapropriadas’, por ameaçarem o engajamento coletivo.”
Shows de talentos podem ilustrar uma outra forma de expor a condição social. Na Truman, uma apresentação durava quatro horas com a presença de dezenas de crianças no palco, incluindo alguns claramente iniciantes nas habilidades exibidas. Harvey explica que “era como se ensinassem aos alunos: ‘Vocês merecem os aplausos que recebem’, mesmo estando pouco preparados”. Já as expectativas dos atores da Brighton eram bem diferentes. “Eles se preparavam, ficavam ansiosos. Para eles, alguma coisa estava em jogo. Não se esperava que eles atraíssem a atenção do público automaticamente.”
Esses detalhes assumem uma dimensão importante dentro de um contexto de mudanças maiores na forma como as pessoas são julgadas e selecionadas nos Estados Unidos. De acordo com Harvey, “mudanças sociais, incluindo uma ênfase crescente na identidade, tanto em instituições educacionais como nos processos de avaliação de funcionários, criam perspectivas de mudanças similares na socialização infantil”.
Essa forma de transmitir valores deverá continuar nas escolas? O que elas ensinarão às crianças sobre sua posição no mundo? Na Truman, Harvey descobriu uma corrente contrária subliminar: a existência de aulas de identidade de raça e o vocabulário marcado pela noção de identidade da elite americana. Essas aulas davam aos alunos uma noção de por que eles eram especiais. “Essas crianças se tornam fluentes no vocabulário da identidade e da desigualdade para poderem se enquadrar nessa linguagem”, aponta Harvey.
Michela Musto, professora assistente de sociologia da Universidade Brown, observa que o enfoque etnográfico fez desse artigo uma referência, porque pesquisadores normalmente estudam alunos jovens entrevistando adultos – familiares, responsáveis, pessoas próximas – ou analisando seus registros acadêmicos.
“Não sabemos quase nada sobre como as próprias crianças estão produzindo, reproduzindo, ou enfrentando a desigualdade nas salas de aula do ensino fundamental”, observa Musto. “O artigo de Harvey preenche essa lacuna e ilustra de forma enfática como as interações diárias nas salas de aula dessa etapa educacional ajudam a moldar as diferentes formas como as crianças e adolescentes pensam sobre si.”
Baseado em: Peter Francis Harvey, “‘Everyone Thinks They’re Special’: How Schools Teach Children Their Social Station”, American Sociological Review, vol. 88, n. 3, 2023.
A AUTORA
Chana R. Schoenberger é jornalista, escreve sobre negócios, finanças e pesquisas acadêmicas. Mora em Nova York e pode ser encontrada no X como @cschoenberger.
Usamos cookies para garantir que oferecemos a melhor experiência em nosso site. Se você continuar a usar este site, assumiremos que você está satisfeito com ele.OkNão