Trabalhadores utilizam os seus empregadores para praticar o ativismo quando o potencial para atrair atenção é elevado e o risco é baixo
Por Daniela Blei
Pouco antes de entrar para o doutorado, Alexandra Rheinhardt estudou a atividade relacionadas a movimentos e questões sociais nas redes. Ela mirou em especial as respostas de fãs ao movimento “Take a Knee” (ajoelhe-se), iniciado em 2016, durante a disputa da Liga Nacional de Futebol Americano (NFL, na sigla em inglês). Naquele ano, Colin Kaepernick e outro colega do San Francisco 49ers se ajoelharam durante o hino nacional para protestar contra as mortes por policiais de pessoas negras desarmadas e contra a desigualdade racial na sociedade americana.
O gesto ganhou adeptos na NFL, e Rheinhardt, Forrest Briscoe e Aparna Joshi, professores de gestão e organização da Faculdade de Administração Sneal, da Universidade Penn State, decidiram realizar um estudo quantitativo abrangente sobre os protestos.
Rheinhardt, hoje professora de gestão e empreendedorismo da Faculdade de Administração da Universidade de Connecticut, publicou mais um artigo com Briscoe e Joshi no qual testam, de forma teórica e prática, a noção do movimento como “ativismo de plataforma” – quando funcionários utilizam a organização como meio para disseminar uma mensagem para stakeholders externos, no caso, fãs do esporte e o público em geral.
O objetivo dos pesquisadores era responder a duas questões importantes: primeiro, se o movimento era um fenômeno novo associado aos protestos de trabalhadores e ao ativismo; segundo, quem participava do movimento e em que condições a probabilidade de participação era maior. Além de coletar uma grande quantidade de dados sobre quando e quais jogadores “se ajoelhavam”, os autores identificaram diversas variáveis, desde a posição, experiência, salário e raça dos jogadores até dados sobre as equipes, como os donos e gestores dos clubes, a cidade, fãs e a disparidade salarial.
A pesquisa revelou não só a existência do ativismo de plataforma, mas também como as pessoas encaram as oportunidades para as ações de protesto. “Quanto maior a oportunidade, mais atraente, porque há um público maior e mais receptivo”, segundo Briscoe. “E a chance de participação cresce quando você acredita que não será punido severamente pela organização, mesmo que ela não aceite seu comportamento.”
Considerando diferentes aspectos, conseguiram analisar as regressões (relações entre variáveis) em diferentes níveis. A análise permitiu identificar quais variáveis previam melhor a probabilidade de participação no protesto.
Quase todos os jogadores envolvidos no movimento eram negros. A probabilidade de protesto era maior entre jogadores menos experientes de equipes mais “igualitárias” ou nas quais a disparidade salarial era menor. A pesquisa mostrou que esse fator favorecia uma cultura de equipe mais inclusiva e uma menor probabilidade de punição para os jogadores.
Outros fatores para maior participação eram uma postura ideológica mais liberal da cidade ou do dono do time. Também pesou a grande visibilidade das mortes pela polícia, que coincidiram com um pico temporário de protestos. Segundo Briscoe, “na tentativa de prever a participação nos protestos, encontramos vários indicadores que seriam válidos para o ativismo dos empregados de qualquer organização – funcionários do Google que defendiam a igualdade de gênero, por exemplo. De acordo com nossa teoria, os resultados se aplicavam a todos”.
Ao montar uma tabela para comparar o ativismo de plataforma com outras formas de protesto, os pesquisadores descobriram como as variáveis ligadas a uma organização e a seu público podiam fazer dessa organização um dispositivo ou veículo mais atraente para expressar o ativismo nos casos em que o alvo não é a organização em si, mas seus stakeholders. Os autores também destacam as tecnologias digitais, que aumentam a capacidade de os atores atingirem toda a organização e de utilizarem canais que nem a organização nem o empregador controlam muito bem.
“As organizações desempenham um papel cada vez maior na sociedade”, observa Abhinav Gupta, professor de gestão da Faculdade de Administração Foster, da Universidade de Washington. “Os funcionários que procuram promover mudanças progressivas estão tentando alavancar o peso simbólico da organização que os emprega. A pesquisa mostra que funcionários ativistas consideram algumas organizações plataformas particularmente atraentes, a depender de sua acessibilidade, abertura e da receptividade ideológica de seus stakeholders.”
Alexandra Rheinhardt, Forrest Briscoe e Aparna Joshi, “Organization-as-Platform Activism: Theory and Evidence from the National Football League ‘Take a Knee’ Movement”, Administrative Science Quarterly, vol. 68, no 2, 2023.
A AUTORA
Daniela Blei é historiadora, escritora e editora de livros acadêmicos. Suas produções podem ser encontradas em daniela-blei.com/writing. X: @tothelastpage
Usamos cookies para garantir que oferecemos a melhor experiência em nosso site. Se você continuar a usar este site, assumiremos que você está satisfeito com ele.OkNão