Desenvolvimento organizacional

Trabalho sem hierarquia

Empresas que adotam estruturas organizacionais não hierárquicas exigem esforços e planejamento coletivo para ter sucesso

Por Chana R. Schoenberger

imagem ilustrativa para trabalho sem hierarquia
Ilustração por iStock/siraanamwong

Como organizações podem dar maior poder decisório aos trabalhadores e limitar excessos de gerentes e executivos sem reincidir nos padrões hierárquicos de sempre? Um novo estudo analisa o que acontece quando uma empresa dos Estados Unidos substitui sua estrutura de gestão corporativa tradicional por uma não hierárquica baseada em cargos definidos – e o significado dessa mudança para funcionários, ex-supervisores e a empresa como um todo.

O estudo parte da “perspectiva de que a autoridade não é algo que uma organização ou seus membros possuem, e sim algo que eles fazem”, escreve o autor Michael Y. Lee, professor assistente de comportamento organizacional na INSEAD, na França.

Lee começou a formular sua questão de pesquisa quando era Bolsista Coro em Assuntos Públicos, após concluir sua graduação na Universidade Harvard. Seguindo a filosofia democrática de John Dewey, o programa para bolsistas apoia-se na metodologia do treinamento experiencial. Ensina-os, entre outras coisas, como alcançar o consenso, conduzir reuniões de grupos grandes e desempenhar tarefas sem recorrer à hierarquia, o que foi descrito por Lee como “uma experiência poderosa, com muita criatividade”.

Após terminar o programa, Lee trabalhou para organizações com e sem fins lucrativos, mas sentia que as estruturas hierárquicas prejudicavam o desempenho do grupo. Então decidiu fazer doutorado na Harvard Business School, concentrando sua tese em como indivíduos podem gerir o desempenho de uma organização inteira. Para estudar a questão, saiu em busca de uma empresa para pesquisar.

Poucas empresas são administradas de uma forma realmente descentralizada. A Zappos, varejista do setor de calçados comprada pela Amazon, era famosa por empregar esse princípio, que chamava de “holacracia”. No entanto, a empresa recusou o pedido de Lee para que protagonizasse um estudo de caso. Ele encontrou outra companhia, a CashCo, que estava modificando sua estrutura organizacional e adotando a holacracia.

A empresa, que fabrica hardware para administrar moedas físicas e digitais e é sediada no oeste dos Estados Unidos, permitiu que Lee conduzisse por 18 meses um estudo etnográfico de suas práticas gerenciais, começando seis semanas após a transição da CashCo para a nova estrutura descentralizada. Ele passou uma semana por mês no local durante os seis primeiros meses, realizou uma visita a cada bimestre ao longo dos seis meses seguintes, e depois fez uma visita final. Nos intervalos entre as visitas, dedicou-se a entrevistas virtuais, observação de reuniões remotas e análise de dados de arquivo.

A descoberta mais surpreendente, diz Lee, foi o volume de estrutura e trabalho coletivo necessário para que a descentralização fosse bem-sucedida, ou seja, para que as funções ficassem bem explícitas e se criassem barreiras contra a autoridade. Esse trabalho, que incluiu um conjunto de regras documentado, constantemente atualizado e disponível numa plataforma online, ajudou tanto ex-funcionários operacionais como ex-gerentes a saberem o que fazer sob o novo sistema. Sem isso, muitas vezes os trabalhadores hesitavam em tomar decisões, e os antigos gestores não estavam preparados para abrir mão do controle.

Nas tentativas de descentralização, muitas empresas criam regras ambíguas demais, incentivando grupos de trabalho a se autoliderarem coletivamente sem remover de forma clara o poder dos ex-gerentes sobre os colegas. “Observei que após essa mudança [para a descentralização], as pessoas continuavam a atribuir autoridade às pessoas que haviam estado no poder, mesmo que elas já não a tivessem”, afirma Lee.

A CashCo lidou com esse problema definindo as funções de forma mais clara e contínua, o que tornou as interações no local de trabalho mais igualitárias e menos dependentes dos indivíduos envolvidos. A empresa tentou assegurar que o poder de tomada de decisão fosse conferido pela função do trabalhador, e não por sua antiga posição hierárquica dentro da estrutura corporativa.

Num mundo em que a hierarquia é inculcada desde as primeiras relações entre pais e filhos e entre professores e alunos, é importante continuarmos experimentando diferentes estruturas organizacionais à medida que o local de trabalho evolui, diz Julia DiBenigno, professora de comportamento organizacional na Universidade Yale.

Embora se pudesse esperar que uma organização sem chefes seria uma “ad-hocracia”, em que o trabalho se orienta pela criação de soluções para fins específicos, o estudo mostra que a descentralização requer planejamento e reforço ao longo do tempo, o que contraria o senso comum, afirma ela.

“Lee mostra que o trabalho autônomo – sem aprovação gerencial a cada ação e com negociação de responsabilidades independente entre os pares – requer esforço coletivo contínuo e intencional”, diz a professora. “Sua pesquisa esclarece as práticas comportamentais no nível micro essenciais para o sucesso desse tipo de sistema, incluindo o modo como indivíduos podem ‘trabalhar com base em funções’, e não ‘com base em cargos’.”

Esse estudo fundamentará a próxima pesquisa de Lee, que pretende analisar como uma organização descentralizada se saiu quando precisou impor uma estrutura mais hierárquica para sobreviver durante a pandemia de covid-19. A mudança levou funcionários a desconfiarem do comprometimento da empresa com um local de trabalho igualitário. “Alguns se sentiram traídos”, diz Lee.

Veja o estudo completo: “Enacting Decentralized Authority: The Practices and Limits of Moving Beyond Hierarchy”, por Michael Lee, Administrative Science Quarterly, v. 69, n. 3, 2024.

A AUTORA

Chana R. Schoenberger é jornalista em Nova York e escreve sobre negócios, finanças e pesquisa acadêmica. Você pode segui-la no X: @cschoenberger.

*Artigo publicado originalmente na edição 11 da SSIR Brasilleia aqui a edição completa

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