Piscicultura no deserto
Programa de aquicultura do Instituto de Pesquisa Científica do Kuwait fortalece a economia e a segurança alimentar no país por meio da piscicultura
Por Marianne Dhenin

C omo a maior parte das terras do Kuwait não é arável, o país importa mais de 90% dos alimentos que sustentam seus 4,2 milhões de habitantes. A dependência de importações desafia sua segurança alimentar.
“Em um mundo que enfrenta inflação, guerras comerciais, conflitos internacionais, pandemias e condições climáticas extremas, o Kuwait está à mercê de interrupções globais na produção e no fornecimento de alimentos”, diz Dalal AlGhawas, fundadora da SWAPAC, uma consultoria especializada em agronegócio e segurança alimentar no sudoeste da Ásia e nas nações do Conselho de Cooperação do Golfo (GCC).
O Kuwait tem pouca chuva e verões longos e quentes, mas seu clima e localização no Golfo Pérsico são adequados para o cultivo de vida marinha. “A aquicultura requer muita água, portanto é ideal para as costas do GCC e condições climáticas quentes e favoráveis”, explica AlGhawas.
Cientistas do Instituto de Pesquisa Científica do Kuwait (KISR, na sigla em inglês) acreditam que o incremento da cultura de peixes e camarão poderia melhorar a segurança alimentar do país. AlGhawas e especialistas da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) sugerem que experimentos recentes com o cultivo de camarão em águas interiores em escala semicomercial são ainda mais promissores para o crescimento da indústria.
No entanto, o potencial da contribuição da aquicultura para a economia do Kuwait permanece uma questão em aberto, uma vez que as mudanças climáticas já estão afetando as populações de peixes costeiros e a força de trabalho do país.
“O governo do Kuwait reconheceu que muitos setores são vulneráveis ao impacto das mudanças climáticas, incluindo zonas costeiras e o ecossistema marinho”, escreveu Deen Sharp, especialista em mudanças climáticas do Kuwait, em uma investigação de 2021 sobre a crise climática no país. Contudo, o governo não determinou reduções no consumo de combustíveis fósseis, acrescentou ele. O setor petrolífero é responsável por cerca de 90% da receita de exportação do país e, portanto, tem influência considerável na política nacional.
Sharp alertou ainda que qualquer expansão na aquicultura deve incluir medidas efetivas de proteção aos trabalhadores. Conforme as temperaturas globais aumentam, a força de trabalho do Kuwait torna-se cada vez mais vulnerável à nefasta exposição ao calor. Os kuwaitianos têm enfrentado verões cujas temperaturas costumam ultrapassar os 48° C. Muitos trabalhadores agrícolas no país são migrantes que têm poucas proteções trabalhistas, e grupos de advocacy não têm permissão legal para monitorar as condições de trabalho em fazendas privadas.
Atentos a esses desafios, cientistas do KISR vêm realizando pesquisas que têm o propósito de melhorar a segurança alimentar, diversificar a economia e apoiar os trabalhadores locais. O programa de aquicultura do instituto, sediado em seu Centro de Meio Ambiente e Ciências da Vida, desenvolve tecnologias para incubatórios e protocolos de controle nutricional e tratamento de doenças entre suas populações de aquicultura. Os pesquisadores estudam essa modalidade de cultivo e buscam adaptá-la ao ambiente local e às demandas do mercado desde a década de 1970, logo após a implantação do KISR pela Arabian Oil Company (AOC), em 1967, como parte das obrigações da empresa para a exploração petrolífera concedida pela Grã-Bretanha antes da independência do Kuwait, em 1961.
O Estado assumiu o controle do instituto em 1973, quando os interesses da AOC na região mudaram em meio à crise do petróleo daquele ano. A missão do KISR se ampliou do foco inicial em petróleo para abranger pesquisas aplicadas em indústria, energia, agricultura e economia nacional para o governo e clientes do setor privado. Hoje, o instituto emprega cerca de 600 pesquisadores e engenheiros em cem laboratórios e colabora com instituições internacionais, incluindo ministérios regionais do clima e do meio ambiente, universidades e institutos de pesquisa.
Nadando contra a corrente
Entre os primeiros grandes sucessos da aquicultura do KISR destacam-se os cultivos de garoupa e pomfret prata nos anos 1980/90 – duas espécies de peixes que alcançam preços altos no mercado. O pomfret prata é especialmente valorizado no Kuwait, vendido por mais de 10 dinares kuwaitianos (US$ 32) o quilo.
“O pomfret prata é o [peixe] mais caro, mas é frágil e difícil de cultivar”, explica Khaled M. Al-Abdul-Elah, pesquisador do KISR. Enquanto cientistas lutam para criar o peixe em cativeiro, seus níveis populacionais no Golfo Pérsico vêm sofrendo com a sobrepesca, a degradação do habitat e mudanças climáticas. As capturas de pomfret prata diminuíram por décadas, e agora caíram para apenas 10% a 15% de seu auge nos anos 1990, quando foram capturadas cerca de mil toneladas. Segundo a FAO, a captura total de toda a vida marinha natural no Kuwait diminuiu de 8.616 toneladas em 1995 para 3.525 toneladas em 2021.
Ante a diminuição da espécie, o valor de mercado elevou-se e, por consequência, sua pesca ficou ainda mais atraente. A partir de 2017, o governo implementou medidas restritivas, como proibições temporárias de captura e controle de mercado, a fim de garantir a reprodução e o repovoamento do pomfret prata. No entanto, grupos como a União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais afirmam que o parco cumprimento dessas medidas foi insuficiente para produzir um impacto significativo nos níveis populacionais do peixe.
Em 1997, a equipe de Al-Abdul-Elah, em colaboração com o Departamento de Maricultura e Pesca do Kuwait, foi uma das primeiras no mundo a criar pomfret prata em cativeiro. “Trouxemos ovos fertilizados do mar e os cultivamos até se tornarem juvenis, depois adultos, e esses adultos desovaram em cativeiro”, explica o pesquisador.
O KISR continuou o trabalho com a espécie para melhorar suas taxas de sobrevivência em cativeiro e tornar o cultivo mais viável. Hoje, cria os peixes em incubatórios comerciais até que pesem cerca de 2g, quando são vendidos para empresas privadas que continuam a cultivá-los até seu tamanho vendável. Al-Abdul-Elah diz que os incubatórios do KISR produzem entre 200 mil e 400 mil filhotes anualmente.
A participação da aquicultura na produção pesqueira do país aumentou de 1% em 1995 para mais de 11% em 2021. De acordo com AlGhawas, o recente crescimento da aquicultura no Kuwait se alinha com as tendências do GCC. “Governos alocaram milhões de dólares em financiamento nos últimos cinco anos para aumentar a produção nacional de pescado”, explica.
Fazendas de camarão
Em 2015, os cientistas do KISR expandiram suas investigações para a criação de camarões no interior. Anteriormente, os cultivos de camarão do KISR eram conduzidos em fazendas marinhas costeiras, onde os crustáceos se desenvolviam em seu habitat natural de água salgada. O instituto começou a testar a criação de camarão no interior para apoiar produtores em dificuldades que operam fazendas de pequeno e médio porte. Quando criada no interior, a vida marinha é menos vulnerável a mudanças de temperatura e os surtos de doenças podem ser contidos com mais segurança, evitando o risco de contaminação dos ecossistemas marinhos maiores. O KISR também está se preparando para a instauração de indústrias locais ligadas à cadeia produtiva da carcinicultura, como uma fábrica de ração e uma unidade de processamento, para embalar e/ou congelar o camarão para venda.
Cientistas do KISR estão empenhados em ajudar a construir uma indústria sustentável que atenda aos produtores locais