Imprimir artigo

O lado positivo do burnout nas ONGs

Há dois anos, pedi demissão do meu cargo de CEO em uma organização sem fins lucrativos e, desde então, vivi os dois anos mais produtivos de minha carreira.

Por John Hagan

 

(Illustration by iStock/Nuthawut Somsuk)

 

Eu contei: em 11 anos como CEO de uma organização sem fins lucrativos sustentável de médio porte, estive em 55 reuniões consecutivas de conselho, entre as que convoquei e aquelas em que compareci, bem como em outras 243 reuniões de comitê (reuniões de Administração e Finanças, Desenvolvimento, Programas, Comitê Executivo, Comitê de Governança e de Conselheiros). Será que existe o conceito de ser excessivamente bem administrado? Certa vez, calculei que o tempo que os funcionários dedicavam a apenas uma reunião de conselho custava U$17.688,48 (em valores de 2019). Meu trabalho era descobrir como resolver o problema da sustentabilidade no planeta ou manter 20 membros do conselho felizes e engajados?

Leia também:

De Dentro para Fora

A Inovação não é o Santo Graal

Aos 63 anos de idade, pedi demissão do meu “importante” e razoavelmente bem remunerado cargo de liderança em uma organização sem fins lucrativos. Como me importava principalmente com a instituição e sua missão, dei ao conselho tempo suficiente para procurar e contratar um CEO qualificado, posição crítica em qualquer organização sem fins lucrativos.

Por que pedir demissão quando podia me aposentar no momento em que desejasse?

Assim como muitos de meus colegas no setor das organizações sem fins lucrativos, eu estava sofrendo de burnout. Esta não é uma história sobre a Covid-19; minha decisão foi tomada um ano antes do vírus, que se tornou uma pandemia em meio a uma outra já existente, a pandemia de burnout. Para mim, a pergunta era: será que nós do Terceiro Setor estamos usando nossas capacidades e conhecimentos acumulados de maneira inteligente ou estamos absortos em um ineficaz complexo industrial de organizações que parecem mais interessadas em manter doadores felizes do que em resolver problemas? O tempo é curto demais.

Em primeiro lugar, pedir demissão não é bem o termo certo, soa derrotista. Fiz aquilo que o autor e economista comportamental John List, em seu mais recente livro, The Voltage Effect, chama de pedido de demissão ideal. Trata-se de um tipo de demissão que ocorre quando se percebe que continuar a fazer aquilo que se está fazendo acarreta um custo de oportunidade. Termo inventado por economistas, custo de oportunidade é a diferença entre o que você conquistará caso continue a fazer o que está fazendo versus o que pode conquistar em um futuro alternativo. Claro que não podemos prever o futuro, mas podemos imaginar um futuro diferente se alocarmos tempo para imaginá-lo.

Em segundo lugar, sei o que muitos funcionários de organizações sem fins lucrativos estão pensando: “Eu também estou sofrendo de burnout, mas preciso do salário. Tenho de jogar o jogo”. A maior parte dos artigos sobre burnout em organizações sem fins lucrativos oferece conselhos aos empregados do setor como se, de alguma forma, a culpa fosse deles. Não é. Este artigo é dirigido a financiadores, conselhos e outros CEOs. É sua responsabilidade reconsiderar o que está sendo pedido de sua equipe. Eles estão diariamente nas trincheiras tentando fazer do mundo um lugar melhor. Cabe a você criar um ambiente de trabalho no qual os funcionários tenham tempo para pensar nos problemas que, com tanto afinco, estão tentando solucionar.

Desde que me demiti, há dois anos, vivi os dois anos mais produtivos da minha carreira. Criei uma organização nova (no momento, sou o único funcionário) com uma missão alinhada ao que acredito ser necessário se fazer para solucionar o problema climático — desenvolver relações de confiança mais amplas entre os pontos que nos limitam política e culturalmente. Publiquei um artigo com um pescador de lagosta sobre a viabilidade de reduzir emissões de gás de efeito estufa da frota de 4.600 barcos de pesca de lagosta em Maine transicionando para combustíveis elétricos. Lancei um novo projeto com o setor madeireiro para compreender como a silvicultura pode ajudar a combater os impactos climáticos em populações de pássaros. Criei o Intergen Climate Group, composto por membros de gerações diversas, para aprendermos como trabalhar juntos, em vez de em separado ou em conflito, diante da crise climática. Fui até coautor de um artigo para a SSIR, com um colega com quem trabalho há 15 anos, a respeito do que aprendemos atuando em parceria. Arrecadei, junto a fundações, U$500 mil para apoiar meu novo trabalho. Esse era o “custo de oportunidade” sobre o qual John List falava.

Especialmente para pessoas no último terço de suas carreiras, com 50 anos ou mais, em geral, é muito fácil apenas continuar a fazer o que já vem sendo feito. Nos sentimos confortáveis; nossa profissão se torna nossa identidade; nos tornamos conservadores — avessos ao risco. Deixamos de pensar em coisas como: “No que eu realmente sou bom?”, “Do que ainda sou capaz?”. Um economista pode dizer: “Qual minha vantagem competitiva no mercado das ideias?”. Porém, uma pergunta mais honesta seria: “O que faz meu coração acelerar?”. Provavelmente, ambas são a mesma coisa.

Aos 50 anos a pessoa sabe disso. Nós raramente levamos em conta o custo de oportunidade, menos ainda com o passar dos anos. Contudo, como List explica no livro, quanto mais tempo você passa com o que está sendo feito atualmente, mais tempo está perdendo no que diz respeito ao recurso mais precioso da vida: sua inspiração e seu talento, sejam eles quais forem. Nunca é tarde pare escolher um novo caminho. Mas não se pode tomar um caminho se não é possível enxergá-lo.

Viajar muito rápido por muito tempo provoca burnout. Comandada por membros de conselhos bem-formados e bem-intencionados que não fazem perguntas difíceis (sobre si) acerca da causa principal dos problemas enfrentados por suas organizações, instituições sem fins lucrativos são subjugadas pela necessidade de atender ao conselho, equilibrar as finanças, aumentar as receitas, fazer malabarismo para lidar com limites equivocados impostos por financiadores acerca das despesas gerais, e ter uma “boa” imagem externa para que se possa arrecadar mais receita para… continuar a não resolver os maiores problemas de nossa era.

No início da minha gestão como CEO eu me senti desafiado. Estava aprendendo coisas novas sobre como administrar uma organização, como os conselhos funcionavam, como ser um líder — muitas vezes cometendo erros e aprendendo com eles. Eu estava crescendo. Mas há uma diferença entre ser desafiado e sentir-se estressado. Ser desafiado é uma experiência positiva; sentir-se estressado é uma experiência contraproducente. O que pode começar como algo bom (desafio) é capaz de se transfigurar em algo ruim (estresse). Saber onde se encontra o limite entre o bom e o ruim pode ser uma coisa difícil de ser percebida no momento. Para mim, foi o reconhecimento de que “aquilo não estava mais me desafiando; era um desperdício do meu talento particular”. O custo de oportunidade ficou evidente.

Um certo nível de estresse faz parte da vida, mas quando estamos cronicamente estressados, perdemos nossa capacidade de resolver problemas. Além do dano fisiológico sentido por nosso corpo, ficamos sem tempo para pensar. Como escreve Johann Hari em seu novo livro, Stolen Focus: “Como espécie, estamos enfrentando armadilhas sem precedentes — como a crise climática — e, diferentemente das gerações anteriores, em geral nós não estamos lutando para solucionar nossos maiores desafios”. Aqui estamos, enfrentando o problema mais complexo da história da humanidade — como “consertar” a única atmosfera da qual 7,9 bilhões de pessoas dependem — e estamos estressados demais para encontrar a solução?

Chegamos ao ponto em que se não nos sentimos estressados, presumimos que não estamos trabalhando com o afinco suficiente. Porém, apenas quando nos forçamos a diminuir o ritmo podemos ver o que está desviando nossa atenção daquilo que realmente importa. Pense nas horas que perdemos todos os dias para fazer o que Hari chama de “mudança cognitiva”, quando temos de ir de incêndio em incêndio, de e-mail a e-mail — tudo isso nos rouba o tempo não fracionado exigido para realmente entender um problema. Estamos incrivelmente ocupados, mas estamos fazendo a diferença?

Da perspectiva do retorno sobre investimento (ROI, pela sigla em inglês), isso não faz sentido. Doadores, financiadores e conselhos, se perguntem por que nossos problemas não estão realmente sendo solucionados. Assumam a responsabilidade. Não façam os empregados correrem ainda mais rápido na roda de hamster que não vai a lugar nenhum. Sim, vencemos algumas batalhas e nossos departamentos de comunicação são mestres em promovê-las, mas estamos perdendo a guerra. Funcionários de organizações sem fins lucrativos, desde o CEO, precisam de tempo para entender e resolver o problema cuja solução é a razão de ser de sua entidade. Em vez de estabelecer metas para aumentar as receitas, que tal uma nova ideia para solucionar um grande problema? Nós distorcemos o sentido do que importa em organizações sem fins lucrativos. Precisamos de uma mudança cultural que comece nos conselhos dessas instituições e em toda e qualquer entidade que financie o setor sem fins lucrativos. Conheço funcionários de base que também estão igualmente estressados. Isso me faz pensar sobre a verdadeira origem dessa insanidade.

Andrew Barnes, CEO de uma próspera empresa fiduciária na Nova Zelândia teve uma ideia extravagante em seu voo da Nova Zelândia para o Catar: reduzir os dias de trabalho de seus funcionários de cinco para quatro por semana, mas mantendo o salário. Ele colocou a ideia em prática. Depois da mudança, a produtividade semanal manteve-se a mesma da semana com cinco dias de trabalho. Um capitalista devotado poderia concluir: “se você consegue produzir em quatro dias o mesmo que produzia em cinco, então, em cinco dias, seu desempenho está sendo insatisfatório!”. Claro que tal lógica é equivocada. É a quantidade de descanso que provoca o aumento da produtividade. Como afirma Barnes em seu livro de 2020, A semana de 4 dias: “… à medida que a população mundial cresce, a classe média incha e a pressão por recursos se intensifica, há uma necessidade de mudar — de uma maneira bastante extremada — o modo como trabalhamos se quisermos tirar o melhor das pessoas e do negócio e começar a aliviar a pressão sobre nós e nosso planeta”.

Mais recentemente, Anna Coote, Aidan Harper e Alfie Stirling, em seu livro The Case for a Four Day Week, apresentam outro argumento, baseado em dados, que mostra que uma semana de quatro dias poderia trazer uma série de benefícios sociais, ambientais e econômicos. Em fevereiro de 2022, legisladores da Califórnia até apresentaram um projeto de lei para alterar a semana de trabalho de 40 para 32 horas.

O mantra do século 20 era “tempo é dinheiro”. Coote e os demais autores defendem que tempo é mais precioso do que dinheiro. Muitos de nós no setor de organizações sem fins lucrativos poderíamos obter mais dinheiro se realmente quiséssemos, mas não podemos obter mais tempo. Talvez nosso mantra no século 21 deva ser: “tempo para pensar é mais precioso do que dinheiro”. Ofereça tempo para as pessoas criarem uma solução real para um problema e a receita virá. Muitas organizações sem fins lucrativos fazem o oposto — primeiro vamos aumentar a receita, depois vamos resolver o problema. É fácil demais criar uma ilusão de sucesso com uma arrecadação de fundos bem-sucedida.

Este artigo não está defendendo a semana de trabalho de quatro dias. A questão não é essa. A questão é que não temos tempo para realmente pensar sobre os problemas no qual estamos trabalhando arduamente em busca de uma solução. Devemos tirar um dia por semana, digamos nosso quinto dia, para ler, conversar com alguém com quem normalmente não teríamos tempo de conversar para obter uma perspectiva diferente ou nova sobre o problema que buscamos solucionar. Conselhos e financiadores, perguntem aos funcionários de organizações sem fins lucrativos se eles têm o tempo necessário para de fato compreender os problemas que estão enfrentando. E admita que eles podem se mostrar reticentes em lhes dizer a verdade. Existe uma relação de poder acerca da qual você talvez não tenha consciência. Se você criar “espaço” para eles, eles vão ver soluções que de outra forma, não poderiam enxergar. Você pode criar essa cultura.

Atualmente, para mim, escrever propostas de base é um prazer porque vejo isso como uma oportunidade para testar ideias novas e empolgantes para solucionar alguns dos problemas mais complexos do século 21. Pela primeira vez ao longo dos mais de 30 anos que dediquei ao setor das instituições sem fins lucrativos, apresento propostas com antecedência porque, intencionalmente, dedico muito tempo para pensar nas ideias e apresentá-las por escrito. Não sou pressionado por um conselho para “aumentar a receita” à custa de ter apenas um pensamento coerente a respeito de como tornar o mundo um lugar melhor.

Lembra da fábula da lebre e da tartaruga, de Esopo? Se quisermos vencer a corrida, a primeira coisa que precisamos fazer é diminuir o ritmo.

 

Para ler este e outros artigos da terceira edição, preencha o cadastro no site e baixe seu exemplar!

O AUTOR

John Hagan é fundador e presidente da organização sem fins lucrativos Our Climate Common. É possível contatá-lo em jhagan@ourclimatecommon.org.

 



Newsletter

Newsletter

Pular para o conteúdo