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De dentro para fora

Como o trabalho de autoinvestigação pode mudar significativamente nossas percepções e nossos comportamentos de modo a provocar impactos positivos no mundo exterior, e como líderes de mudanças sociais estão incorporando essa prática no trabalho e na vida.

Por Katherine Milligan e Jeffrey C. Walker

Eu me sentia presa, e estava irritada o tempo todo. Começava a trabalhar cedo e ia até meia-noite, e não encontrava outra maneira de dar vazão às minhas necessidades emocionais e intelectuais que não fosse por meio dos funcionários ou das mulheres da região que atendíamos. Com o tempo, senti necessidade de interações mais nutritivas, além de culpa por querer algo mais. Era bastante insalubre. – Bedriye Hülya, fundadora da b-fit.

Algumas versões desse sentimento vieram à tona em muitas das conversas que tivemos com empreendedores sociais. “Nos primeiros cinco anos, eu estava à base de adrenalina”, disse Mike Sani, fundador da Bite the Ballot, empresa de engajamento cívico instalada no Reino Unido. “As pessoas veem apenas as partes glamourosas, mas ninguém conhece a fundo os problemas. Eu me culpava por não ter cumprido nossa missão mais rapidamente. Sofri da síndrome do impostor. Ninguém da minha família entendia o que eu fazia. Senti-me extremamente sozinho.”

Outros empreendedores sociais, em especial aqueles que trabalham com questões políticas ou sociais delicadas, têm mais chance de sofrer burnout devido à carga de trabalho, à ansiedade e à pressão social. “Quando trabalhamos em um sistema opressor com o intuito de mudá-lo, estamos constantemente cientes de como temos pouco poder e de como os opressores têm poder em abundância”, afirma Wanja Muguongo, diretora executiva fundadora da Uhai Eashri, primeiro fundo africano de ativistas locais a apoiar os direitos humanos de pessoas LGBTI e de profissionais do sexo. “Não tirei férias por sete anos porque parecia impossível parar enquanto leis homofóbicas estavam sendo discutidas e aprovadas nos congressos africanos.”

O ritmo implacável e o estresse constante enfrentados por Muguongo acabaram, por fim, por deixá-la estafada – castigo que, segundo ela, desencadeou uma autorreflexão profunda e contínua que terminou por fazê-la deixar o cargo. “Eu havia passado toda a minha vida adulta consumida por trabalhos que envolviam os direitos humanos”, conta. “Pela primeira vez, me perguntei: ‘Quando não estou fazendo isso, quem sou eu?’. Decidi colocar em prática um plano de saída e, então, pedi para deixar meu cargo, algo que eu precisava fazer devido ao burnout e à fadiga”.

Essas são apenas algumas das muitas reflexões corajosas que empreendedores, filantropos e outros líderes de mudança social compartilharam conosco ao longo dos últimos anos. Nossa pesquisa, realizada em colaboração com o The Wellbeing Project, inclui entrevistas detalhadas com 30 líderes diferentes para identificar percepções que tiveram sobre si mesmos durante o processo de autoinvestigação (também conhecido como trabalho interior, trabalho pessoal ou autocuidado) e as mudanças que fizeram graças a elas. Investigamos, ainda, a natureza dessas práticas para compreender quais ferramentas, programas e recursos se mostraram mais eficazes.

Descobrimos que uma autoinvestigação permanente auxiliou líderes a administrar sua energia e resiliência, tornando-os mais eficientes, além de ter rendido colaborações mais significativas com outras organizações para o fomento de mudanças contínuas e positivas no modo como indivíduos, organizações e governos lidam com problemas nos dias de hoje. Aqui, analisamos com mais detalhe algumas das mudanças específicas vividas pelos líderes durante o processo de olhar para si mesmos, bem como quais práticas funcionaram para eles.

 

 Como a Autoinvestigação Toma Forma

 

Definimos a autoinvestigação como um processo de autoavaliação e reflexão realizado com o claro objetivo de aumentar a autoconsciência, se reconectar com o propósito e a alegria, curar traumas do passado e provocar mudanças em busca de padrões de comportamento mais saudáveis, principalmente no que diz respeito às relações interpessoais. Entre as competências úteis desenvolvidas pela prática da autoinvestigação estão: audição atenta, paciência, compaixão, clareza e uma visão sistêmica de como diferentes assuntos, pessoas e parceiros impactam suas relações.

O valor da autoinvestigação está sendo cada vez mais reconhecido, e não apenas no terceiro setor. O psicólogo Richard Schwartz, fundador do The Center for Self-Leadership, centro de treinamento voltado para a autoinvestigação, apresenta os oito “Cs” que surgem com o processo: calma, curiosidade, clareza, compaixão, confiança, criatividade, coragem e conexão. Jerry Colonna, CEO e cofundador da empresa de desenvolvimento de liderança Reboot.io, trabalhou com dezenas de executivos e empreendedores para ajudá-los a liderar de modo humano, resiliente e equânime. Em seu mais recente livro, Reiniciar: A Liderança e a Arte de Crescer (Alta Books), ele escreve: “A autoinvestigação radical permite que nos distanciemos e vejamos os padrões em nossa vida e as forças que moldam quem somos”. Em parte, ele considera a autoinvestigação algo radical por ser rara e, muitas vezes, desencorajada. “Somos criados para pensar a autoinvestigação como autoindulgência, mas isso não poderia estar mais distante da verdade. A autoinvestigação não só nos torna líderes melhores como nos ajuda a sermos pessoas melhores, mais felizes e resilientes.”

A relação causal entre autoavaliação e mudança de comportamento está no cerne da autoinvestigação. David Germano, diretor executivo do Contemplative Sciences Center at the University of Virginia, dá um curso sobre “desabrochar humano” no qual ensina os alunos a levar uma vida mais saudável e comprometida. “Se desejamos ter um desempenho melhor”, disse ele durante nossa entrevista, “é preciso prestar atenção às práticas com as quais nos comprometemos e avaliar se estão produzindo resultados alinhados com nossos valores mais profundos. Não se pode dizer: ‘Estou evoluindo emocionalmente, mas estou acabado fisicamente’. É preciso compreender a relação entre suas práticas, bem como os desempenhos e resultados alcançados.” Em seu livro Sacred Economics, o autor Charles Eisenstein também ressalta essa relação: “Em última análise, o trabalho voltado para si mesmo é uma coisa que não se dissocia do trabalho voltado para o mundo. Um reflete o outro; um é veículo do outro. Quando mudamos, nossos valores e ações também mudam”.

Para líderes interessados em desenvolver práticas de autoinvestigação, mas que não têm certeza de como começar, recomendamos o seguinte:

  • Comece agora.

    Não espere até que se sinta estafado ou que sua empresa o demita. Se estiver dizendo a si mesmo que vai começar a autoinvestigação daqui a seis meses “quando as coisas acalmarem”, ou que está tendo dificuldades para encontrar tempo, lembre-se de que não se trata de autoindulgência. Longe de ser um luxo, a autoinvestigação é essencial para seu sucesso e sua resiliência no trabalho e na vida.

  • Comece devagar.

    Desenvolva uma prática diária de mindfulness para aumentar sua capacidade de se manter no presente. Isso pode significar fazer cinco minutos de exercícios de respiração profunda pela manhã ou antes de encontros importantes usando um aplicativo de meditação como Headspace ou Insight Timer, ou passar algum tempo prestando atenção às paisagens e aos sons a seu redor durante o caminho para o trabalho ou em um parque na sua região.

  • Cultive seu esquema de apoio social.

    Procure, deliberadamente, interações genuínas e íntimas com colegas. Encontre aqueles que estão trabalhando em suas estratégias e tenha conversas pessoais a respeito de como sua prática está funcionando e do que você está aprendendo sobre si mesmo.

  • Implemente a autoinvestigação na sua organização.

    Aqui você pode incluir conversas para saber como seus colegas estão antes e depois de uma reunião de equipe, ou gestos simples como levar um deles para almoçar. Pode-se ainda usar facilitadores e recantos para criar espaços seguros onde seja possível passar feedbacks honestos e desenvolver relações profissionais mais transparentes e autênticas.

  • Pense na possibilidade de usar um coach ou um terapeuta.

    O auxílio de um profissional pode ajudá-lo a entender melhor de onde vêm seus gatilhos emocionais, a mudar o modo como se relaciona com experiências dolorosas do passado e a curar traumas profundos. Também é possível focar naquelas facetas da nossa personalidade, como a crítica interna ou nosso superego, capazes de nos levar a caminhos insalubres ou autodestrutivos.

  • Encontre um programa estruturado que seja adequado para você.

    Há uma variedade de programas que podem ajudá-lo a estabelecer e desenvolver sua própria prática. O The Wellbeing Project, por exemplo, oferece um plano de desenvolvimento interior de 18 meses que ensina técnicas de autoinvestigação. Outros exemplos são The Philantropy Workshop e Tendrel.

  • Faça um retiro.

    A maior parte das pessoas com quem conversamos mencionou o valor de fazer, periodicamente, um retiro para rever prioridades e entrar em contato consigo mesmo. Alguns são conduzidos por professores ou facilitadores, mas é possível simplesmente ir a algum lugar para ficar sozinho e em silêncio. Retiros oferecem tempo para que se reflita sem interrupções e muitas vezes é possível sair deles renovado, revigorado e pronto para retomar a rotina diária com uma nova perspectiva.

 

Cinco Mudanças Cultivadas Por Meio da Autoinvestigação

 

Todos os líderes de mudança social – empreendedores sociais, filantropos e líderes de organizações sem fins lucrativos – descreveram a autoinvestigação como essencial para sua capacidade de ouvir com atenção, agir de forma introspectiva e manter um relacionamento saudável com o próprio ego. Nosso estudo identificou cinco grandes transformações ocorridas na vida desses líderes que foram catalisadas pela autoinvestigação: mudanças na autopercepção; mais consciência de seus gatilhos emocionais e capacidade de lidar com estados emocionais “sombrios” como a ansiedade; mudanças nas práticas e na cultura organizacionais; maior capacidade de construir parcerias autênticas e confiáveis com outros líderes e instituições; e maior consciência dos relacionamentos entre indivíduos, problemas e instituições.

 

  1. Mudanças na Autopercepção

Esse tipo de transformação inclui perspectivas novas sobre si mesmo e o papel que se pode desempenhar na mudança social. Mudar a própria autopercepção exige disposição para se expor diante dos outros para que eles possam ajudá-lo a cultivar uma autoconsciência mais ampla. Como afirma Peggy Dulany, presidente da Synergos Foundation: Nossa tendência é proteger nossas feridas e construir defesas a seu redor. Isso, muitas vezes, significa vestir uma máscara para nos mantermos salvos. A chave para criar os tipos de mudança necessária para cada um de nós é sentir-se seguro o suficiente para se colocar em uma posição vulnerável. Quando a mente e o coração estão abertos, ficamos menos assustados. Abrir nossos corações e deixar que os outros vejam nossa franqueza nos dá uma maior sensação de presença, conexão e amor. Isso permite que outras pessoas se sintam suficientemente seguras para enfrentar o mesmo ciclo. O resultado é uma vida mais plenamente comprometida.

Um tipo importante de mudança de mentalidade é o abandono da pressão que nós nos impomos para “salvar o mundo”. “Eu me permiti questionar meu senso de responsabilidade para com os outros e o mundo”, explica Muguongo, da Uhai Eashri. “Ao longo de toda a minha vida, o que eu queria fazer e o que fiz não eram a mesma coisa. Agora estou mais consciente do que quero. Busco coisas que me tragam prazer. Ainda tem a ver com mudança social, mas, para mim, é uma nova maneira de liderar e de viver”.

José María Luzárraga, fundador do Mondragon Team, modelo educacional voltado para o trabalho em equipe, também trabalhou para superar uma mentalidade de autossacrifício. Sua formação católica o ensinou a amar os outros assim como a si mesmo. Porém, ele nos contou:

 Minha mentalidade era servir aos outros independentemente do que aquilo me custasse. Eu me sentia sobrecarregado por uma responsabilidade, era um fardo, como se estivesse com uma mochila pesada nas costas. Mudar meu modo de pensar significa que não vejo mais minha missão como um peso, mas como uma aventura. Nos momentos em que me sinto temeroso ou ansioso, abraço meu eu interior e me lembro de que diariamente sou livre para escolher o caminho a ser percorrido.

 Para Premal Shah, fundador da Kiva, plataforma de financiamento coletivo, e CBO (chief business officer) da Branch International, as mudanças na autopercepção giram em torno da percepção de um estímulo motivacional que sirva de impulso. “Muitos de nós agimos graças a um espírito de sacrifício ou de ‘singularidade’, mas imagine como é se sentir agindo graças a uma sensação de completude”, disse. “Quando me sinto completo e conectado, fico em um estado de gratidão. É uma fonte de motivação totalmente diferente.”

Por fim, alguns líderes falaram sobre mudanças importantes nos padrões de pensamento resultantes da cura de traumas do passado. “A autoinvestigação me ajudou a viver de maneira mais completa”, contou Jasmeen Patheja, fundadora e diretora da Blank Noise, na Índia. Sua organização luta contra o assédio sexual sofrido por mulheres e meninas, algo que ela viveu na pele. “Ser vulnerável e aceitar ser quem eu sou liberou algo que estava enterrado bem lá no fundo do meu ser e que eu nem sequer sabia que existia. Tenho sido capaz de trazer à tona camadas de vergonhas interiorizadas e de me curar de experiências que afetaram profundamente meu ser e meu trabalho. Eu me senti estável como jamais havia me sentido em toda a minha vida”.

 

  1. Mudanças na Consciência Emocional

As transformações na consciência emocional incluem o desenvolvimento de competências para lidar com o estresse, a ansiedade e o medo que, normalmente, acompanham o trabalho. Isso permite que líderes adotem estados de espírito positivos – curiosidade, empatia, compaixão e alegria – mais propícios para o sucesso.

Infelizmente, líderes de mudança social não possuem, muitas vezes, estrutura ou válvula de escape para extravasar e avaliar suas emoções, o que pode afetar negativamente seu trabalho e suas interações com outros líderes. “Há uma falta de conscientização por parte da maioria dos investidores e filantropos em relação à estafa e ao enorme estresse enfrentados por líderes de mudança social”, afirma Renee Kaplan, CEO da rede mundial de filantropos The Philanthropists Workshop. “Durante nossas reuniões de negócios, temos de nos apresentar de uma maneira mais aberta, e para conseguirmos isso necessitamos das ferramentas certas para realizar processos de exploração e autoinvestigação mais profundos e voltados para nossos valores”.

Uma das emoções mais comuns sentidas pelos líderes de mudança social, e sobre a qual raramente falam, é a inveja. Sasha Chanoff, diretor executivo da RefugePoint, que presta assistência a refugiados em todo o mundo, nos ofereceu seu ponto de vista sobre essa dinâmica tomando como base sua experiência. “Sigo trabalhando a inveja em mim, e vejo outros líderes tendo dificuldade com isso quando outra organização ou outro fundador obtém uma grande doação, conquista um prêmio ou recebe atenção da imprensa”, disse. “Não é fácil, mas procuro cultivar uma alegria solidária – me sentir feliz pelo outro – em vez de ter uma reação egoísta.” Programas de autoinvestigação não só ajudam as pessoas a se conscientizar de sua tendência de sentir inveja dos outros, mas também as auxiliam a desenvolver as competências necessárias para controlá-la.

Muitas vezes, líderes do sexo masculino se deparam com convenções de uma masculinidade tóxica internalizada quando ainda eram crianças. “Cresci em meio a um grupo de operários e, como a maioria dos homens britânicos, fui criado para acreditar que expressar emoções era para os fracos e para as meninas”, conta Sani, da Bite the Ballot. “Tomar consciência das minhas emoções tem sido uma jornada incrível. Reconheço quando estou abatido ou ansioso, mas não preciso de pequenas fugas nem de mecanismos de enfrentamento. Encaro a emoção sem achar que preciso eliminá-la.”

Uma maior autoconsciência acerca de suas emoções pode, ainda, levar os líderes a percepções perspicazes acerca do comportamento de outras pessoas na mesma função. “Eu me sentia insultado ou ofendido por outros líderes educacionais quando eles protegiam seu território ou se enalteciam”, explica Luzárraga. “Mas hoje olho tanto para mim quanto para eles sob uma ótica diferente. Eles estão travando suas próprias batalhas internas. Não têm nada a ver comigo. Em vez disso, procuro me perguntar: ‘De que maneira posso ajudar essa pessoa?’ ”.

 

  1. Mudanças nas Práticas e na Cultura Organizacionais

Líderes, claro, não agem sozinhos. Eles comandam equipes, definem o tom com membros do conselho, investidores e sócios, e moldam a cultura em todos os níveis da organização. A autoinvestigação ajuda muitos líderes do terceiro setor a obter uma compreensão mais profunda de como sua liderança pessoal afeta a cultura organizacional.

“Meus padrões estavam tão arraigados que, ao longo de muitos anos, tornaram-se os padrões da empresa”, conta Hulya, da b-fit, rede de academias exclusiva para mulheres que busca capacitar turcas. “Eu enviava e-mails para meus funcionários, muitas vezes tarde da noite, para checar a situação disto ou daquilo.” A autoinvestigação a ajudou a reconhecer o impacto que esses padrões tinham em sua equipe. “Percebi que eles se sentiam sobrecarregados o tempo todo e que meus comportamentos estavam diminuindo sua criatividade. Renovamos completamente nossas políticas de comunicação e, agora, os funcionários estão criando suas próprias maneiras de fazer as coisas, o que nos fortaleceu como empresa”.

 Muitos outros líderes começaram a implementar formas de liderança autêntica, vulnerável, aprendidas com a autoinvestigação, em suas interações com os funcionários. “Presto atenção não apenas naquilo que compartilho no ambiente de trabalho, mas também no modo como isso é feito; porém, minha prioridade é ensinar meus funcionários sobre a importância que a autoinvestigação teve para mim como homem e líder”, explica Sani. “Sou sincero e transparente a respeito de consultas a terapeutas, por exemplo, e os funcionários me dão seus feedbacks sobre a cultura liberal que criamos aqui e a respeito das mudanças que realizaram em sua própria vida”.

Ellen Agler, CEO da The End Fund, organização que trabalha para tratar doenças tropicais negligenciadas, teve uma experiência parecida. “Minha prática pessoal de autoinvestigação me ajudou a cultivar competências como escuta atenta, paciência, compaixão, clareza, e a adotar uma visão holística e sistêmica”, afirma. “Implementei também, propositalmente, uma série de ferramentas de autoinvestigação em nossa organização, incluindo ferramentas de autoavaliação como StrenghtsFinder e Meyers-Briggs, combinadas com workshops e retiros facilitados pelo Search Inside Yourself Leadership Institute, que fazia parte do Google e, atualmente, mostra a líderes como descobertas de pesquisas em neurociência e mindfulness podem aprimorar as dinâmicas e a produtividade das equipes”.

Ao contrário da maioria dos líderes que entrevistamos, Agler cultivou práticas de autoinvestigação por duas décadas e acredita que isso teve um papel importante na eficácia e no crescimento do End Fund.

 Tento ser sincera a respeito dos assuntos com os quais estou trabalhando ou tendo dificuldades, e procuro pedir ajuda. Todos temos fraquezas e quanto mais abertos e vulneráveis pudermos ser como líderes, reconhecendo que não sabemos tudo, mais as pessoas ao nosso redor se sentirão confortáveis para criar, em conjunto, soluções. Isso é essencial não apenas para construir uma organização como para construir um movimento. Não acho que conseguiria gerir isso sem práticas de autoinvestigação e mindfulness.

As pessoas que entrevistamos buscaram ajuda de outrem para encontrar formas de se compreender melhor; além disso, desenvolveram práticas para aprimorar suas competências de liderança e criar ambientes mais saudáveis. Algumas levaram esses programas para suas organizações. Mark Bertolini, por exemplo, ex-CEO da empresa de plano de saúde Aetna, encabeçou a criação de um programa de mindfulness para os funcionários depois de sofrer um acidente enquanto esquiava, algo que lhe causou uma dor lancinante e duradoura. Ele encontrou alívio na meditação, na ioga e em outras práticas orientais, e, então, as levou para o mundo da saúde e para seus funcionários na Aetna.

Abby Falik, fundadora e CEO da Global Citizen Year, organização norte-americana sem fins lucrativos, nos revelou uma disposição incomum para se mostrar vulnerável publicamente ao escrever um manual do usuário para a Medium. O manual, que logo se espalhou nas redes sociais, narra sua abordagem de liderança e sua prática de autoinvestigação. A Global Citizen Year também oferece, às segundas-feiras pela manhã, práticas opcionais de meditação em equipe, além de patrocinar retiros silenciosos para seus funcionários. Hoje, a autoinvestigação está tão incorporada a sua cultura que é um ponto debatido explicitamente durante o processo de contratação da empresa.

 

  1. Mudanças na Capacidade de Formar Parcerias com os Outros

Filantropos são cada vez mais criticados por sua incapacidade de realmente compreender as complexas questões sociais que suas instituições e sua filantropia buscam abordar. E o abismo às vezes é tão profundo que cria relacionamentos tensos ou até tóxicos entre aqueles que desembolsam recursos e aqueles que precisam financiar seus trabalhos de mudança social. Como escreveu Edgar Villanueva, membro do conselho da Native Americans in Philantropy:

 Aqueles que administram recursos destinados à filantropia, incluindo os responsáveis por determinar o processo de acesso a esses recursos, carecem, em geral, de relações mais profundas com as comunidades que passam pelas maiores dificuldades sociais, raciais e econômicas. Isso fica evidente quando os investidores dizem às comunidades o que elas necessitam, em vez de ouvi-las e agir segundo suas recomendações.

 A autoinvestigação pode ajudar a resolver esse problema. Todos os líderes com os quais conversamos relataram que, graças a suas práticas de autoinvestigação, tornaram-se capazes de se conectar melhor com os outros. “Quanto mais humana eu puder ser, mais fácil é para os outros interagir a partir de um lugar de vulnerabilidade”, afirma Dulany, da Synergos Foundation. Bertolini também diz que faz questão de estabelecer conexões mais profundas com os CEOs em cujos conselhos atua, bem como com os demais membros, o que facilita a existência de relações profissionais mais produtivas.

 

  1. Mudanças na Consciência Sistêmica

A crescente popularidade de abordagens sistêmicas para problemas sociais exige um conjunto de competências de liderança diferentes daquelas que um fundador típico – cujo único foco é o crescimento organizacional – tem à disposição. Em vez de se concentrar em intervenções voltadas para um único ponto, líderes de mudanças sistêmicas, ou “empreendedores sistêmicos”, procuram influenciar outras pessoas e instituições envolvidas em um determinado sistema social de modo a mudar as regras do sistema, os fluxos dos recursos, as dinâmicas de poder, as normas, os relacionamentos e as interconexões. Esses tipos de solução criados em parceria são, frequentemente, mais eficazes e sustentáveis que o crescimento organizacional linear.

 Nesse contexto, as percepções pessoais de um líder e sua maior autoconsciência, desenvolvidas graças à autoinvestigação, são essenciais. As características ligadas a um ego equilibrado – humildade, empatia e escuta atenta – são vitais para os líderes que precisam ganhar a confiança de parceiros e aliados com interesses, agendas institucionais e perspectivas bastante diversas.

Luzárraga descreve da seguinte maneira sua consciência acerca de um sistema mais amplo e sobre o qual procura exercer influência:

 Quando se está muito apaixonado por alguma coisa, pode-se ficar muito próximo a ela. Quando se tem a capacidade de se afastar e ver o sistema como um todo, isso não é tão estressante emocionalmente. Não sinto necessidade de controlar tudo. Tenho consciência do meu ego e sou muito mais capaz de ver as ações positivas necessárias para aprimorar o sistema educacional. Não tem a ver comigo. Tem a ver com mudar o sistema para ter um impacto maior.

 A autoinvestigação pode ajudá-lo a se treinar para operar de olho no panorama geral, podendo enxergar, assim, o sistema como um todo e, então, esmiuçá-lo e conseguir que as coisas aconteçam. A capacidade de operar tanto nos níveis mais altos quanto nos mais baixos é importante para líderes bem-sucedidos. Chanoff, da RefugePoint, cita o dominante modelo mental da escassez como a principal barreira para abordagens mais colaborativas e sistêmicas entre as fronteiras organizacionais. “Todos os incentivos levam os líderes de organizações não governamentais a ter um foco voltado especificamente para a organização”, aponta. A fim de combater essa tendência, ele trabalhou com sua equipe de liderança para desenvolver um sistema de avaliação de desempenho dos funcionários que levasse em conta todas as formas de criação de valor, incluindo a catalisação de novos investimentos para outras organizações que trabalham com refugiados.

Ao adotar a consciência sistêmica, a equipe de liderança da RefugePoint criou novas oportunidades não apenas para reunir agentes importantes (Women’s Refugee Commission, Mercy Corps, Departamento de Estado Norte-Americano) em torno de um sistema universal de avaliação, mas também para colaborar com eles. Chanoff acredita que os frutos do seu processo de autoinvestigação – incluindo um ego equilibrado, competências de escuta sólidas e uma visão sistêmica – se devem ao fato de ter possibilitado que a RefugePoint formasse esse tipo de parceria.

 

Conclusão

 

A autoinvestigação assumiu um papel vital para muitos líderes de mudança social. Sabemos, por experiência própria, que isso dá certo e estamos entusiasmados com o crescimento dos resultados do impacto à medida que os líderes e as pessoas que eles influenciam começam a usar a autoinvestigação para enriquecer sua vida e aprimorar sua eficácia pessoal. “O processo de autoinvestigação me ajudou a deixar para trás minha posição arquetípica, a fazer uma pausa e a criar uma consciência mais ampla”, conta Sasha. “Minha maior curiosidade aumenta meu potencial para contribuir de verdade.”

Embora não haja uma única abordagem que funcione para todo mundo em relação à autoinvestigação e não desejemos adotar uma metodologia ou abordagem particular, estamos convencidos de que um processo contínuo de autoinvestigação ajuda a criar líderes mais bem-sucedidos, resilientes, equilibrados e capazes de atingir seus objetivos. A mudança social é uma maratona, não uma corrida de curta distância, e a prática da autoinvestigação aumenta nossa capacidade de nos colocarmos em uma posição de humildade na hora de formar parcerias com os outros a fim de buscar soluções para problemas complexos. Como Dulany observa: “Apenas quando superamos nossos obstáculos e comportamentos internos podemos agir de acordo com aquilo que temos de melhor no trabalho que fazemos no mundo”.

 

OS AUTORES

 

Katherine Milligan é diretora de gênero e diversidade na Bamboo Capital Partners, professora da Gabelli School of Business na Fordham University e professora de inovação social no Graduate Institute of International and Development Studies da University of Geneva. Ela trabalhou como diretora executiva da Schwab Foundation for Social Entrepreneurship, organização irmã do Fórum Econômico Mundial, com ênfase em programas de bem-estar para sua comunidade internacional de premiados empreendedores sociais.

 Jeffrey C. Walker é autor do livro The Generosity Network e de inúmeros artigos sobre mudanças sistêmicas, presidente da New Profit, da University of Virginia Contemplative Sciences Center Advisory Board, e vice-presidente da linha de frente da Chap, uma iniciativa da Organização Mundial da Saúde. Também é membro do conselho do African Philanthropy Forum e do Leadership Now Democracy Reform Project, além de consultor em várias iniciativas de mudança social. Foi vice-presidente do JPMorgan Chase, diretor da JPMorgan Chase Foundation e fundador e diretor da JPMorgan Partners.



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