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Por que é tão difícil implementar os acordos climáticos?

Enfrentar o problema da escala das soluções climáticas exigirá resolver a equação da grandeza e do financiamento dessas soluções. Esses temas ainda não estão nas mesas de negociação das COPs, mas deveriam.

Por Nobuiuki Costa Ito e Pietro Carlos de Souza Rodrigues

Escala nos Acordos Climáticos
Imagem: Lightspring/Shutterstock

O fato de as principais negociações globais sobre o clima acontecerem durante as Conferências das Partes implica que acordos são negociados entre partes com interesses individuais. Conhecidas como COP (Conference of the Parties, em inglês), essas reuniões regulares reúnem os países que compõem a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC). Por vários anos, as chamadas Partes submeteram comunicações nacionais e inventários de emissões dos gases do efeito estufa a fim de debater sobre a divisão de responsabilidades e medidas práticas para enfrentar coletivamente as mudanças climáticas.

Em 2015, na COP 21, em Paris, um resultado impactante foi alcançado: um acordo aceito por todas as Partes. Ou seja, por todos os representantes dos países participantes. Conhecido como Acordo de Paris, este documento reúne três ações centrais: (1) limitar o aumento da temperatura no planeta em 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais; (2) revisar os compromissos de redução de emissões assumidos pelos países a cada 5 anos; e (3) fornecer mecanismos de financiamento climático para os países em desenvolvimento.

Na COP 26, realizada em Glasgow em 2021, cada uma das partes teve um momento para atualizar seus planos individuais de enfrentamento das mudanças climáticas. O resultado da Conferência, no entanto, mais uma vez tomou a forma de um compromisso voluntário que reconhece que as medidas tomadas depois do Acordo de Paris estão longe da meta de limitar o aumento da temperatura do planeta a 1,5ºC. O chamado “Paris Rulebook”, que operacionaliza os compromissos do Acordo de Paris, foi concluído apenas na COP 26 e ainda não foi colocado em prática. Mas, por que é tão difícil implementar os acordos climáticos?

Um primeiro argumento é relacionado aos incentivos e toca no cerne da tragédia dos comuns, ideia concebida por Garrett Hardin¹. Utilizando o exemplo dos pastos em terras comunais, o argumento de Hardin é que o esperado seria cada criador de ovelha explore ao máximo os recursos locais. Com todos os criadores pensando nos próprios interesses, as terras logo estariam exauridas, e os rebanhos, menos produtivos, prejudicando todo o coletivo. Aplicando a lógica para a análise das negociações do clima, os acordos internacionais procuram evitar a tragédia dos comuns e barrar a superexploração dos recursos comuns por conta do comportamento autocentrado dos países.

A modernização das regulações, das fontes de energia e da tecnologia de motores, para dar alguns exemplos, gera custos com os quais nem todas as partes têm a mesma condição de arcar. Os acordos internacionais partem do princípio de que para evitar a tragédia dos comuns, é necessário estabelecer objetivos e adaptações que devem ser concretizados dentro de cada nação. O descumprimento de um acordo por uma das partes, enquanto todas as outras o cumprem, terá um impacto pouco significativo no resultado. Desse modo, o ganho individual da parte infratora será maior caso descumpra o acordado, pois assim evitaria os gastos para a adaptação climática enquanto colhe os benefícios coletivos do cumprimento do acordo pelas outras partes. É o chamado comportamento free rider, ou de carona. Devido a existência da possibilidade desse tipo de comportamento, recursos comuns como o meio ambiente continuam sendo degradados por um ciclo vicioso de exploração auto-interessada das partes, que falham em observar os acordos de forma coletiva.

Recentemente, Matto Mildenberg apresentou um contraponto² à tragédia dos comuns, afirmando que a metáfora dos rebanhos e pastos é falha. Em sua visão, o amplamente celebrado trabalho de Elinor Ostrom seria uma prova de que muitos problemas de incentivos no uso de recursos públicos são solucionados não com acordos globais, mas por meio de instituições locais e de base comunitária. Por isso, segundo Ostrom, é necessário deixar de lado o protecionismo de alguns às custas de outros, sob o pretexto dos incentivos individuais. A mensagem de esperança transmitida por Mildenberger evoca um comprometimento por uma agenda verde comum, independente da necessidade de consenso global.

Uma questão de escala

Essa primeira avaliação poderia informar que as barreiras para efetividade dos acordos climáticos se devem a problemas de incentivos, que encontram soluções em propostas inspiradas nas ideias de Ostrom³. Nosso argumento é que tais soluções apresentam uma barreira importante, visto que ignoram o problema da escala. As atividades econômicas causadoras das mudanças climáticas (uso extensivo de combustíveis fósseis, grandes plantas industriais e longas rotas logísticas das cadeias globais de valor) foram concebidas sob uma lógica baseada na economia de escala, isto é, na qual o aumento do tamanho das operações é desejável na medida em que diminui o custo médio de produção.  Em contrapartida, as soluções de governança dos recursos comuns baseadas em instituições locais não podem ser implementadas seguindo uma lógica de escala. Como consequência, operacionalizar o Acordo de Paris seguindo este raciocínio pode significar a busca de soluções regionais, descentralizadas e não escaláveis. 

As dificuldades de escalabilidade mencionadas se manifestam em duas dimensões. A primeira delas tem a ver com o alcance das soluções. Em toda parte, tem se falado no crescimento dos chamados negócios de impacto, empreendimentos com a missão clara de enfrentar ou mitigar problemas socioambientais⁴. Como um todo, esse conjunto de organizações encontra dificuldade em fornecer respostas financeiramente viáveis e que promovam soluções na escala adequada para impactar um problema global. Isso porque, em grande parte das vezes, o retorno financeiro é limitado ou há prejuízo, o que dificulta a segunda dimensão do problema.

A escala também é restringida pelo financiamento. A disponibilidade de capital para negócios de impacto e soluções de combate às mudanças climáticas é um dos principais entraves para a superação das condições físicas, técnicas e institucionais que impactam negativamente o clima⁵. De um lado, instituições financeiras tradicionais não estão prontas para avaliar soluções inovadoras/disruptivas, necessárias para enfrentar globalmente o problema. De outro, são poucas as que estão preparadas para operacionalizar os mecanismos de financiamento em ambientes institucionais tão diversos. Outras possibilidades de financiamento que superariam a necessidade de lucro imediato, como a filantropia e as estratégias de investimento de impacto como blended finance e venture philanthropy, embora tragam exemplos poderosos de eficácia local, ainda não apresentam sinais ou exemplos de aplicações em maior escala.

Enfrentar o problema da escala ainda exigirá resolver a equação da grandeza das soluções e do financiamento. Esses temas ainda não estão nas mesas de negociação das COPs, mas deveriam.

OS AUTORES

Nobuiuki Ito é professor de métodos quantitativos, investimento de impacto, filosofia e economia no Ibmec São Paulo. Também atua como consultor na Alimi Impact Ventures.

Pietro Rodrigues é professor e coordenador do curso de Relações Internacionais do Ibmec São Paulo. É pós-doutorando pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP) e pesquisador principal da Fundação José Luiz Egydio Setúbal.

 

NOTAS

1 Hardin, G. (1968). The tragedy of the commons: the population problem has no technical solution; it requires a fundamental extension in morality. Science, 162(3859), 1243-1248.

2 Mildenberger, M. (2019). The Tragedy of the Tragedy of the Commons. Scientific American, 23.

3 Ostrom, E. (1990). Governing the commons: The evolution of institutions for collective action. Cambridge University Press.

4 Barki, E., Comini, G., Cunliffe, A., Hart, S., & Rai, S. (2015). Social entrepreneurship and social business: Retrospective and prospective research. Revista de Administração de Empresas, 55, 380-384.

5 Phills, J. A., Deiglmeier, K., & Miller, D. T. (2008). Rediscovering social innovation. Stanford Social Innovation Review, 6(4), 34-43.



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