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Estratégias para adotar um modelo de economia circular

As corporações podem alcançar melhor desempenho ambiental e financeiro desenvolvendo e implementando estratégias de modelo de negócios circulares.

Por Nancy M. P. Bocken e Thijs H. J. Geradts

economia circular
Ilustração de Mengxin Li

Os últimos oito anos foram os mais quentes já registrados, e os efeitos generalizados das mudanças climáticas sobre a humanidade tornaram-se cristalinos. Confrontadas com o número crescente de doenças infecciosas, secas e inundações em meio ao aumento do nível do mar, nações ao redor do mundo estão lançando planos para mitigar esses efeitos nocivos. Em 2019, a Comissão Europeia introduziu o Green Deal, um plano de 1 trilhão de euros para zerar as emissões líquidas de gases de efeito estufa na Europa até 2050. O pacote inclui um Plano de Ação de Economia Circular visando estabelecer processos de fabricação e produção industrial mais sustentáveis, incentivar o consumo ambientalmente consciente e reduzir resíduos, reciclando e reutilizando recursos pelo maior tempo possível. Nos Estados Unidos, o governo de Joe Biden voltou a entrar no Acordo de Paris no ano passado e prometeu investir 2 trilhões de dólares em infraestrutura e energia renovável.

As grandes corporações também estão estruturando metas ambiciosas de sustentabilidade. A economia circular inspirou empresas a enfrentar os desafios ambientais em resposta à aceleração das mudanças climáticas. Afastando-se da economia linear do “pegar–fazer–descartar” — em que os materiais são extraídos para fazer produtos que são descartados após um tempo limitado de uso —, a economia circular apresenta um novo modelo econômico de produção e consumo em que o descarte é eliminado, os materiais são reciclados e a natureza é regenerada. Para implementar essa transformação, líderes corporativos contam com quatro estratégias de negócios circulares: usar menos material por produto (estreitando os ciclos de recursos), estender a vida útil dos produtos (desacelerando os ciclos de recursos), reutilizar materiais (fechando os ciclos de recursos) e reviver os recursos naturais usados nos processos de produção (regenerando ciclos de recursos). Essas estratégias permitem que as empresas cortem custos, melhorem sua reputação e estimulem o desenvolvimento de novos produtos e mercados. Muitas, no entanto, enfrentaram uma série de desafios gerenciais na transição para um modelo circular de negócios.

Com base em mais de uma década pesquisando inovação de modelos circulares de negócios e sustentáveis e mais de 200 entrevistas com gerentes de empresas líderes em sustentabilidade, descobrimos que, no processo de criação de um modelo circulares de negócios, as empresas enfrentam questões sobre conveniência de mercado, praticabilidade técnica e viabilidade do negócio. A busca por estratégias circulares e sua implementação são muitas vezes prejudicadas por práticas tradicionais de negócios — um desafio típico do trabalho de inovação social, como observa o professor Andrew Hoffman, da Universidade de Michigan.4 Neste artigo, observamos como corporações que adotam essas quatro estratégias encontram diferentes obstáculos, incluindo se os clientes desejam tais inovações, se as empresas podem administrá-las e se as inovações são lucrativas. Para contribuir na adoção de um modelo circulares de negócios, identificamos as implicações administrativas e as melhores práticas para cada estratégia.

 

Quatro estratégias circulares

 

As corporações tradicionalmente focam a implementação de práticas ecológicas simples e baratas — como reduzir o uso de papel ou usar sensores que desligam automaticamente as luzes do escritório — que resultam em economia direta de custos. Essas inovações incrementais são necessárias, mas insuficientes para reduzir de maneira significativa a pegada ambiental das empresas. Políticos e ativistas estão fazendo cada vez mais pressão para que medidas mais robustas sejam adotadas — como substituir materiais não sustentáveis por alternativas mais ecológicas, evitar o consumo não sustentável de produtos do cotidiano, reciclar produtos ou regenerar o ambiente natural usado para extração de recursos. A transição para a economia circular exige das empresas a adoção de uma abordagem mais integral, que inclua as quatro estratégias de modelo circulares de negócios, de estreitar, desacelerar, fechar e regenerar os ciclos de recursos.

Estreitando os ciclos de recursos | Esta estratégia pretende tornar o processo produtivo mais eficiente utilizando menos recursos. A “Clean Future”, abordagem da multinacional de bens de consumo Unilever, por exemplo, inclui reduzir e substituir combustíveis fósseis por recursos renováveis para suas marcas de produtos de uso doméstico. O CO2 é recuperado dos processos de produção e reutilizado, e recursos fósseis não renováveis são substituídos por fontes naturais — caso do carbonato de sódio, um ingrediente em pó de produtos para lavar roupas, criado com a tecnologia de captura de CO2. A Unilever estima que essa inovação pode ajudar a reduzir sua pegada de carbono em quase 20%.

Estreitar os ciclos de recursos também envolve aprimorar o design de produto com novos processos digitais e de fabricação. A montadora japonesa Toyota, por exemplo, fez parceria com a empresa de engenharia americana 3D Systems a fim de usar tecnologias de manufatura adicionais para criar peças leves com mais eficiência. Esse esforço está alinhado com a estratégia da Toyota de eliminar todas as emissões de carbono durante todo o ciclo de vida de um veículo até 2050. Até agora, a empresa reduziu suas emissões em 49% em relação aos níveis de 1990. A redução pode ser ainda maior com a construção de carros mais compactos movidos a hidrogênio. A Riversimple, empresa de carros ecológicos com sede no Reino Unido, desenvolveu um veículo elétrico movido a célula de combustível a hidrogênio que pesa cerca de 590 kg. Com um quilograma de hidrogênio, o ecocarro viaja 320 quilômetros — uma distância significativamente maior que os 180 quilômetros que o Toyota Mirai (com peso três vezes maior) percorre com o mesmo consumo.

Desacelerando os ciclos de recursos | Esta estratégia visa o consumo excessivo, estendendo a vida útil de um produto. O ex-CEO do eBay, John Donahoe, sustentava que as mercadorias mais ecológicas geralmente são aquelas que já existem, referindo-se ao mercado global que o eBay criou para itens usados, recondicionados, antigos e novos. Plataformas de comércio eletrônico como o eBay oferecem um exemplo de como desacelerar os ciclos de recursos.

 

A transição para a economia circular demanda uma abordagem que inclua as quatro estratégias de estreitar, desacelerar, fechar e regenerar os ciclos de recurso.

 

As empresas também podem incentivar os consumidores a reutilizar produtos. O serviço de recompra e revenda da empresa sueca de móveis Ikea foi projetado para aumentar a duração do uso de um móvel. O serviço oferece vouchers de até 50% do valor original para itens em boas condições.

Outros exemplos incluem modelos de negócios premium para produtos e serviços de longa duração, com garantias vitalícias, serviços de conserto e contratos de manutenção. Os custos de produtos duráveis de alta qualidade são superiores à média na hora da compra, mas mais baixos ao longo do tempo não obstante a qualidade, assegurada pela garantia. Por exemplo, a empresa holandesa de saúde e eletrônicos Philips vende cuidados de baixo custo por meio de serviços integrais de gerenciamento do ciclo de vida que incluem alternativas para manter os equipamentos médicos em uso por mais tempo, como atualizações e recondicionamento e reforma de hardware.

Fechando os ciclos de recursos | A estratégia de reutilização de materiais depois do uso é comumente chamada de “reciclagem pós-consumo”. As práticas de reciclagem de plástico, papel e vidro já são bem difundidas. Na Europa, por exemplo, 66% dos resíduos de embalagens são reciclados. As empresas também incorporaram a reciclagem mais amplamente em suas operações. O projeto de alumínio REALITY da Jaguar reaproveita resíduos de latas, tampas de garrafas e veículos no fim da vida em carros premium como o Land Rover, um esforço que a montadora britânica estima poder reduzir em 26% suas emissões de CO2. O Walmart se comprometeu com embalagens 100% recicláveis, reutilizáveis ou industrialmente compostáveis até 2025. A Xerox estabeleceu um programa de devolução com foco na reciclagem de seus produtos para afastar os resíduos dos aterros sanitários. Trabalhando com recicladores terceirizados, desviou aproximadamente 276.000 toneladas de eletrônicos de aterros sanitários em 2018, evitando a produção de 724.000 toneladas de CO2.

Regenerando os ciclos de recursos | Esta quarta estratégia de negócios se concentra em melhorar o meio ambiente que uma empresa explora para uso operacional e comercial. Práticas não sustentáveis em larga escala na indústria de alimentos, como o monocultivo (cultivar a mesma plantação na mesma terra, ano após ano) e o uso generalizado de pesticidas, degradaram o solo no mundo todo. Em 2018, a empresa de alimentos Danone investiu US$ 6 milhões em sua iniciativa de saúde do solo para ajudar a cumprir sua meta de fortalecer a resiliência agrícola. A multinacional desenvolveu uma estrutura de agricultura regenerativa em conjunto com a organização não governamental (ONG) internacional World Wildlife Fund for Nature para apoiar as práticas regenerativas de seus agricultores. A Ikea também emprega uma estratégia de regeneração, já que a produção de seus móveis consome grandes quantidades de matérias-primas como a madeira, o que contribui para o desmatamento. Como parte de sua abordagem, a empresa comprou cerca de 550 km2 de florestas em cinco estados dos Estados Unidos para protegê-las do desenvolvimento comercial. A Ikea prometeu tornar-se mais “climaticamente positiva” até 2030, continuando a adquirir áreas florestais para mantê-las, além de seus esforços de redução de emissões.

 

Administrando ciclos

 

A ciência do design estratégico há muito reconhece a necessidade de desenvolver produtos desejáveis usando modelos de negócios que sejam factíveis e viáveis do ponto de vista financeiro. Ao projetar seus modelos circulares de negócios, as corporações devem, portanto, considerar esses três fatores ao procurar estreitar, desacelerar, fechar e regenerar ciclos de recursos. Primeiro, devem avaliar se as quatro estratégias do modelo circulares de negócios atrairão seus clientes. Segundo, precisam determinar se essas estratégias são tecnicamente e operacionalmente alcançáveis. Por fim, devem pesar se essas estratégias fazem sentido financeiramente. Vamos considerar os três elementos de design para cada estratégia circular.

 

Estreitando os ciclos de recursos

 

Interesse | Estreitar para alcançar eficiência de recursos pode deixar o interesse pelo produto inalterado quando os esforços de sustentabilidade permanecem desconhecidos ou invisíveis para os clientes. Contudo, usar menos ou diferentes recursos provavelmente altera os custos de produção, potencialmente forçando as empresas a adequar seus preços. O estreitamento pode permitir reduções nos valores de comercialização, o que aumenta o interesse pelo produto. De fato, mesmo com preços inalterados, a atratividade do produto tem chances de crescer mediante a divulgação das melhorias de sustentabilidade.

Cobrar mais geralmente requer conhecimento sobre elasticidade-preço e expectativas do cliente. Embora a demanda do consumidor seja inversamente relacionada ao custo, quando os clientes valorizam o propósito social subjacente à missão da empresa, ela ainda pode subir, apesar da alta dos preços.5 Se os consumidores associarem desfavoravelmente a sustentabilidade a custos mais elevados ou qualidade mais baixa, as empresas talvez prefiram omitir a sustentabilidade da marca.

Praticabilidade | Estreitar os ciclos de recursos pode ser relativamente fácil de implementar por meio de pesquisas internas e práticas de design ou em colaboração com parceiros externos para alterar processos de produção, trabalhar com materiais reciclados ou usar tecnologias que economizam recursos. Abordagens estruturadas, como análises do ciclo de vida do produto, permitem identificar oportunidades para reduzir o desperdício durante o processo de produção. A análise do ciclo de vida da empresa de bebidas Coca-Cola, por exemplo, resultou na introdução da embalagem PlantBottle, que rapidamente economizou 30% do petróleo tradicionalmente usado na produção.

Os esforços para estreitar o ciclo também podem se concentrar nos fornecedores. A produção do alumínio está entre os maiores consumidores de energia e emissores de CO2 no mundo todo. As empresas de alumínio Alcoa e Rio Tinto estabeleceram uma joint venture para comercializar uma nova tecnologia que reduz de maneira significativa as emissões do processo de fusão do alumínio — um projeto no qual também investiu a empresa multinacional de tecnologia Apple tanto para reduzir suas emissões gerais como para reduzir custos operacionais.

Em outros casos, estreitar também significa redesenhar o produto. As marcas de sabão para roupas da americana Proctor & Gamble e seu concorrente europeu Unilever têm trabalhado em versões concentradas para que possam ser embaladas em frascos menores que exigem menos material e também são eficazes em temperaturas mais baixas de água, reduzindo potencialmente o uso de energia em casa. A companhia aérea franco-holandesa Air France-KLM fez parceria com a Delft University of Technology para dar a seus aviões um formato em V simplificado, e com isso economizou 20% no combustível usado nos voos e reduziu as emissões.

Viabilidade | Estreitar os ciclos de recursos de modo geral corta custos, recursos e energia. Por exemplo, ao melhorar a eficiência energética em suas fábricas, a Unilever deixou de gastar mais de 873 milhões de euros. Por outro lado, estreitar pode ser lucrativo quando a eficiência permite que as corporações posicionem melhor seus produtos. Um estudo divulgado em 2020 pela multinacional de tecnologia IBM descobriu que quase 80% dos clientes acreditam que sustentabilidade é importante e mais de 70% desses consumidores pagariam em média 35% a mais por produtos sustentáveis.

Benefícios não quantificáveis, como melhor reputação, também justificam o estreitamento dos ciclos de recursos. Quando a economia de recursos e emissões não corta custos de imediato, a liderança ambiental pode parecer atraente para os clientes. Esse potencial exige que as corporações considerem um conjunto mais amplo de métricas de desempenho para avaliar o cenário. Por exemplo, quando parou de usar materiais não sustentáveis, a fabricante americana de carpetes Interface viu seus custos de produção aumentarem, o que resultou em uma perda financeira de curto prazo. No entanto, seu conselho executivo considerou que provavelmente se beneficiaria a longo prazo do ganho de reputação se usasse processos de produção mais limpos.

 

Desacelerando os ciclos de recursos

 

Interesse | Quando desacelerar os ciclos de recursos se concentra em prolongar a vida útil de um produto, a longevidade se torna uma característica dele e os clientes podem levar esse fator em consideração em suas escolhas de compra.6 Para aumentar o desejo pelo produto, desacelerar os ciclos de recursos geralmente inclui serviços pensados para o futuro, como garantias, consertos e manutenção. No caso da empresa internacional de produtos para esportes de aventura Patagonia, isso significa uma garantia vitalícia dos produtos que é facilitada pelo seu serviço de conserto. Esse suporte corresponde à filosofia da empresa de “compre menos, exija mais”, fornecendo aos clientes produtos duradouros e reparáveis, apoiados por serviço de alto nível.

No entanto, a miopia dos clientes e o desejo por novidade podem comprometer a atratividade mercadológica dessa proposta. Quando o público quer o smartphone mais recente ou as roupas mais novas, soluções para esse tipo de consumismo incluem a entrega de novidades por meio de modelos de aluguel, que oferecem variedade de itens sem propriedade, ou por meio de modelos de venda de produtos de segunda mão. Em 2019, a varejista sueca H&M testou o aluguel de moda, oferecendo aos membros até três peças de sua coleção Conscious Exclusive por cerca de 40 dólares por mês.

 

Quando desacelerar os ciclos de recursos se concentra em prolongar a vida útil de um produto, os clientes podem considerar esse fator nas suas escolhas de compra.

 

É importante ressaltar que esses modelos podem permitir que consumidores satisfaçam suas demandas de maneira mais eficaz e sustentável sem exigir propriedade do produto, e ajudem a prolongar a vida útil deste, como serviços de aluguel.7 O programa Bugaboo Flex, da empresa de carrinhos de bebês Bugaboo, permite aos clientes usar modelos mais novos conforme a necessidade e devolver os carrinhos quando não precisarem mais deles. Os produtos então são recondicionados para nova utilização, o que economiza recursos.

Praticabilidade | Desacelerar os ciclos de recursos requer design pensado para a longevidade do produto e pronto reparo ou manutenção, como por meio de software e componentes de hardware atualizáveis. Os desafios tecnológicos e operacionais, incluindo o design para facilidade de atualizações e manutenção e logística reversa para recuperar produtos para conserto, podem ser abordados por equipes internas de pesquisa e design, especialistas da cadeia de suprimentos ou por meio de colaborações externas. Outra alternativa é a contratação de prestadores de serviços para manutenção e reparo, caso não possam ser executados internamente. No caso da Patagonia, a empresa colabora com a comunidade de consertos da plataforma baseada em wiki iFixit para disponibilizar guias e vídeos de reparos online.

Alternativamente, é possível considerar joint ventures e aquisições para trazer expertise. A H&M, por exemplo, comprou uma participação majoritária na loja online sueca de segunda mão Sellpy, o que permitiu ampliar seus negócios de roupas usadas como parte de sua meta de se tornar “100% circular”. Em 2018, o grupo suíço de artigos de luxo Richemont adquiriu a Watchfinder, uma plataforma sediada no Reino Unido que compra, vende e troca peças de relógios de luxo de segunda mão. A Watchfinder processa mais de 20.000 relógios por ano por meio de sua central de atendimento credenciada, que inspeciona, autentica e prepara os itens para revenda. Essa aquisição permitiu que a Richemont atuasse no mercado de usados e contribuísse para a vida útil prolongada do produto.

A desaceleração dos ciclos de recursos pode exigir que as empresas mantenham a propriedade de seus produtos ao fornecer serviços de aluguel. Além dos desafios legais, pode ser necessária uma revisão de seu modelo de negócios para lidar com as repercussões nos sistemas, processos e recursos internos.8 A experimentação em pequena escala permite que as corporações testem novas proposições e descubram as implicações das inovações do modelo circular de negócios.9

A antiga divisão de iluminação da Philips, Signify, por exemplo, fez parceria com Thomas Rau, da RAU Arquitetos, para lançar vários pilotos para vender “luz como serviço” para empresas. Lâmpadas de diodo emissor de luz (LEDs) são mais caras do que as fluorescentes, mas, além de muito mais eficientes em termos energéticos, são também mais duradouras. Um contrato de serviço evitaria altos custos iniciais ao mesmo tempo que proporcionaria economia de energia. Ao mudar para esse modelo, a corporação teve que determinar como estabelecer contratos de serviço e ajustar seu sistema de planejamento de recursos. Como o serviço ajuda empresas a reduzir suas contas de luz, a proposta se transformou em um serviço financeiro direcionado a gerentes financeiros em vez de gerentes de instalações. A Signify manteve a propriedade dos equipamentos de iluminação e armações, e os gerentes de vendas foram treinados de acordo. E, como o acúmulo de ativos no balanço patrimonial pode atrair a ira dos investidores, a Philips colaborou com vários bancos por meio do “Philips Lighting Capital”, um centro interno de competência financeira que atua como consultor para desenvolver acordos de financiamento e evitar problemas, como ter muitos equipamentos listados no balanço patrimonial.10

Viabilidade | Para que as corporações se beneficiem da desaceleração dos ciclos de recursos, um valor adicional cobrado pela longevidade pode reduzir os efeitos negativos da canibalização de seu mercado de reposição. Em outras palavras, o preço inicial mais alto compensaria a receita perdida com o número reduzido de compras repetidas por cliente. Algumas marcas nórdicas de roupas, como Filippa K e Nudie Jeans, cobram mais por seus produtos duráveis premium. Elas também capturam o valor da longevidade do produto aceitando devoluções de roupas e revendendo esses itens de segunda mão.

Enquanto a desaceleração pode promover vendas futuras, os modelos de serviço podem gerar um fluxo de renda contínuo. Modelos de serviço também prendem os clientes e permitem a integração vertical na cadeia de valor para aumentar o lucro. O “power by the hour” do fabricante britânico de motores de aviação e automóveis Rolls-Royce é um serviço de substituição de peças e motores de avião oferecido a um custo fixo por hora. Esse contrato de serviço de longo prazo alinha os interesses do fabricante e do proprietário, que paga apenas por motores de alto desempenho. Cerca de metade do material é de qualidade suficiente para ser remanufaturado em peças novas, de modo que a vida útil do produto pode ser estendida. Isso provou ser uma estratégia altamente lucrativa: estima-se que o programa de serviços da Rolls-Royce seja responsável por 70% de suas receitas.

 

Fechando os ciclos de recursos

Interesse | Fechar esses ciclos envolve a reutilização de materiais por meio da reciclagem, normalmente facilitada por modelos de devolução ou recuperação, que permitem aos clientes devolver produtos usados à empresa para reciclagem ou reutilização. A marca de roupas holandesa MUD Jeans, por exemplo, oferece uma opção de devolução para incentivar a reciclagem. Os clientes recebem um desconto de 10 euros na próxima compra de jeans ao devolver um par antigo.

Modelos de recuperação readquirem material já descartado ou desperdiçado para usar em produtos novos. Isso pode resultar em preços mais baixos pela reutilização de recursos valiosos ou em vantagens de reputação ao abordar uma questão ambiental que permite às empresas cobrar um valor a mais. A colaboração Net-Works da Interface, do fabricante de náilon Aquafil e da Zoological Society of London, transforma plásticos dos oceanos, como redes de pesca de náilon recuperadas, em novos tapetes. A Net-Works se envolve diretamente com as comunidades locais nesse esforço, conectando-se a pescadores nas Filipinas e Camarões para evitar que redes de pesca sejam descartadas no oceano. A Interface usa padrões oceânicos nas peças a fim de tornar esse esforço de sustentabilidade visível e atraente para os consumidores.

Praticabilidade | Fechar os ciclos de recursos requer habilidade técnica para reciclar produtos, inovações logísticas para recuperar materiais ou mudanças fundamentais na cadeia de valor em torno da forma como as empresas colaboram com clientes e fornecedores para recuperar e reprocessar produtos e materiais. No caso da Jaguar, a busca por reduzir o custo e a intensidade energética da reciclagem de alumínio levou-os a fazer um acordo com o fornecedor Novelis para garantir que os resíduos do metal puro e de alta qualidade dos processos de produção da Land Rover fossem coletados separadamente para reciclagem. Essa separação de sucata requer um esforço significativo, planejamento de produção e adesão dos investidores para alinhar os parceiros nos mesmos objetivos e evitar problemas que afetariam a qualidade do produto.

A reciclagem também apresenta limitações físicas e práticas. Os materiais não podem ser reciclados infinitamente, pelo risco de contaminação durante o processo de coleta e de degradação após vários ciclos de reciclagem. Além disso, a coleta nem sempre é eficiente. Para encorajar clientes a retornar produtos antigos, incentivos como coleta gratuita ou descontos em novos produtos são uma boa alternativa. Assim como o envolvimento da comunidade na reciclagem. Em um projeto de colaboração com as organizações sem fins lucrativos Keep America Beautiful e The Recycling Partnership em associação com o Closed Loop Infrastructure Fund, a Coca-Cola doou mais de 1 milhão de lixeiras na última década e forneceu educação sobre reciclagem para residentes em mais de 1.400 comunidades em todo o mundo. Essa parceria evitou que mais de 360 milhões de quilos de recicláveis fossem parar em aterros sanitários.

Para apoiar o fechamento dos ciclos de recursos, a legislação pode tornar a reciclagem mais difundida e impelir as empresas na direção certa. Depois que o Japão implementou uma lei de reciclagem de eletrodomésticos em 2001, a fabricante japonesa de eletrônicos Panasonic começou a se concentrar em esforços para aumentar a reciclagem, incluindo a educação dos consumidores sobre como reciclar melhor. Fechar o ciclo também pode exigir mudanças significativas no modelo de negócios de uma corporação, gerando a necessidade de reorganização interna e colaboração com parceiros externos.

Viabilidade | Fechar o ciclo pode ajudar as empresas a diretamente economizar custos e aproveitar benefícios futuros ao reciclar recursos que se tornarão cada vez mais escassos e valiosos com o tempo. No caso da Philips, a preocupação de longa data com a disponibilidade e o custo do alumínio a faz continuar expandindo seus modelos de serviços que permitem a reciclagem de matérias-primas. Em 2011, a Novelis anunciou a meta de usar 80% de sucata em suas fábricas até 2020. Em 2018, usava 60% de material reciclado, com uma economia estimada em 900 dólares por tonelada de alumínio devido ao aumento dos preços do metal.

Por outro lado, fechar ciclos pode permitir que corporações cobrem um preço mais elevado, gerem economias de custos ou se beneficiem financeiramente de uma reputação melhorada. Para ilustrar o último caso, em 2015, 83% da equipe de vendas da Interface indicou que a Net-Works os ajudou a fortalecer seu relacionamento com clientes, o que resultou em mais 23,5 milhões de dólares em produtos vendidos naquele ano. Fechar o ciclo também pode levar a compras continuadas quando os serviços de devolução incluem um vale de descontos futuros, como no caso do MUD Jeans.

 

Regenerando os ciclos de recursos

 

Interesse | A regeneração visa melhorar o meio ambiente e a sociedade, e muitos veem valor nessa administração por parte das corporações. A regeneração pode ser particularmente importante em um ambiente empresa-a-empresa, em que as companhias se beneficiam ao fazer negócios com parceiros ecológicos com quem compartilham objetivos. Além disso, pode ajudar as corporações a criar boa vontade entre os clientes, comunidades e ONGs. Empresas como a Coca-Cola têm sido fortemente criticadas por agravar a escassez de água devido a suas operações comerciais. Em resposta, a Coca-Cola lançou uma estratégia de segurança hídrica para 2030 visando a melhorar a disponibilidade, qualidade, ecossistemas, acesso e governança da água para diminuir a escassez em comunidades no mundo.

Praticabilidade | A estratégia regenerativa requer uma nova forma de capacidade e nível de responsabilidade. Os problemas exigem colaboração entre parceiros com os mesmos objetivos, que pode contribuir com conhecimentos e habilidades complementares. O conglomerado de alimentos suíço Nestlé está colaborando com a organização sem fins lucrativos The Xerces Society em sua iniciativa de polinização de abelhas para melhorar os hábitats dos insetos, bem como garantir suprimentos futuros.

Além disso, essa estratégia deve ser integrada às operações de uma empresa para regenerar os recursos utilizados em seus processos de produção. Por exemplo, a marca Knorr da Unilever coinveste anualmente 1,2 milhão de dólares com fornecedores e parceiros por meio de seu Fundo de Parceria Knorr, que financia projetos de agricultura sustentável, como plantar campos de flores e construir abrigos de abelhas para proteger os polinizadores. A Unilever também fez parceria com produtores de tomate espanhóis e a Sociedade Ornitológica Espanhola para melhorar os hábitats de 158 espécies de aves ameaçadas de extinção. Essa é uma estratégia ganha-ganha porque os pássaros comem os insetos que danificam as plantações de tomate — tomates são um dos ingredientes principais dos produtos Knorr. Assim, apoiar uma população próspera de aves também favorece o desenvolvimento das plantações, o que beneficia consumidores e produtores de bens de consumo.

 

Ao considerar as quatro estratégias circulares simultaneamente, as empresas podem desenvolver novos produtos e modelos de negócios mais desejáveis para os clientes.

 

Viabilidade | “Não há negócios a serem feitos em um planeta morto”, disse o ambientalista David Brower. A citação de Brower é exposta na entrada da sede da Patagonia, como um marco de seu compromisso em fazer negócios de forma sustentável. A Patagonia Provisions, sua divisão de alimentos, foi criada para que a empresa pudesse se tornar uma solução para o sistema alimentar global. A Patagonia escolheu a conservação do salmão como sua primeira iniciativa — o peixe desempenha um papel vital nos ecossistemas naturais, mas as populações diminuíram significativamente devido à pesca excessiva. A empresa estima que, por meio de colaborações com conservacionistas e governos locais, existem agora dezenas de milhares de salmões a mais nas águas dos Estados Unidos.

Menos amplamente, as práticas de regeneração colaborativa podem criar novos fluxos de receita. A fabricante de açúcar British Sugar está trabalhando com seus fornecedores para proteger e melhorar a saúde do solo. Ajudou a estabelecer a British Beet Research Organisation, uma organização sem fins lucrativos que compartilha conhecimentos sobre práticas agrícolas sustentáveis. Por meio dessa colaboração, a empresa melhorou o uso do solo e os rendimentos da beterraba sacarina, ao mesmo tempo que desenvolveu uma nova ideia de negócio para o cultivo de tomates a partir de CO2 latente produzido pelos processos de produção, o que gerou novas receitas em uma indústria que está sofrendo com o declínio dos subsídios.11 A British Sugar está agora entre os maiores produtores de tomate do Reino Unido.

 

O caminho para a circularidade

 

A economia circular desafia empresas a reinventarem seus modelos de negócios. Mas como modelos circulares de negócios bem-sucedidos podem ser desenvolvidos e implementados? Conhecer as implicações administrativas das quatro estratégias e suas soluções pode oferecer orientação aos administradores sobre como mudar seus modelos lineares, liberando potencial para obter tanto impacto social quanto novas oportunidades de negócios. Embora algumas estratégias possam ser mais fáceis de implementar do que outras, as quatro devem ser combinadas para que as corporações transformem completamente seus modelos de negócios.

A Ikea, por exemplo, melhorou seus processos de produção e reduziu sua pegada ambiental ao mudar para fontes renováveis para estreitar o ciclo de recursos. Lançou uma iniciativa de aluguel de móveis para desacelerar o ciclo. Recolhe móveis usados para reutilização e reciclagem, contribuindo para desacelerar e fechar o ciclo. E está envolvida na regeneração, comprando terras — que de outra forma seriam desenvolvidas comercialmente — para plantar florestas que são cuidadosamente administradas por meio de parcerias com ONGs e governos.

Ao considerar todas as quatro estratégias circulares simultaneamente, as empresas podem desenvolver novos produtos e modelos de negócios que sejam mais desejáveis para os clientes. Esse esforço integral tem o potencial de reduzir custos, economizando recursos. Também pode levar a ofertas inovadoras com margens mais altas e garantir uma rede de fornecimento futura, ao mesmo tempo que gera uma pegada ambiental significativamente menor e tem um impacto ambiental positivo. De fato, muitas empresas altamente bem-sucedidas começaram a incorporar estratégias de modelo de economia circular em suas operações de negócios para obter esses benefícios associados. Embora o caminho para a circularidade não seja linear, com certeza o futuro exige que as empresas sigam essa via.

Notas

1   Nancy M. P. Bocken, Ingrid de Pauw, Conny Bakker e Bram van der Grinten, “Product Design and Business Model Strategies for a Circular Economy,” Journal of Industrial and Production Engineering, v. 33, n. 5, 2016; Jan Konietzko, Nancy M. P. Bocken e Erik Jan Hultink, “A Tool to Analyze, Ideate and Develop Circular Innovation Ecosystems”, Sustainability, v. 12, n. 1, 2020.

2   Mark Esposito, Terence Tse e Khaled Soufani, “Companies Are Working With Consumers to Reduce Waste”, Harvard Business Review, 7 jun. 2016.

3   Eric Hellweg, “Is Your Company Ready for the Circular Economy?”, Harvard Business Review, 25 jan. 2013.

4   Andrew J. Hoffman, “The Next Phase of Business Sustainability”, Stanford Social Innovation Review, v. 16, n. 2, 2018.

5   Omar Rodríguez-Vilá e Sundar Bharadwaj, “Competing on Social Purpose: Brands that Win by Tying Mission to Growth”, Harvard Business Review, v. 95, n. 5, 2017.

6   Alex Gnanapragasam, Christine Cole, Jagdeep Singh e Tim Cooper, “Consumer Perspectives on Longevity and Reliability: A National Study of Purchasing Factors Across Eighteen Product Categories”, Procedia CIRP, v. 69, 2018.

7   Arnold Tukker, “Eight Types of Product-Service System: Eight Ways to Sustainability? Experiences from SusProNet”, Business Strategy and the Environment, v. 13, n. 4, 2004.

8   Mark W. Johnson, Clayton M. Christensen e Henning Kagermann, “Reinventing Your Business Model”, Harvard Business Review, v. 86, n. 12, 2008.

9   Ilka Weissbrod e Nancy M. P. Bocken, “Developing Sustainable Business Experimentation Capability — A Case Study”, Journal of Cleaner Production, v. 142, 2017.

10 Mark R. Kramer, Thijs H. J. Geradts e Bhanuteja Nadella, “Philips Lighting: Light-as-a-Service”, Harvard Business School Case Collection, 2019.

11 Samuel W. Short, Nancy M. P. Bocken, Claire Y. Barlow e Marian R. Chertow, “From Refining Sugar to Growing Tomatoes: Industrial Ecology and Business Model Evolution”, Journal of Industrial Ecology, v. 18, n. 5, 2014.

OS AUTORES

Nancy M. P. Bocken é professora de negócios sustentáveis ​​no Instituto de Sustentabilidade da Universidade de Maastricht e fellow do Cambridge Institute for Sustainability Leadership. Ela também fundou a Homie, seu próprio negócio circular e sustentável.

Thijs H. J. Geradts é gerente de sustentabilidade da região de Parkstad, na Holanda. Previamente, foi pesquisador-visitante na University of Cambridge e na Harvard Kennedy School.



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