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Como ONGS podem usar o design centrado no ser humano para promover o engajamento cívico

Os esforços pelo engajamento cívico se tornaram prioritários para as organizações sem fins lucrativos nos EUA. O design centrado no ser humano pode evitar o ônus que vem com essa tarefa

Por Fiona Kanagasingam

Um cliente do Community Resource Exchange (CRE) usa mapeamento de jornada em um workshop de desenvolvimento de liderança. (Foto de Thi Q. Lam)

A promoção do engajamento cívico e da defesa de direitos começou a surgir como uma prioridade maior para muitas organizações sem fins lucrativos de serviços diretos – especialmente à luz dos crescentes fatores debilitantes que as comunidades vulneráveis dos EUA enfrentam atualmente. Mas unir esses esforços à programação já existente e que é muitas vezes subfinanciada pode parecer oneroso. Muitas organizações simplesmente não têm a capacidade de transmissão ou o conhecimento necessário para ter sucesso nessa empreitada.

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Nossa empresa de consultoria, a Community Resources Exchange (CRE), viu esse novo interesse – o desejo das organizações de fazer parte de algo maior — vir à tona em 2018, em dois workshops que ministramos sobre risco e resiliência. Durante as apresentações e nas pesquisas que as antecederam, que contaram com mais de 50 líderes de organizações sem fins lucrativos, os participantes descreveram três oportunidades que suas empresas deveriam perseguir:

  1. Participação dos integrantes. Essa tarefa abarca educar os representados sobre como as políticas voltadas a questões como imigração e assistência médica os afetam — independentemente de as organizações se concentrarem diretamente nesses tópicos ou não. Inclui também o desenvolvimento da capacidade deles de se mobilizarem em torno de seus interesses ou votarem a favor deles, bem como a criação de oportunidades para que participem do processo de políticas públicas.

  2. Advocacy. Essa etapa envolve ter conversas difíceis com as diretorias e a equipe para esclarecer, formar consenso e adotar posições organizacionais sobre políticas que afetam a missão; defender, em nome dos membros da comunidade, questões como proteções legais para famílias de imigrantes; e educar os legisladores para moldar a tomada de decisões públicas de forma a apoiar a missão.

  3. Alianças estratégicas. Aqui se inclui o compartilhamento de recursos organizacionais entre áreas problemáticas — como saúde, educação e moradia — e a construção de colaborações solidárias e mais inteligentes para fortalecer a mobilização da comunidade e o impacto das políticas públicas.

Quando as organizações reconhecem essas prioridades, a pergunta passa a ser “Como empresas podem garantir esses esforços quando já estão sob pressão para alcançar suas próprias metas?”.

 

Engajamento cívico e design centrado no ser humano

 

A resposta é o design centrado no ser humano (HCD, na sigla em inglês) – o processo de se colocar no lugar de nossos representados e aproveitar a experiência vivida por eles como inspiração para o design de produtos ou serviços. Em particular, a resposta está no mapeamento da jornada, um processo que aprofunda a empatia e a imersão nas experiências dos integrantes de uma empresa. No caso de muitas organizações sem fins lucrativos, o mapeamento da jornada é um ponto de partida ideal na implementação do HCD para o engajamento cívico, pois permite que as instituições enxerguem com outros olhos.

O processo, que pode ser dividido em várias reuniões breves de uma hora, reúne funcionários de várias equipes e níveis, bem como partes interessadas externas (incluindo os próprios representados), para agregar e pensar uma visão holística das experiências dos integrantes. O grupo sintetiza os comportamentos, pensamentos e emoções dos representantes para criar uma compreensão mútua de toda a sua experiência em diferentes fases do trabalho da organização.

Um dos motivos pelos quais o mapeamento da jornada funciona tão bem é que o processo passa por analisar e se deter em experiências frequentemente menosprezadas, como o que os representados podem ter sentido antes de entrar em contato com a organização ou em momentos específicos em que interagiram com a equipe da empresa sem fins lucrativos. Ele também redireciona o olhar da organização, permitindo que as experiências dos integrantes orientem a tomada de decisões, em vez de processos internos.

O mapeamento de jornada baseia-se nos cinco “Es” amplamente utilizados no campo da experiência do usuário (UX) – uma estrutura que permite aos participantes mapear a vivência do grupo que eles definem como sua população-alvo:

  1. Atração (Entice, em inglês): Como é a primeira impressão que os representados têm do seu trabalho? O que eles estão sentindo, temendo ou desejando naquele momento? Por exemplo, mulheres sem documentos que ficam sabendo de um programa por meio de um amigo podem se preocupar com que sua situação legal impeça sua participação ou as coloque em risco de serem “descobertas” se participarem do programa.

  2. Entrada: Quais são as experiências deles ao se “inscreverem” em um programa ou na primeira interação com a sua organização? Com quem eles falam e onde? Você pode descobrir, por exemplo, que os participantes passam muito tempo no saguão do seu escritório interagindo com a equipe administrativa como parte do processo de inscrição – como você pode usar esse conhecimento para aprimorar o processo?

  3. Engajamento: Qual é a sua primeira experiência com o programa? Quais são seus destaques e desafios? Por exemplo, os participantes podem achar que as interações com os colegas são a parte mais motivadora do programa e, nesse caso, como você pode aproveitar isso ao longo de todo o processo?

  4. Saída (Exit, em inglês): Qual é o momento em que eles saem ou retornam? Com quem eles conversam? Como se sentem? Após a conclusão, você pode observar que não havia um único ponto de contato para verificar a experiência deles e facilitar a conexão contínua com a organização.

  5. Ampliação (Extend, em inglês): O que eles dizem a outras pessoas sobre a experiência que tiveram com sua organização? Como eles podem ajudar no alcance ou na escala do seu trabalho? Por exemplo, alguns participantes que estão se formando podem aceitar ser mentores, se essa função for criada como oportunidade de desenvolvimento de liderança e contar com os incentivos adequados.

Integração do engajamento cívico como uma prática essencial

 

Esse processo de imersão torna-se, então, a base do brainstorming para integrar o engajamento cívico em cada ponto do espectro dos cinco Es, em vez de criar um programa novo ou autônomo. Esses processos podem parecer assustadores, na melhor das hipóteses, e quase impossíveis para organizações sem fins lucrativos que não estejam acostumadas a se verem como locais e agentes de justiça social.

Usando os estágios dos cinco Es em nossos workshops pós-eleitorais, nossos clientes apresentaram exemplos reais das experiências em suas comunidades e fizeram um brainstorming sobre como poderiam desenvolver o engajamento cívico nos programas e processos existentes.

Atração: Entendendo que, nesse estágio, alguns representados estão preocupados até mesmo em sair de casa (por exemplo, imigrantes sem documentos podem temer uma possível detenção ou deportação devido a um aumento na atividade de fiscalização de imigração e alfândega), os participantes discutiram como poderiam reagir. As ideias incluíam deixar explícito que os clientes sem documentos são bem-vindos, envolver voluntários como “companheiros seguros” que podem acompanhar os clientes sem documentos aos programas e fornecer informações sobre esses apoios como parte da comunicação desde o início.

Entrada: Da mesma forma, observando que os recepcionistas nos locais do programa eram geralmente o primeiro ponto de contato, os participantes debateram maneiras de equipá-los com algumas ferramentas básicas para promover o engajamento cívico. As ideias incluíam fornecer informações aos membros da comunidade acerca de seus direitos, envolvê-los em discussões não partidárias sobre votação ou até mesmo fazer seu cadastramento eleitoral.

Engajamento: Os participantes também descobriram inúmeras oportunidades de incluir o currículo de educação cívica em programas de desenvolvimento de liderança ou pós-escola para os clientes. Um exemplo notável disso é uma organização sem fins lucrativos que faz parceria com organizações de serviço social para integrar atividades de engajamento cívico apartidário que promovem a conscientização sobre eleições e questões políticas e incentivam o voto e outras formas de participação na elaboração de políticas públicas. Esse grupo treinou a equipe da empresa sobre como inserir a educação relacionada à democracia em programas pós-escolares com jovens, que geralmente têm menos probabilidade de votar. Dessa forma, incorporou o engajamento cívico a programas já existentes em vez de criar novos programas do zero.

Saída e Ampliação: Nesses estágios, muitos participantes do workshop perceberam que seus programas ofereciam várias oportunidades para celebrar e contar histórias sobre os clientes formados e para mobilizá-los como mentores, voluntários, embaixadores do programa e até mesmo líderes comunitários emergentes. Essas pessoas podem trabalhar para incentivar o engajamento cívico intergeracional em suas comunidades e fora delas, por meio de atividades, eventos e networking.

Embora os workshops da CRE tenham se concentrado em ajudar as organizações sem fins lucrativos a elaborar as experiências de seus representados e a gerar soluções, incentivamos os participantes a validar seus mapas de jornada e ideias por meio do envolvimento com constituintes reais. Uma vez aprovados, eles poderiam começar a testar, lançar e dimensionar algumas das ideias mais promissoras, aprendendo e fazendo parcerias com grupos que já estavam atuando nisso.

É claro que algumas ideias que surgirem durante o brainstorming serão mais viáveis do que outras, mas já existem muitos exemplos de organizações sem fins lucrativos que estão aproveitando sua confiança exclusiva em cidadãos sub-representados para estimular um maior engajamento cívico e esforços de defesa. Em um setor que se preocupa com medições e métricas, podemos acabar nos esquecendo de quem é o alvo dos nossos serviços e a quem devemos prestar contas. O HCD nos lembra que, às vezes, precisamos enxergar com outros olhos, que as comunidades podem ser influentes se ouvirmos suas vozes e que o engajamento cívico é uma maneira atraente de as organizações sem fins lucrativos cumprirem a missão de catalisar mudanças.

 

A AUTORA

Fiona Karagasingam tem mais de uma década de experiência no terceiro setor. Entre outros trabalhos, criou e ampliou as práticas de inovação e diversidade, equidade e inclusão da CRE, além de liderar projetos em áreas como planejamento estratégico, gestão de talentos e recursos humanos, eficácia de equipes, desenvolvimento de liderança e coaching executivo.



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