Brasil pode liderar o futuro das políticas de diversidade, equidade e inclusão
Diante da onda de retrocessos liderada pelo governo Trump nos Estados Unidos contra políticas de diversidade, equidade e inclusão (DEI), o Brasil precisa afirmar sua própria trajetória e não se deixar contaminar pelo ruído importado
Por Margareth Goldenberg

Sempre que a história avança no campo dos direitos humanos, surgem vozes que tentam puxá-la de volta. A atual onda anti-DEI nos Estados Unidos é mais uma dessas tentativas. No epicentro dessa resistência estão medidas que desmontam políticas de inclusão, eliminam critérios de diversidade em processos de contratação e avaliação, e colocam em xeque os avanços recentes em direitos civis. A pergunta que paira sobre o mundo corporativo é inevitável: será que essa maré vai chegar ao Brasil?
Os resultados de uma pesquisa1 realizada em maio deste ano com 305 grandes empresas trazem boas notícias. Mais da metade (52,8%) das companhias que atuam no Brasil afirmam que não houve qualquer impacto e apenas 10,2% relataram redução de recursos ou ações. Segundo a pesquisa, 15,7% mencionaram que o tema gerou apenas especulações, sem mudanças práticas. E, de maneira encorajadora, 6,6% das empresas relataram que esse contexto internacional reforçou seu compromisso com DEI, ampliando ações ou investimentos.
Isto acontece porque nosso contexto é profundamente distinto. No Brasil, temos um arcabouço legal robusto que criminaliza discriminação, racismo, homofobia, ampara ações afirmativas, leis que garantem cota mínima para profissionais com deficiência (Lei nº 8213/91) e fiscalizam a igualdade salarial (Lei nº 14.611/23), além de uma sociedade civil engajada e consciente de seus direitos, movimentos empresariais articulados, diretrizes claras de acionistas, investidores e bolsa de valores e um governo federal que reposicionou os direitos humanos no centro da agenda. Somos o país com a maior população negra fora da África; um território de desigualdades históricas e, justamente por isso, de potencial transformador único. Esses fatores estruturais ajudam a explicar por que a tentativa de retrocesso vivida nos EUA teve pouco reflexo prático nas empresas brasileiras.
Retroceder não pode – e não deve – ser uma opção. O que tenho visto nas corporações globais que atuam no Brasil é um esforço para desdobrar políticas globais de DEI em políticas regionais, para viabilizar adequação à realidade de cada país.
Além disso, a eleição de Trump reforçou a politização da questão da diversidade, ligando-a a partidos e movimentos políticos de esquerda. Precisamos despolitizar e despolarizar as pautas de DEI e pertencimento. Não é sobre vilões e bandidos, mas sobre direitos humanos e liberdades universais. Os grupos minorizados merecem reparação histórica – o que faz parecer, para muita gente, que do outro lado os homens brancos são “os vilões”, deixando-os acuados e resistentes ao tema. Muitas organizações criaram uma perspectiva de vilão e herói que faz muita gente não entender a diversidade como um jogo de ganha-ganha, mas sim de soma-zero. Essa é uma evolução relevante de abordagem que temos direcionado às empresas.
Diversidade como estratégia
Políticas de DEI não existem para privilegiar uns em detrimento de outros. Elas existem para corrigir distorções históricas, eliminar barreiras e garantir que todas as pessoas tenham acesso às mesmas oportunidades. Isso não é apenas justo – é estratégico.
Organizações mais diversas inovam mais, tomam melhores decisões e se conectam com mais autenticidade a seus mercados. No Brasil, os grupos historicamente excluídos compõem a maioria da população, mas seguem amplamente sub-representados nas posições de liderança nas empresas. Apostar em inclusão, portanto, é apostar em competitividade, reputação e sustentabilidade. Abandonar esse caminho seria renunciar a talentos, criatividade e relevância.
Diversidade e inclusão, quando bem aplicadas, são motores de crescimento. Empresas que enxergam DEI como parte de sua estratégia de negócio colhem benefícios concretos: aumento da produtividade, maior engajamento, menor rotatividade de funcionários, redução de riscos psicossociais e uma marca empregadora mais forte.
Mas poucas empresas calculam quanto perdem por manter ambientes excludentes. Nos EUA, estima-se que a exclusão custe US$ 1,05 trilhão por ano às organizações2 – em rotatividade, afastamentos por saúde mental, queda de produtividade e ações judiciais. No Brasil, ainda que os números exatos variem, os sintomas são os mesmos. Ambientes que excluem são caros, ineficientes e insustentáveis.
A tentativa de importar a narrativa norte-americana de que diversidade ameaça a meritocracia ignora nossa realidade. Muitas das críticas que surgem se alimentam de distorções, como ações afirmativas desconectadas do negócio, sem indicadores, sem governança, performáticas demais. Mas isso não significa que a agenda perdeu relevância. Ao contrário: talvez estejamos diante de uma nova fase, mais exigente, mais madura, mais transformadora.
Essa fase exige que políticas de DEI saiam dos eventos simbólicos e sejam integradas à gestão, aos processos decisórios, à cultura e ao modelo de negócios. Não basta “levar soluções para DEI”; é preciso deixar que DEI traga soluções para os desafios reais das empresas.
Transformar inclusão em liderança global
Enquanto parte do mundo vive uma onda de retrocesso, o Brasil tem a chance de liderar. Podemos transformar inclusão em motor de inovação, crescimento e competitividade. O momento pede evolução, não acomodação. As empresas que atuam no país e possuem mais maturidade na pauta devem seguir aprofundando suas práticas, fortalecendo a governança, qualificando narrativas e combatendo polarizações vazias com estratégia e consistência.
A diversidade brasileira é um ativo estratégico. Quando bem trabalhada, ela amplia horizontes, cria pertencimento e melhora resultados. Quando ignorada, torna-se uma barreira à inovação e à sustentabilidade.
O retrocesso não é inevitável. Mas resistir a ele exige intenção. Exige que líderes filtrem o ruído político, revisem abordagens, fortaleçam a governança e façam da inclusão uma prioridade mensurável. O Brasil pode – e deve – se posicionar como referência global em DEI.
O futuro das empresas de sucesso será diverso, inclusivo e responsável. E aquelas que não perceberem isso estarão fadadas a perder talentos, inovação e mercado.
Referências:
1 To.Gather, Diversidade nas empresas no Brasil – Resiliência e maturidade em tempos de retrocesso nos EUA, 2025 (material ainda inédito).
2 Accenture, Getting To Equal Research Report, 2020.
A AUTORA
Margareth Goldenberg é CEO da Goldenberg Diversidade e gestora executiva do Movimento Mulher 360, movimento empresarial pelo empoderamento feminino e equidade de gênero.