Boa governança é chave para avanço da sustentabilidade empresarial no Brasil
Para que práticas ambientais e sociais se consolidem nas empresas, é preciso integrar a governança à estratégia de sustentabilidade – e não tratá-la como um apêndice
Por Danilo Gregório e Fernando Damasceno

Se o ano passado pudesse ser resumido em uma palavra, greenlash seria a escolha de Pilita Clark, editora e colunista do jornal britânico Financial Times. “Reação contrária às políticas ambientais. Não deve ser confundida com greenwashing, green hushing ou green wishing”, escreveu a jornalista em uma retrospectiva sobre 2024. O termo brinca com backlash (reação contrária ou resistência) e green (verde).
Muitos analistas passaram a usar esse termo para identificar a reação conservadora contra a agenda ESG, em especial nas discussões sobre mudanças climáticas e diversidade. O greenlash simboliza um movimento já notado em 2023, mas que se acentuou no decorrer de 2024, tendo como marco a eleição de Donald Trump para um segundo mandato como presidente dos Estados Unidos.
O Brasil, é claro, não está imune a essa mudança de humor, seja pelo aspecto político, econômico ou social. No entanto, peculiaridades do nosso ambiente de negócios dão a esperança de que algumas diretrizes incorporadas nos últimos anos continuarão em evolução. A governança corporativa terá papel fundamental para assegurar a qualidade e a efetividade das decisões da liderança das empresas.
Comecemos pelos mecanismos de investimento e financiamento. De acordo com dados do Banco Central, o Brasil responde por pouco mais de 1% das emissões globais de títulos sustentáveis. Essa participação pode aumentar puxada tanto por iniciativas de redução de riscos como de aumento de impactos positivos.
Em função das características da biodiversidade e da demografia brasileiras, há muitas expectativas sobre as soluções baseadas na natureza, entendidas como aquelas que utilizam a proteção, a restauração e o manejo sustentável dos ecossistemas para enfrentar desafios como a mudança do clima e a perda de biodiversidade. Em outras palavras, são atividades que promovem a integridade dos ecossistemas, fortalecem a resiliência ambiental e contribuem para o bem-estar das pessoas.
O Brasil é reconhecido como o maior mercado potencial para soluções baseadas na natureza. De acordo com relatório da The Climate Champions Team, da Capital for Climate, e da Innovative Finance for the Amazon, Cerrado and Chaco (IFACC), entre agosto de 2023 e agosto de 2024, pelo menos US$ 1,6 bilhão foi alocado para essas soluções no país, com uma alta velocidade na formação de novos fundos. Há casos de sistemas de agrofloresta que geram entre US$ 300 e 1.500 por hectare anualmente, superando a pecuária extensiva. Empresas estão vendendo créditos de carbono por valores acima da média de mercado, segundo os autores.
No meio corporativo, ainda que empresas brasileiras possam ser influenciadas pela onda anti-ESG, é difícil imaginar uma inversão completa de rota. Talvez uma desaceleração ou discrição descrevam melhor. Ainda é cedo para estimar o impacto no Brasil da política trumpista e dos casos estadunidenses de enfraquecimento de políticas corporativas de diversidade, equidade e inclusão. Até o momento, porém, as novidades mais importantes vêm no sentido oposto, como o aumento de normas de transparência sobre diversidade e a aprovação pelo Senado, em 24 de junho, do projeto de lei que estabelece cotas para mulheres em conselhos de administração de empresas estatais.
Práticas de transparência, o principal termômetro do que acontece em sustentabilidade empresarial, tendem a evoluir. A elaboração de relatórios de impactos financeiros da sustentabilidade está se tornando obrigatória no Brasil. De acordo com a Resolução 193 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a partir dos exercícios sociais iniciados em 2026, as companhias abertas deverão publicar relatórios anuais seguindo os padrões internacionais IFRS S1 e S2, estabelecidos pelo International Sustainability Standards Board (ISSB).
O Brasil foi o primeiro país a adotar essas regras em sua regulação. Mesmo que as normas se apliquem inicialmente sobre as empresas listadas em bolsa, indiretamente, empresas fechadas e ligadas a sua cadeia de valor serão afetadas. A chegada da Resolução 193, embora trate aspectos de gestão da sustentabilidade, e não especificamente de governança corporativa – um tema bem mais amplo –, tem tudo para aproximar assuntos ambientais e sociais da pauta dos conselhos de administração.
Por mais contraditório que pareça, tanto nas práticas empresariais e nas políticas públicas, a governança corporativa e a sustentabilidade têm evoluído de maneira descasada. Isso pode ser explicado pela legislação e pela regulação, que, apesar dos esforços, ainda separam essas dimensões. Originalmente, desde que a expressão “ESG” surgiu, 20 anos atrás, era para o “G” de governança corporativa funcionar como o grande conector e direcionador da agenda de sustentabilidade.
Uma pesquisa recente do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) revela que, em 2021 e 2022, a dimensão de governança recebeu menor volume de informações divulgadas (24,7% do total de citações) em comparação com as dimensões ambiental (38,3%) e social (37%). Isso sugere que, embora reconhecida como importante, a governança não está devidamente integrada nos relatórios de sustentabilidade feitos de forma voluntária.
No ambiental e no social, as notícias sobre políticas públicas e as práticas empresariais parecem alvissareiras, mas o horizonte é mais complexo para a governança corporativa. Veja-se o caso da B3, que tem sofrido para conseguir aumentar as exigências do Novo Mercado, o segmento de listagem com as regras mais elevadas de governança. As empresas listadas no Novo Mercado tinham até 30 de junho de 2025 para votar sobre as propostas da revisão iniciada em 2024. Independentemente do resultado, a marca negativa desse processo será a grande resistência que as companhias demonstraram para as propostas mais significativas de evolução.
Se a governança não evoluir, no longo prazo, a sustentabilidade também estará comprometida. O Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC baseia-se na ideia de interdependência entre as organizações e as realidades econômica, social e ambiental em que elas estão inseridas. Para o IBGC, a boa governança gera valor compartilhado, contribuindo positivamente para a sociedade e para o meio ambiente.
OS AUTORES
Danilo Gregório é gerente de Conhecimento e Relações Institucionais do IBGC.
Fernando Damasceno é especialista de Relações Institucionais e Governamentais do IBGC.