Direitos humanos

Ajuda humanitária antecipatória

A Mercy Corps usa dados de satélite e IA para enviar ajuda às pessoas antes de desastres naturais

Por Andrew Mambondiyani

(Foto de iStock/GCShutter)

Desastres naturais têm se tornado mais frequentes nas últimas décadas, e muitos especialistas afirmam que essas catástrofes estão relacionadas às mudanças climáticas. Muitas comunidades, especialmente em países de baixa e média renda, encontram-se despreparadas para enfrentar esses eventos, o que tem provocado enormes perdas de vidas, meios de sustento e propriedades.

Após a seca causada pelo El Niño em 2024 no sul da África – a pior em mais de 40 anos –, comunidades aguardaram semanas e até meses por ajuda de seus governos e agências de assistência. Para pessoas em áreas remotas, a ajuda nunca chegou. Como resultado da seca, países da região estão lutando para arrecadar os bilhões de dólares necessários para alimentar milhões de pessoas à beira da fome.

Com o propósito de reduzir atrasos na ajuda emergencial, a Mercy Corps Ventures – um braço da ONG Mercy Corps – iniciou um programa-piloto em 2023 que enviou ajuda em dinheiro às pessoas antes da ocorrência de um desastre natural. A tecnologia que facilita esse trabalho depende de dados de satélite de alta precisão, análises preditivas e serviços bancários móveis para identificar pessoas que possam ser afetadas por um desastre natural e alocar ajuda financeira para elas.

“Com o uso de dados de satélite e inteligência artificial, as organizações podem prever desastres naturais com maior precisão e garantir que a ajuda chegue às populações vulneráveis com antecedência”, diz Gebremedhin Gebremeskel Haile, professor assistente de ciências da terra e ambientais na Wesleyan University. “Pagamentos via serviços bancários móveis, em particular, são uma tábua de salvação para as comunidades afetadas, permitindo que adquiram suprimentos essenciais, mantenham a segurança alimentar e atenuem os piores impactos das crises.”

Quase 300 milhões de pessoas ao redor do mundo precisam de assistência humanitária, e mais de US$ 223 bilhões foram doados em 2023. No entanto, de acordo com a ONG internacional Start Network, 99% dessa ajuda é fornecida após a ocorrência de desastres naturais, o que dificulta sua distribuição para as pessoas afetadas. Pesquisas da ONU mostram que a ação antecipatória – antes que desastres aconteçam – é sete vezes mais econômica do que a ajuda humanitária tradicional.

“A ação antecipatória capacita os beneficiários a planejar e reduzir os impactos das emergências, em vez de esperar pela ajuda e pelo apoio à reconstrução após o desastre”, diz Scott Onder, diretor de investimentos da Mercy Corps Ventures. Ao oferecer suporte financeiro incondicional, a Mercy Corps respeita as necessidades do beneficiário, proporcionando dignidade na escolha de como usar os recursos.

Nos últimos dois anos, a Mercy Corps testou ações antecipatórias na Guatemala e no Quênia, com uma terceira iniciativa no Nepal concluída no início deste ano. No Quênia, a Mercy Corps Ventures fez parceria com empresas locais de finanças e tecnologia para implementar o projeto. Primeiro, compararam dados de satélite para avaliar o estado da vegetação na região e prever a ocorrência de seca. Uma vez feita a previsão, contratos inteligentes – que automatizam o processo de distribuição dos fundos, incluindo a confirmação das taxas de câmbio, validação dos beneficiários e envio de notificações por SMS – acionaram pagamentos automáticos por meio de stablecoins (uma moeda digital) e sistemas de pagamento em criptomoeda, transferindo os recursos em moeda local para comunidades quenianas.

Haile alerta que há limitações a ser consideradas, uma vez que “o acesso a redes móveis e serviços financeiros ainda não é universal na África”. Áreas remotas podem ter dificuldades em se beneficiar dessas tecnologias devido à conectividade fraca, falta de dispositivos móveis ou alfabetização digital inadequada. Apesar disso, a Mercy Corps Ventures acredita que pode expandir os testes e otimizar ainda mais as transferências em dinheiro às pessoas afetadas por desastres naturais por meio de análises climáticas aprimoradas, IA e dados de sensoriamento remoto fornecidos por satélites. Em 2025, a iniciativa será expandida para o nordeste africano, alcançando pessoas em Quênia, Sudão do Sul e Somália.

 

O AUTOR

Andrew Mambondiyani é jornalista residente no Zimbábue e escreve sobre mudanças climáticas, desenvolvimento sustentável e meio ambiente.

 

*Artigo publicado originalmente na edição 12 da SSIR Brasilleia aqui a edição completa

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