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A revolução psicodélica na saúde mental

Em 1986, Rick Doblin lançou a Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos para pesquisar e defender o uso de LSD, cogumelos mágicos e Ecstasy no tratamento de doenças mentais. Depois de três décadas de trabalho árduo, ele parece ter encontrado seu momento agora.

Por Marc Gunther

Terapeutas da MAPS
Os terapeutas e formadores da Maps Marcela Ot’alora (à direita) e Bruce Poulter (ao centro) demonstram o protocolo para conduzir uma sessão de terapia com a MDMA. Foto: Bryce Montgomery/Cortesia da Maps

À medida que a década de 1960 terminava, drogas psicodélicas atemorizavam muitos americanos – pelo menos aqueles que jamais as haviam experimentado. O Congresso aprovou em 1970 o Controlled Substances Act (Lei de Substâncias Controladas), que classificou as mais populares drogas da contracultura – entre elas LSD (ácido lisérgico dietilamida), mescalina, psilocibina e marijuana – como classe 1, aquelas com alto potencial de dependência e nenhum valor médico. O abuso de drogas, pontificou o então presidente Richard Nixon, era o “inimigo público número um”. Foi por volta dessa época que Rick Doblin – um rebelde de 18 anos que havia fumado muita maconha, feito experiências com drogas psicodélicas e se recusado a registrar-se para o alistamento – decidiu abandonar o New College da Flórida, uma escola experimental em Sarasota onde os estudantes tinham a liberdade de escolher suas matérias e receber avaliações por escrito em vez de notas.

– Quero sair da faculdade e estudar LSD – disse Doblin a seus pais. – E quero que vocês paguem por isso.

Surpreendentemente, eles concordaram. O pai, um pediatra cujo herói era o líder comunitário Saul Alinsky, e a mãe, uma professora liberal, tinham sempre encorajado os filhos a pensar por si mesmos. Educado como judeu e com parentes em Israel, o jovem Rick ficara profundamente perturbado pelo Holocausto e com a ameaça de uma guerra nuclear. Além disso, ele se opunha à intervenção dos Estados Unidos no Vietnã. Depois de experimentar drogas, Doblin teve a intuição de que experiências místicas com substâncias psicodélicas poderiam aproximar as pessoas e ajudar a pôr fim a conflitos entre os povos. “Substâncias psicodélicas estiveram no centro de minha vida desde então”, diz.

Isso foi quase meio século atrás. Desde essa época, Doblin jamais vacilou na missão que traçou para si mesmo: usar drogas psicodélicas para curar um mundo quebrado. “Eu não sabia se teria êxito ou não, mas realmente não era importante”, afirma.

Em 1986, ano em que o presidente Ronald Reagan sancionou uma lei que estabeleceu penas mínimas obrigatórias para a posse de drogas, entre elas a marijuana, Doblin lançou a Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Maps, na sigla em inglês), um grupo de pesquisas e de apoio jurídico que visava promover o uso cuidadoso e benéfico de substâncias psicodélicas e da marijuana. Doblin acabou por conquistar um PhD da Harvard Kennedy School, com uma tese que explorava a regulação das drogas psicodélicas e da marijuana. Constrangido pela política da guerra às drogas, ele decidiu usar a ciência e as evidências como suas ferramentas de mudança: a Maps empreendeu pesquisas destinadas a demonstrar aos reguladores e ao público em geral que remédios psicodélicos podiam de fato aliviar o sofrimento. Em sua trajetória, consumiu uma prodigiosa quantidade dessas drogas, mesmo depois de tornarem-se ilícitas.

Hoje, Doblin e a Maps estão próximos de um avanço – na verdade, de mais de um.

A Maps, que por muito tempo foi pouco mais que Doblin e uma newsletter que ele publicava algumas vezes por ano, tornou-se uma organização com mais de 100 pessoas e que, no ano fiscal de 2020, despendeu US$ 18,6 milhões. O desenvolvimento de drogas é seu mais importante trabalho. Em novembro do mesmo ano, a Maps anunciou novos resultados de seus testes clínicos de longa duração com MDMA, um sintético químico conhecido como Ecstasy ou Molly, que tem grande probabilidade de se tornar o primeiro remédio psicodélico aprovado pelo FDA, a agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos. A psicoterapia, em conjunto com MDMA, provou ser um tratamento efetivo do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) para militares veteranos e vítimas de trauma ou abuso sexual. Se a MDMA for aprovada como medicamento, é bem possível que seja seguida por outras drogas psicodélicas.

Como grupo de apoio jurídico, a Maps também teve progresso impressionante na construção de uma coalizão de pessoas que acreditam no poder das substâncias psicodélicas. Nas eleições de 2020, os eleitores no estado americano de Oregon aprovaram uma medida para descriminalizar a posse de qualquer droga, num forte golpe contra a guerra às drogas. Em outra votação, aprovaram o uso médico e regulado da psilocibina, o ingrediente ativo dos chamados cogumelos mágicos. Em quatro outros estados, entre eles Dakota do Sul, onde o ex-presidente Donald J. Trump venceu amplamente, os votantes aprovaram legalizar o uso recreacional da marijuana. Com isso, adultos em 15 estados hoje podem fumar erva e comer chocolate ou guloseimas com acréscimo de marijuana.

Doblin desconhecia o fato de que droga alguma jamais havia sido transformada em remédio por uma organização não lucrativa. Se soubesse, isso provavelmente não teria importado.

 

Ao mesmo tempo, floresce a pesquisa médica sobre drogas psicodélicas. Um registro governamental lista quase 300 testes clínicos para analisar o efeito de substâncias psicodélicas que estão completos, em andamento ou prestes a começar. Muitos são feitos nas escolas de medicina de universidades de prestígio como New York University, University of California, Yale University e Johns Hopkins University, cujo Centro para Pesquisas de Drogas Psicodélicas e Consciência proclama-se a instituição de ponta em pesquisa de substâncias psicodélicas nos Estados Unidos.

Os defensores das drogas psicodélicas sustentam que elas podem transformar a saúde mental. Indicações iniciais sugerem que, aliados à psicoterapia, os psicodélicos podem de fato tratar um amplo leque de doenças, entre as quais depressão, ansiedade e dependência de álcool e de tabaco. Estudos futuros buscarão verificar sua eficácia no tratamento de opioides, anorexia nervosa e até a doença de Alzheimer.

Doblin e a Maps não avançaram sozinhos. A Drug Policy Alliance (Aliança de Política de Drogas), fundada por George Soros, liderou a luta política contra a guerra às drogas. O Heffter Research Institute, uma organização sem fins lucrativos fundada pelo farmacologista David Nichols, da Purdue University, organizou e financiou pesquisas sobre substâncias psicodélicas, particularmente a psilocibina. Uma eclética mescla de doadores – ex-hippies, milionários do Silicon Valley, descendentes de John D. Rockefeller, conservadores, liberais e libertários – estabeleceu pontes entre divisões políticas e culturais para apoiar a Maps. Mais recentemente, startups farmacêuticas juntaram-se a eles, na expectativa de explorar comercialmente as drogas.

Doblin esteve no centro disso tudo, ou perto dele. “Rick foi o real instigador”, diz Tom Shroder, autor de Acid Test: LSD, Ecstasy, and the Power to Heal (Teste de ácido: LSD, Ecstasy e o poder de curar, ainda sem tradução para o português), um livro sobre psicodélicos com base na história de Doblin. “Ele tinha essa visão – essa certeza – de que as substâncias psicodélicas eram demasiado importantes para permanece na clandestinidade. Ele é a razão de tudo isso que está acontecendo.”

 

Paranoia e criminalização

 

Psicodélicos não são novos, é claro. Alguns acadêmicos sustentam que alucinógenos à base de plantas impulsionaram experiências sobrenaturais descritas em antigos textos religiosos. A ayahuasca, uma mistura feita de uma planta contendo DMT (dimetiltriptamina, também chamada a “molécula do espírito”), há muito é usada em rituais religiosos por povos indígenas da região amazônica, enquanto pessoas do norte do México e do sudoeste dos Estados Unidos usavam (e ainda usam) um composto derivado do peiote como parte de cerimônias religiosas. Nos anos 1950 e 1960, mais de 40 mil pacientes receberam o LSD, uma substância química sintética, e a psilocibina, princípio ativo dos cogumelos mágicos, então legais nos Estados Unidos, segundo a Administração de Combate às Drogas (DEA, na sigla em inglês), e mais de mil artigos científicos foram analisados. Em um prenúncio dos atuais estudos sobre psicodélicos e adicção, Bill Wilson, um cofundador dos Alcoólicos Anônimos, experimentou LSD e tentou, sem sucesso, levar a droga para o programa.

Toda essa pesquisa parou como um carro chocando-se contra um muro no final da década de 1960. Alguns cientistas responsabilizam Timothy Leary, o professor de psicologia de Harvard que se tornou um herói da contracultura. Ele exagerou os benefícios e minimizou os riscos das substâncias psicodélicas, estimulando seus seguidores a “se ligar, se sintonizar e cair fora do sistema”. Com o auxílio de uma mídia crédula, o governo fez exatamente o oposto, difundindo lendas de bad trips e de usuários de LSD que ficaram cegos de tanto fitar o sol. Doblin rejeitou as táticas de medo, particularmente depois de ter começado a usar LSD e mescalina. Sim, havia viagens ruins, até mesmo aterrorizantes, mas ele sabia que, quando usadas com suficiente cautela, as drogas podiam transformar vidas.

“A narrativa comum é que a violenta reação dos anos 1960 ocorreu porque as substâncias psicodélicas iam mal”, diz Doblin. “O que compreendi foi que a repressão ocorreu pelo fato de as substâncias psicodélicas irem bem. Drogas psicodélicas eram parte da contracultura, com os protestos contra a Guerra do Vietnã, o movimento ambientalista, o movimento pelos direitos das mulheres. As substâncias psicodélicas estavam motivando as pessoas a desafiar o status quo.”

Doblin estava dentro de tudo isso. De volta a Sarasota, encontrou emprego como empreiteiro e gastou a herança que recebera do avô para construir uma casa (que ele ainda possui) antes de retornar ao New College. Esperando tornar-se terapeuta, participou de workshops no Esalen Institute, um retiro New Age nas colinas com vista para Big Sur, na Califórnia. Ali estudou com Stanislav Grof, renomado psicoterapeuta checo que dera drogas psicodélicas a seus pacientes. Em 1982, durante um workshop intitulado “The Mystical Quest” nesse local, Doblin deparou-se com a MDMA – a droga que se tornaria seu foco.

Oficialmente conhecida como 3,4-metilenodioxi metanfetamina, a MDMA tem uma história peculiar. Descoberta e patenteada em 1912 pela Merck, que não viu valor nela, caiu na obscuridade para voltar brevemente à superfície na década de 1950, quando a CIA, Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos, pesquisou substâncias psicodélicas para uso como armas químicas. Em 1976 foi novamente sintetizada por Alexander “Sasha” Shulgin, um químico brilhante e excêntrico que desenvolveu centenas de drogas psicoativas em seu laboratório doméstico nas colinas de Berkeley, Califórnia.

Shulgin amou a MDMA. “Sinto-me absolutamente limpo por dentro, e não há senão pura euforia”, ele escreveu em suas notas de laboratório após tomar a droga. “Jamais me senti tão bem, ou acreditei que isso fosse possível. A limpeza, a clareza e a maravilhosa sensação de sólida força interior continuaram pelo resto do dia e pela noite. Estou comovido pela profundidade da experiência.”

O psicoterapeuta Leo Zeff foi igualmente conquistado quando Shulgin lhe deu MDMA. Segundo suas estimativas, depois de adiar sua aposentadoria, Zeff treinou discretamente mais de 150 terapeutas no uso da droga, rebatizada de Adam, um anagrama que evocava a inocência do Jardim do Éden. Ele insistia que qualquer terapeuta que pretendesse fazer uso da droga deveria experimentá-la primeiro.

A MDMA não é uma substância psicodélica clássica. À diferença do LSD ou da psilocibina, é improvável que provoque alucinações, percepções alteradas ou perda de controle; em vez disso, tende a gerar sensações de abertura, bem-estar e compaixão.

Julie Holland, psicofarmacologista, psiquiatra e autora do livro Ecstasy: The Complete Guide (Ecstasy: o guia completo), afirma: “A MDMA é apenas uma substância química delicadamente perfeita para intensificar o processo de psicoterapia. […] A MDMA ajuda as pessoas a se sentirem mais abertas e confiantes no terapeuta […] a ficarem despertas, alertas, verbais, querendo conversar, querendo explorar”.

Doblin enxergou isso em primeira mão. Em uma TED Talk, contou como deu MDMA e LSD à namorada de um amigo da faculdade, para ajudá-la a se recuperar de uma horrível agressão sexual. (isso foi em 1984, quando a droga era legal.) Ele declarou ter tomado MDMA mais de 120 vezes.

A MDMA era sedutora demais para permanecer clandestina. No início dos anos 1980, Michael Clegg, um ex-padre católico, rebatizou-a como Ecstasy e começou a produzir e a vender a droga em larga escala. Podia ser encontrada em casas noturnas de elite, do Studio 54 em Manhattan ao Starck Club de Dallas. A popularidade do Ecstasy cresceu até mesmo quando a primeira-dama Nancy Reagan estimulava as pessoas com o lema “simplesmente diga não” às drogas e um programa educativo de resistência ao uso de drogas se espalhava pelas escolas, de modo que não houve surpresa quando as autoridades o reprimiram. Em 1985, a DEA adotou uma ação de emergência para banir a MDMA e disse pretender classificá-la permanentemente como droga da Classe 1.

Doblin reagiu, com o orgulho desmedido de um homem de 31 anos que ainda precisava terminar a faculdade. Levantou diversos recursos, entre os quais com a viúva de Aldous Huxley, cujo livro de 1954, As portas da percepção, ajudou a popularizar as substâncias psicodélicas. Além disso, reuniu cartas de terapeutas atestando os benefícios da MDMA. Doblin contratou um advogado pro bono e processou a DEA. (A New College deu-lhe créditos escolares por trabalhar no processo.) Antes de o banimento acontecer, Doblin encomendou 1 quilo de MDMA por US$ 4 mil a David Nichols, o farmacologista da Purdue que tinha uma licença da DEA para produzir drogas da Classe 1. Revelou-se o suficiente para décadas de pesquisas sobre a MDMA. “Ele teve visão ao colocar todos os ovos naquela cesta”, declarou Nichols.

A DEA realizou audiências e reuniu milhares de páginas de evidências. Em uma sentença de 71 páginas, um juiz decidiu contra a agência, considerando que a droga tinha usos médicos reconhecidos e um baixo potencial de adicção. Mas a sentença tinha caráter consultivo e foi ignorada.

“Lutamos ao longo de todo o processo e ganhamos o caso”, diz Doblin, “e, no final, perdemos. Foi de partir o coração.” A criminalização barrou o uso terapêutico da MDMA, mas teve pouco efeito em seu uso recreacional. A MDMA, não raro adulterada com outras drogas, tornou-se popular em festivais e em raves.

Apesar de desencorajado, Doblin não desistiu. Foi uma sorte porque essa derrota foi a primeira de muitas. Com pouco mais que a droga comprada de Nichols e a pesquisa com terapeutas sobre MDMA, Doblin deu o passo inicial para que a Maps viesse a fazer da MDMA um remédio legalizado. “O único caminho para a frente passa pela FDA”, declarou.

Na ocasião, Doblin desconhecia o fato de que droga alguma jamais havia sido transformada em remédio por uma organização não lucrativa. Se soubesse, isso provavelmente não teria importado.

 

O direito de mudar sua consciência

 

A Maps lutou durante anos para fazer jus a seu nome – Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos. Começou não como uma associação, mas como uma iniciativa solitária. Doblin, o único membro da equipe, não recebeu salário durante sete anos; na verdade, emprestou dinheiro à Maps para pagar despesas operacionais. “A captação de recursos era realmente difícil”, ele declarou.

Quanto aos estudos de substâncias psicodélicas, enquanto alguns cientistas davam MDMA para macacos, camundongos, ratos e outras cobaias, o governo dos Estados Unidos tornou praticamente impossível conduzir experimentos com pessoas. As décadas de 1980 e 1990 foram tempos sombrios para os psicodélicos; quaisquer vislumbres de esperança eram cobertos pelo Maps Bulletin, lançado três vezes ao ano enquanto Doblin trabalhava em seu PhD na Harvard Kennedy School. A publicação tornou-se leitura obrigatória para aqueles que seguiam os debates científicos, políticos e culturais em torno de substâncias psicodélicas.

 A edição do verão de 1992 do Maps Bulletin trouxe um desses vislumbres. “Uma nova era na pesquisa psicodélica está raiando”, declarou Doblin. A FDA acabara de dar permissão a Charles Grob, um psiquiatra da University of California, Los Angeles, que estava trabalhando com a Maps, para iniciar um estudo de terapia assistida por MDMA para tratar dores e desconforto em pacientes com câncer pancreático em estágio avançado. Doblin ficou tão emocionado – era uma “oportunidade histórica”, escreveu – que se licenciou de seus estudos de PhD para concentrar-se por completo na Maps.

Sua confiança foi equivocada. Grob completou um estudo de segurança da MDMA em voluntários saudáveis, mas a FDA por duas vezes não permitiu o uso da droga em pacientes com câncer. Surgiram questões sobre a neurotoxicidade da MDMA. Grob decidiu, em vez disso, realizar testes com psilocibina, com apoio do recém-formado Heffter Research Institute, que havia emergido como um amistoso rival da Maps – mas de qualquer modo um rival.

Os fundadores da Heffner posicionavam-se como cientistas em jalecos brancos. Queriam distanciar-se de Timothy Leary e de outros pesquisadores psicodélicos dos anos 1950 e 1960 cujo trabalho era visto como desleixado, ao menos pelos padrões atuais. “Éramos na maioria acadêmicos”, diz David Nichols, um fundador da Heffter. “Nosso paradigma era encorajar e apoiar pesquisa científica da mais alta qualidade, feita em instituições de ponta.”

Alguns no Heffter queriam distância de Doblin, de suas raízes antiestablishment e de sua oposição à guerra às drogas. Esperando manter a conversa a respeito de substâncias psicodélicos inteiramente separada do debate sobre drogas nocivas como heroína e cocaína, desaprovaram veementemente Doblin por se aliar à Drug Policy Alliance, por exemplo. “Não advogamos coisa alguma”, declarou Nichols.

Carey Turnbull, um empresário que fez fortuna no mercado de energia, foi um importante doador para o Heffter e agora é seu presidente. Ele admira o trabalho de Doblin e fez doações à Maps, mas doou mais fundos para pesquisa na New York University, Johns Hopkins e Yale. “Minha inclinação foi ir a uma importante universidade e me encontrar com psiquiatras de terno e gravata”, declarou.

Doblin usa gravata ocasionalmente, mas é visto com maior frequência com uma camisa aberta, com o cabelo revolto envolvendo uma área calva. Ele aceita de forma descontraída a acusação de que a Maps faz tanto política como ciência. “Nossa estratégia é dupla”, diz ele. “Queremos fazer remédios oriundos de drogas, mas também estamos muito interessados na reforma da política de drogas.” Em parte, é uma questão de princípio. “É um direito humano fundamental mudar sua consciência”, gosta de dizer. Mas também existem razões estratégicas para casar a pesquisa farmacêutica com o ativismo político.

Trabalho jurídico e trabalho político são por vezes requeridos para impulsionar desenvolvimentos. A Maps, por exemplo, fez lobby junto à FDA para permitir que um doutor na University of California, em San Francisco, estudasse o uso de marijuana para tratar pacientes de aids, na esperança de demonstrar por meio da ciência os benefícios médicos da droga. A Maps também conduziu um trabalho jurídico bem-sucedido para terminar com o monopólio no plantio de marijuana para pesquisa que estivera nas mãos do National Institute on Drugs Abuse (Instituto Nacional sobre Uso de Drogas), que contratava um único laboratório na University of Mississippi desde 1968. A Maps queria mudar a narrativa cultural sobre drogas – antes marijuana, agora substâncias psicodélicas – demonstrando que tinham valor terapêutico. “A legalização segue a medicalização”, diz Doblin.

 

O modelo da Maps manterá os interesses comerciais sob controle ao tornar seu tratamento amplamente disponível a um custo razoável.

 

O trabalho político também traz benefícios na captação de recursos. Doadores mais conservadores podem ter recuado diante da abordagem de Doblin, mas veteranos da contracultura reconheceram um companheiro de viagem. “Usei psicodélicos para recreação e crescimento pessoal”, diz John Gilmore, cofundador da Electronic Frontier Foundation, que defende liberdades civis na internet. “Sabia que toda a guerra às drogas e a perseguição a essas drogas não tinham base na realidade.” Gilmore, que foi um dos primeiros empregados da Sun Microsystems, destinou US$ 10 milhões à reforma da política de drogas e atualmente preside o Conselho da Maps. Ele estima que mais de 90% do dinheiro obtido pela entidade vem de psiconautas, termo usado para descrever os que usaram psicodélicos para explorar suas mentes.

Enquadrar o acesso a drogas psicodélicas e à marijuana como uma questão de direitos humanos agradou à Libra Foundation, projeto familiar de filantropia estabelecido por Nicholas e Susan Pritzker, que tinha foco nos direitos humanos. A Libra deu mais de US$ 1,3 milhão à Maps na década de 2010, como parte de seu apoio à reforma da justiça criminal. Na ocasião, a Maps estava – finalmente – fazendo progressos junto à FDA.

Um casamento ideal

 

Michael Mithoefer conheceu Rick Doblin em uma conferência sobre ayahuasca em San Francisco em 2000. Foi um momento decisivo para ambos e para a Maps. Juntos, começaram o trabalho que permanece sendo o foco da organização: fazer da MDMA um remédio aprovado pela FDA.

Os dois eram almas gêmeas. Mithoefer havia experimentado LSD e ayahuasca e estudara respiração holotrópica – uma técnica que usa respiração rápida para alcançar estados alterados de consciência – com seu inventor, Stanislav Grof, mentor de Doblin. Mithoefer, que começara sua carreira na medicina como emergencista em pronto-socorro, passou para a psiquiatria porque desejava explorar o potencial de cura das substâncias psicodélicas. Ele tinha especial interesse no TEPT.

Se a meta era conquistar apoio para remédios psicodélicos por parte de regulamentadores, doadores e do público, a MDMA e o TEPT formavam um casamento ideal de droga e transtorno.

“Rapidamente concordamos que a MDMA tinha qualidades particulares que poderiam torná-la boa para o TEPT”, lembra Mithoefer. A MDMA melhora o estado de espírito e constrói confiança entre o paciente e o terapeuta, ajudando aquele a revisitar memórias traumáticas e a trabalhá-las. “É como recriar um ambiente de apoio dos pais”, observou Doblin. Em poucas palavras, a dimensão científica parecia auspiciosa.

A dimensão política também. MDMA é a mais suave das drogas psicodélicas e a de menor probabilidade de produzir viagens ruins. Terapeutas receosos em relação ao LSD ou à psilocibina poderiam ser persuadidos a trabalhar com a MDMA, pensou Doblin. E mais, ainda que a MDMA fosse controvertida devido a seu amplamente difundido uso recreacional como Ecstasy, a droga fora analisada em mais de 1.200 estudos revisados por pares, a maioria realizada por pesquisadores que procuravam documentar seus malefícios. Debatia-se quanto aos danos que a MDMA poderia ocasionar em usuários pesados ou pessoas em festas que se esgotavam enquanto estavam sob o efeito do Ecstasy, mas havia pouca evidência de que ela era nociva quando usada com parcimônia em ambientes clínicos.

Enquanto isso, a conscientização sobre o TEPT estava aumentando. O sofrimento induzido em soldados pelo trauma havia muito era reconhecido como um problema – chamavam-no de “shell shock” (choque de bombardeio) durante a Primeira Guerra Mundial – mas a condição só apareceu no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, o DSM, publicado pela Associação Americana de Psiquiatria, em 1980. O sofrimento dos veteranos do Vietnã chamou a atenção para o problema nos anos 1970, mais ou menos na mesma época em que o trauma causado por estupro ou agressão sexual em mulheres passou a ser compreendido como uma forma de TEPT.

Seja como for, Doblin e Mithoefer lutaram muito para fazer decolar os testes clínicos da Fase 2, depois de Charles Grob ter cuidado dos da Fase 1, com foco na segurança. Na Fase 2, os testes buscaram definir um protocolo de tratamento, determinar a dose ótima, identificar a população de pacientes e avaliar o efeito da droga. Eles lançaram os fundamentos para a Fase 3, cujos testes avaliam os efeitos da droga e a segurança, comparando-os com um tratamento corrente ou um placebo.

 Dessa vez, a FDA não foi um problema: a agência prontamente aprovou o protocolo da Maps. Isso decorreu em parte dos anos em que Doblin cultivou relacionamentos com os regulamentadores, bem como de seu conhecimento da maneira pela qual o sistema funcionava. Sua tese de doutorado, apresentada em 2000, era sobre regulação do uso médico de substâncias psicodélicas e de marijuana.

Mas o plano de Mithoefer de realizar os testes na Medical University of South Carolina, onde ele ensinava, fracassou quando eles atraíram publicidade. Ele ficou pesaroso, declarou na ocasião, “em ver o grau em que a liberdade acadêmica em uma universidade pode ser restringida pelo preconceito e pela pressão política”. Os testes foram deslocados para seu consultório particular.

Sem acesso à universidade ou ao seu Institutional Review Board (IRB, Conselho Institucional de Revisão), Doblin e Mithoefer buscaram um conselho independente para aprovar os testes, como exigido pela FDA. (Os IRBs revisam pesquisas médicas envolvendo participantes humanos para garantir que os direitos e o bem-estar destes sejam protegidos.) Nada menos que sete IRBs se recusaram. Doblin voltou-se para uma empresa privada de IRB, o Copernicus Group, na esperança de que, dado o seu nome, ela apoiaria uma empreitada científica que enfrentava forte oposição política. O Copernicus de fato aprovou, mas não antes de estipular que não queria seu nome no website da Maps ou em quaisquer outros materiais.

Não ajudou o caso deles o fato de George Ricaurte, um neurologista e proeminente expert em MDMA, que era financiado pelo National Institute on Drug Abuse (Instituto Nacional sobre Abuso de Drogas), ter publicado um estudo na Science em 2002 alegando que uma única dose de MDMA podia causar dano cerebral permanente. O estudo foi questionado por Doblin, entre outros, e retirado depois que se determinou que Ricaurte havia provocado uma overdose em macacos com metanfetamina, não Ecstasy. Diz Doblin: “Havia uma perversão da ciência a serviço da guerra às drogas”.

O último obstáculo remanescente era a DEA. A agência levou meses para decidir se Mithoefer conservaria adequadamente uma pequena quantidade de MDMA guardada em seu consultório. (Valia menos de US$ 100 nas ruas.) Um funcionário da DEA disse-lhe que haviam planejado fazer uma verificação de antecedentes de uma terapeuta que alugava um consultório vizinho, para “ter certeza de que ela não vai furar a parede ou algo assim”, Mithoefer escreveu em suas notas na época. Quando ele lhe disse que devia esperar uma investigação da DEA, a terapeuta respondeu: “Diga-lhes que não sou muito boa com ferramentas”.

Finalmente, em 16 de abril de 2004, Mithoefer e sua esposa, Annie, uma enfermeira, deram uma dose de MDMA – ou, talvez, um placebo – a seu primeiro paciente. Começou assim o primeiro dos seis testes randomizados, duplo-cego, da Fase 2 da terapia auxiliada pela MDMA, que com o tempo se expandiria para outros locais nos Estados Unidos, Canadá, Suíça e Israel. Os Mithoefer continuaram a refinar o protocolo de tratamento, publicando sete versões de um manual que chegou a 69 páginas e cobria tudo, do ambiente (calmo, privado, confortável, com o paciente sentado ou deitado em um sofá) à música (usualmente instrumental, por vezes calma e tranquila, por vezes mais dramática) até o papel do terapeuta como um ouvinte cheio de empatia.

A Maps terminou por estabelecer um protocolo de três meses e meio que inclui três sessões de dia inteiro, durante as quais o paciente toma MDMA. Três sessões de 90 minutos de psicoterapia precedem a primeira experiência com a droga, e três sessões se seguem a cada contato com a substância.

Dois terapeutas, normalmente um homem e uma mulher, cuidam do tratamento. Dois são indicados por motivos de ordem prática – alguém precisa estar com o paciente o tempo todo durante os longos dias sob o efeito da MDMA – e também porque alguns reagem melhor à presença de um homem, outros à de uma mulher. Os terapeutas são encorajados a experimentar a MDMA, e a maioria o faz.

“Acreditamos que o terapeuta será mais efetivo se ele próprio tiver usado a droga”, explica Doblin. “Você não vai a um professor de ioga que jamais praticou ioga.” (Verdade, mas uma analogia pobre; muitos obstetras e ginecologistas perfeitamente capazes jamais tiveram filhos.)

Precisamente como a MDMA afeta o cérebro é algo ainda pouco claro. Os cientistas dizem que a substância intensifica a liberação de neurotransmissores, entre eles a serotonina e a dopamina, e hormônios, incluindo a oxitocina e o cortisol, que podem reduzir a atividade em regiões do cérebro como a amígdala e a ínsula, implicadas na expressão de comportamentos relacionados ao medo e à ansiedade. A MDMA pode contribuir para o reprocessamento de memórias traumáticas e para o engajamento emocional com processos terapêuticos.

De todo modo, todos concordam que o importante é a terapia, não a droga. “A MDMA jamais vai ser um remédio de uso doméstico”, diz Doblin. “Ela ajuda a terapia a se tornar mais efetiva.” Os testes da Fase 2 destinavam-se, em parte, a verificar se a terapia com um placebo funcionava tão bem quanto a terapia com MDMA: não funcionou.

Em um estudo de 2019 publicado na Psychopharmacology, Mithoefer, Doblin e alguns colegas relataram que 54% dos participantes que passaram por terapia com MDMA – mais de duas vezes o número do grupo de controle – não se encaixavam mais no diagnóstico de TEPT dois meses depois de sua dose final de MDMA. Melhor ainda, as pessoas continuaram a evoluir por si mesmas. Um ano depois, para dois terços delas o diagnóstico de TEPT não se aplicava.

A FDA estava convencida de que, para dizer o mínimo, o tratamento tinha potencial. A agência deu permissão à Maps para conduzir os testes da Fase 3 – os primeiros já realizados para uma droga psicodélica. Também garantiu o que chamava de Designação de Terapia de Ruptura para a terapia auxiliada pela MDMA para o TEPT. A agência reserva essa designação para tratamentos de condições severas que parecem oferecer melhorias substanciais em relação a terapias existentes; a maioria das drogas designadas como de ruptura ganha mais adiante aprovação como medicamento. Finalmente, a Maps e a FDA concordaram em pontos de referência para os testes da Fase 3 que, se atendidos, apoiariam a aprovação regulatória pela FDA.

David Nutt, neuropsicofarmacologista no Imperial College London e fundador da organização não lucrativa Drug Science, declarou à revista Science: “Esse não é um grande passo científico. Há 40 anos sabemos que essas drogas são medicamentos. Mas é um grande passo no que se refere à aceitação”.

 

Renascimento terapêutico

Enquanto a Maps desenvolve suas pesquisas com a MDMA, outros cientistas vêm aprendendo mais sobre psicodélicos clássicos. Em estudos na Johns Hopkins e na NYU, a terapia auxiliada com psilocibina mostrou-se promissora para o tratamento da ansiedade e da depressão relacionadas ao câncer, da dependência a tabaco e álcool e da depressão resistente a tratamentos. A euforia quanto a remédios psicodélicos está crescendo, em parte porque é pouco usual que um único medicamento trate tantos males.

“A terapia psicodélica parece ser muito potente para inúmeras condições diferentes”, diz William A. “Bill” Richards, um veterano pesquisador psicodélico atualmente ligado à Johns Hopkins. “Não depende de nossa nomenclatura do DSM. Fala aos seres humanos de seus próprios recursos interiores. Ajuda-nos a despertar e a ficar vivos quando usada com inteligência e habilidade.”

Diferentemente de muitas drogas psiquiátricas, tomadas por meses ou anos, os medicamentos psicodélicos são ingeridos não mais que um punhado de vezes, sempre acompanhados pela psicoterapia. Trata-se de um modelo pioneiro de tratamento, no qual o efeito biológico dos medicamentos estimula novos insights e proporciona mudanças comportamentais. Matthew Johnson, outro pesquisador da Johns Hopkins, a chama de “uma mudança de paradigma no tratamento psiquiátrico”.

A natureza inovadora dessa pesquisa, somada ao estigma associado aos psicodélicos, ajuda a explicar por que está levando tanto tempo para obter a aprovação regulatória. Em 2001, Doblin estimava que seriam necessários cinco anos e US$ 5 milhões para fazer da MDMA um remédio. Vinte anos e cerca de US$ 75 milhões depois, ele ainda não chegou lá. “Sou constitucionalmente inclinado ao otimismo”, diz ele.

Mas o fim está à vista. O primeiro conjunto de testes da Fase 3 confirmou os resultados favoráveis da Fase 2, bem como uma análise independente realizada nesse ínterim, que determinou haver uma probabilidade de 90% ou mais de os testes, quando completados, detectarem resultados estatisticamente relevantes. A Maps está tão confiante na eficácia do tratamento que iniciou um segundo e final conjunto de testes da Fase 3 em 11 locais nos Estados Unidos, dois no Canadá e um em Israel, envolvendo cerca de 100 participantes. Se tudo correr bem, a FDA vai aprovar a MDMA como medicamento durante a primeira metade de 2023. O mais importante foi que a Maps desbravou um caminho através do que era território virgem para a FDA.

Os testes estão sendo realizados pela Maps Public Benefit Corporation (Corporação de Benefício Público da Maps), uma subsidiária para fins lucrativos, de propriedade total da Maps, que será responsável pela implementação comercial da psicoterapia auxiliada pela MDMA. Amy Emerson, ex-executiva da companhia farmacêutica Novartis, é a principal executiva da corporação de utilidade pública. Seu alvará, obtido em Delaware, estipula que a companhia opere de modo a servir o interesse público, o que significa, entre outras coisas, que eventuais lucros retornarão à Maps para financiar pesquisas e atividades de defesa jurídica.

Descartando-se contratempos inesperados, a comercialização será o próximo empreendimento importante para a Maps. A organização terá de treinar centenas de terapeutas ou licenciar outros para fornecer o treinamento. Muitas questões acerca de como isso vai funcionar permanecem sem resposta. A FDA e a Maps estão barganhando, por exemplo, sobre quais qualificações serão requeridas dos terapeutas. Os estados podem aplicar suas próprias leis de licenciamento; eles poderiam exigir, por exemplo, que um médico esteja presente quando a droga for administrada. Também está sem resposta a questão crítica de saber se as seguradoras privadas ou o governo, por meio de programas como Medicaid e Medicare, ou a Administração de Veteranos, pagarão por um tratamento de custo estimado em cerca de US$ 15 mil, dependendo dos preços cobrados pelos terapeutas. Citando um estudo publicado no periódico PLOS One, a Maps argumenta que a sua terapia assistida com MDMA para TEPT severo na verdade economizará dinheiro quando comparada a tratamentos mais convencionais.

Enquanto a Maps se aproximava da meta de fazer da MDMA um medicamento, sua base de captação de recursos se expandia além dos psiconautas, para incluir proeminentes doadores do Vale do Silício e de Wall Street ligados a questões de saúde mental, particularmente o TEPT. A perspectiva de ajudar veteranos foi bem-vista pela Steven & Alexandra Cohen Foundation, liderada pelo fundador de um fundo hedge bilionário e sua mulher, que deram US$ 5 milhões à Maps (o filho dos Cohen, Robert, um fuzileiro naval dos EUA, serviu no Afeganistão); ou Rebekah Mercer, uma doadora para causas conservadoras cuja fundação familiar doou US$ 1 milhão. Bob Parsons, fundador da GoDaddy e da fabricante de equipamentos de golfe PXG, é um veterano do Corpo de Fuzileiros Navais que lutou contra o TEPT; ele e a esposa, Renee Parsons, presidente da PXG Apparel, doaram US$ 2 milhões à Maps por meio de sua fundação familiar. Os administradores de fundos hedge Alan Fournier e John Griffin doaram US$ 1 milhão cada um em memória de seus pais, que lutaram na Segunda Guerra Mundial.

Outros doadores importantes dizem que o uso de substâncias psicodélicas mudou sua vida. Com sua postura progressista e seu rabo de cavalo, David Bronner, CEO da empresa familiar Dr. Bronner’s, fabricante de sabonetes e outros produtos de higiene pessoal, permanece como o maior doador individual da Maps, tendo contribuído com US$ 5 milhões. O autor, podcaster e investidor Tim Ferriss, que lutou contra uma depressão e encontrou alívio com drogas psicodélicas, é outro importante propagador da causa, tendo dado US$ 1 milhão de seu próprio dinheiro e ajudado a conduzir no ano passado uma campanha de US$ 30 milhões que financiará o resto das atividades da Fase 3 nos Estados Unidos. Outra campanha de US$ 30 milhões está em andamento para pagar pela pesquisa da Fase 3 na Europa, que, se bem-sucedida, deve tornar a MDMA um medicamento disponível na maior parte do mundo.

À medida que mais pessoas aprendem sobre o potencial terapêutico dos psicodélicos, drogas antes demonizadas como ameaças para os adolescentes da América são vistas agora como instrumentos de cura. Veículos do establishment como The New York Times, 60 Minutes e CNN prestam respeitosa atenção aos cientistas das universidades que estudam as drogas. “Superamos o fantasma de Timothy Leary”, disse Doblin. Um sinal da reviravolta: a Medical University of South Carolina, que antes menosprezou Michael Mithoefer, pediu-lhe para ajudar a estabelecer um centro de medicina psicodélica.

Graham Boyd, advogado e fundador da New Approach PAC (Nova Abordagem – Comitê de Ação Política), que financiou o item da eleição do Oregon para legalizar o tratamento com psilocibina, rastreou mudanças de atitudes em relação às drogas. “De forma semelhante, a Maps e Michael Pollan contribuíram para uma atmosfera de curiosidade pública e receptividade em torno dos psicodélicos”, declarou. O artigo de Pollan em 2015 para a New Yorker “The Trip Treatment” (O Tratamento da Viagem) e o bestseller de 2018 Como mudar sua mente: o que a nova ciência dos psicodélicos pode nos ensinar sobre consciência, morte, vício, depressão e transcendência transformaram o discurso público sobre o assunto. Mas Doblin provavelmente alcançou mais pessoas por meio de podcasts populares como The Joe Rogan Experience e The Tim Ferriss Show e com sua TED Talk, que tem 2,8 milhões de visualizações.

Os investidores perceberam. Nos últimos anos, dinheiro foi despejado em empresas que esperam capitalizar o potencial dos psicodélicos. Seus apoiadores dizem que a empreitada de trazer medicamentos psicodélicos para o mercado é demasiado custosa e complexa para organizações não lucrativas. “Quando há uma falha de mercado, você precisa de filantropia. Quando se vê promessa, você precisa de um modelo diferente”, diz George Goldsmith, cofundador da Compass Pathways, uma startup psicodélica. “É por isso que empresas farmacêuticas existem.” A Compass Pathways, que está pesquisando a terapia com psilocibina para depressão, levantou US$ 147 milhões no ano passado, quando vendeu ações para o público. Um website intitulado Psychedelic Finance rastreia as ações de uma dúzia de companhias de capital aberto e de igual número de startups privadas que buscam fazer dinheiro a partir das drogas. Algumas se aproximaram da Maps. “Temos descartado investidores à direita e à esquerda”, declarou Doblin. A razão, explica, é que o modelo da Maps – uma companhia com fins lucrativos pertencente a uma organização não lucrativa – vai conservar os interesses dos negócios sob controle, ao tornar seu tratamento amplamente disponível a preço razoável. A Maps pretende fazer dinheiro ao vender a MDMA por pelo menos cinco anos, antes que os fabricantes de genéricos possam se juntar a ela, mas não tem desejo de monopolizar o mercado. “A escala de sofrimento é tão grande que precisamos que todos se envolvam”, diz Doblin. “Queremos que a companhia com fins lucrativos tenha êxito.”

No último Maps Bulletin, Doblin adota um tom entusiástico: “Estamos agora em pleno processo de renascimento da pesquisa psicodélica, do florescer das companhias com fins lucrativos e não lucrativos, e dos esforços bem-sucedidos de reforma da política de drogas psicodélicas”.

Isso dito, há muito trabalho pela frente. O objetivo último de Doblin continua a ser a saúde mental em massa. Não está claro como isso vai acontecer, mas ele fala sobre um futuro que inclui uma rede global de clínicas psicodélicas, nas quais, com orientação, adultos buscando crescimento pessoal ou espiritual poderiam ter acesso a psicodélicos. Ele visualiza um mundo pós-proibição de “legalização licenciada”, no qual os adultos precisariam estudar e passar por um teste para obter permissão para experimentar drogas, exatamente como hoje precisam ser testados para tirar uma carteira de motorista. Ele estima que as substâncias psicodélicas poderiam estar ampla e legalmente disponíveis por volta de 2035.

 

O AUTOR

Marc Gunther (@marcgunther) é um jornalista veterano que escreve sobre fundações e organizações sem fins lucrativos.



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