Os perigos da perseverança
Pressionar estudantes de baixa renda a trabalhar mais em nome da perseverança pode ser prejudicial
Por Daniela Blei

Há muitos anos, a organização Teach for America enviou Tom Wooten para trabalhar em uma escola numa comunidade pobre e racializada em Nova Orleans. Wooten notou que muitos de seus mais promissores e esforçados alunos do sétimo e oitavo anos eram os que tinham mais dificuldades na transição para o ensino médio e depois para a faculdade. Dados do Centro Nacional de Estatísticas Educacionais dos Estados Unidos mostram que, entre os 20% da população com menor renda, apenas 15% dos estudantes que frequentam uma faculdade recebem um diploma de bacharelado oito anos depois.
Wooten, hoje professor assistente de sociologia na Universidade do Estado da Louisiana, publicou um novo estudo no qual apresenta uma hipótese para explicar por que estudantes de baixa renda que sonham com um diploma universitário não conseguem atingir seu objetivo. Após passar dois anos fazendo trabalho etnográfico em campo, ele percebeu até que ponto mensagens e expectativas culturais atrapalham estudantes de baixa renda com inteligência acima da média.
“O conceito de perseverança foi adotado por grande parte da sociedade”, afirma Wooten. “Quando eu lecionava no ensino fundamental, havia pôsteres sobre perseverança. Fazíamos discursos sobre quanto os alunos teriam de se esforçar para realizar seus sonhos. Em minha pesquisa, vi alunos do ensino médio ouvirem o mesmo de seus professores. Só percebi que isso poderia ser um problema quando notei como esses alunos aplicaram esses ensinamentos na faculdade.”
Wooten descobriu que, quando assumiam compromissos em excesso, como muitas disciplinas na faculdade, trabalhos remunerados e atividades extracurriculares, estudantes de baixa renda recorriam a um discurso familiar: “Não estou me esforçando o bastante. Preciso ser mais perseverante”. Estudantes que assumiram mais compromissos do que seriam capazes de cumprir – um erro comum a todos os estudantes universitários, e um risco em particular para estudantes pobres – se culpavam por suas dificuldades. “Ao invés de reduzir, eles estavam redobrando seus esforços”, diz Wooten. “Seu autodiagnóstico era: ‘não estou me esforçando o bastante’.”
Wooten acompanhou oito alunos negros de duas turmas do último ano do ensino médio em duas escolas de Nova Orleans. Ele se sentava em carteiras vazias no fundo da sala de aula, preenchendo cadernos com observações e realizando entrevistas. Wooten se juntava aos alunos na hora do almoço, em excursões, ensaios de banda e até no trabalho. Também passou centenas de horas conhecendo as famílias e as redes sociais dos estudantes. A maioria deles eram os primeiros em suas famílias a frequentar uma faculdade. As razões de suas dificuldades na transição logo ficaram claras para Wooten.
Mensagens culturais sobre perseverança – particularmente a de que estudantes desfavorecidos e racializados precisam se esforçar mais que a maioria – eram prejudiciais, ele descobriu. “Embora o esforço seja necessário para o sucesso, precisamos parar de usar essa retórica hiperbólica sobre esforço com os jovens”, afirma Wooten. “Dizer a um estudante ‘devagar se vai ao longe’ ou ‘tenha calma’ pode ser mais benéfico do que dizer ‘faça tudo o que puder’.”
Além disso, a experiência de crescer na pobreza dava aos estudantes uma perspectiva motivacional muito diferente daquela comumente compreendida pelos educadores. “Um grande tema nas pesquisas sobre educação focadas nas aspirações de jovens pobres e racializados é o de que a pobreza leva os estudantes a desistirem, mas não acho que essa seja a principal narrativa a ser contada nos EUA na atualidade”, diz Wooten. Ele descobriu que, para muitos jovens desfavorecidos, circunstâncias difíceis só faziam aumentar sua motivação para alcançar o sucesso.
“A pobreza era uma das maiores razões pelas quais os participantes do meu estudo assumiam compromissos demais. Alguns deles precisavam trabalhar para pagar as contas. Outros simplesmente queriam muito correr atrás de seus sonhos após terem passado toda a infância desejando oportunidades que nunca tiveram”, lembra Wooten. “Muitas pesquisas descrevem como a pobreza pode levar crianças a desistirem de seus sonhos. Na maioria dos casos, vi o processo inverso. A pobreza pareceu fazer com que os jovens perseguissem seus sonhos com ainda mais fervor.” O esforço era uma faca de dois gumes: em excesso, prejudicava o estudante, impedindo uma transição bem-sucedida para a faculdade.
“Importantes estudos de ciências sociais enfatizam a importância do empenho e da persistência para o progresso acadêmico dos jovens”, diz Annette Lareau, professora de sociologia na Universidade da Pensilvânia. “Essa pesquisa valiosa problematiza tais descobertas, demonstrando as consequências negativas não intencionais dos esforços dos estudantes.”
Veja o estudo completo: “Effort Traps: Socially Structured Striving and the Reproduction of Disadvantage”, por Thomas Wooten, American Journal of Sociology, v. 130, n. 2, 2024.
A AUTORA
Daniela Blei é historiadora, escritora e editora de livros acadêmicos. Seu trabalho pode ser lido em daniela-blei.com/writing
*Artigo publicado originalmente na edição 11 da SSIR Brasil; leia aqui a edição completa
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