Como identificar – e consertar – um conselho que não funciona
Problemas em um conselho de administração em organizações sem fins lucrativos são mais comuns do que se imagina; para transformá-los em órgãos de alto funcionamento, deve-se estar atento a seis sinais
Por Alex Counts
Atuei em vários conselhos de administração de organizações sem fins lucrativos e escrevi dois livros sobre essas e outras experiências de liderança. Aprendi que construir e manter órgãos administrativos de alto funcionamento é um trabalho árduo e contínuo, mas que o esforço compensa. Se bem geridas, essas estruturas podem reforçar as bases de receita de uma organização, proporcionar acesso a figuras influentes, inspirar confiança nos stakeholders, ajudar a gerir riscos, melhorar o desempenho dos líderes e contribuir para a elaboração de uma missão e estratégia convincentes.
Infelizmente, muitas organizações sem fins lucrativos não desfrutam desses benefícios e seus conselhos são em alguma medida disfuncionais, com base num relatório de 2014 do Urban Institute e nas minhas três décadas de trabalho na área. É um tópico sobre o qual a literatura de gestão tem pouco a dizer. As pessoas geralmente não gostam de chamar a atenção para o fato de fazerem parte dessa parcela problemática. Um dos raros estudos de caso existentes, “Should It Survive? Charles Dunlap and the National Legal Foundation”, aborda uma organização que já não existe, o que pode ter ajudado os envolvidos a falarem abertamente.
Para ajudar a preencher essa lacuna, escrevi detalhadamente sobre um exemplo de conselho fraco que tentei reformar, sem sucesso, e ao qual tive que renunciar. Esse relato complementa este artigo, a fim de abordar a desafiadora questão dos conselhos disfuncionais. Descobri que recorrer à minha experiência pessoal é complicado – sem os devidos cuidados, pode prejudicar relacionamentos importantes – mas é necessário, dada a escassez de informações.
Em meus 30 anos de experiência em entidades não rentáveis, observei três tipos principais de órgãos malsucedidos:
– Conselho “carimbador”. Esse tipo de conselho aprova tudo o que a administração propõe e, muitas vezes, desempenha o papel de “líder de torcida”. Tendem a ocorrer em organizações com executivos-chefes carismáticos que valorizam a sua autonomia e montam um conselho com a expectativa de que os seus membros estejam de acordo com tudo e sirvam principalmente como “fachada” para tranquilizar stakeholders externos.
– Conselho microgerenciador. Esse tipo assume para si funções-chave da gestão, indo além de seu papel de governança padrão. A equipe fica sem poder algum e torna-se, muitas vezes, passiva (ou passivo-agressiva) diante de repetidas intromissões no que deveriam ser questões sob sua autoridade.
– Conselho fragmentado. Composto por pessoas que se preocupam apenas com uma parte da organização – muitas vezes, o programa ou atividade que apoiam financeiramente. Em vez de tentar como todas as peças de uma organização se encaixam, deixam essa tarefa exclusivamente para o executivo-chefe. A fragmentação pode ser perigosa quando as receitas de uma organização diminuem e as prioridades precisam ser reavaliadas de forma rápida e holística.
Existem muitas variações desses três modelos, incluindo híbridos. Certa vez, atuei em um conselho em que uma pequena parte do grupo microgerenciava a equipe, enquanto todos os demais serviam como “carimbadores”. Empresas com marcas ou líderes fortes podem se dar bem por um tempo trabalhando com um desses tipos, mas, quando surge uma crise, a deterioração acumulada começa a prejudicar seriamente a eficácia de uma organização sem fins lucrativos.
O caos da pandemia deve ter causado sofrimento a muitas organizações sem fins lucrativos com conselhos fracos. Uma gestora me disse que seu corpo diretivo, que incluía muitos aposentados e tendia ao perfil carimbador antes da covid, decidiu que na crise quis “mostrar serviço” sem ter muita noção de como contribuir de fato Isso resultou em muitas reuniões desnecessárias. Ela brincou que essa categoria era a do “conselho entediado”.
A falta de diversidade muitas vezes agrava essa disfunção. Ela pode levar ao pensamento uniforme, à miopia e a uma cultura de conselho que aliena pessoas que de outra forma poderiam ajudar a melhorar a organização. A diversidade étnica, racial e de gênero é importante. Também é saudável ter um órgão heterogêneo em termos de riqueza, profissões, estilo de trabalho, experiência, ideologia política, localização e fé religiosa (ou ausência dela). Incluir pessoas diretamente afetadas pelo problema social que uma organização procura resolver – como ter um ex ou atual sem-teto no conselho de um abrigo – é outra estratégia poderosa, ainda que difícil, para diversificar e melhorar um conselho.
Quando um conselho se torna disfuncional, reverter o quadro requer imenso esforço e paciência. As soluções habituais – autoavaliação, análise externa, retiros, limites de gestão ou recrutamento de novos membros – são muitas vezes ineficazes ou conduzem a melhorias que não duram muito. É preciso muito mais para conseguir que um conselho carimbador consiga se autoafirmar; para persuadir um conselho de microgestão a abrir mão desse hábito ou para inspirar todos os membros de um conselho fragmentado a se preocuparem com a organização por inteiro.
É muito mais fácil perceber precocemente sinais de alerta e cortar os problemas pela raiz. Aqui estão alguns exemplos de disfunções em conselhos e como lidar com elas:
1. Lealdade indevida | A principal e mais elevada lealdade dos membros do conselho deve ser para com a organização e a sua missão. Embora isso pareça óbvio, nem sempre é o que acontece. Certa vez, participei de um retiro no qual, durante a sessão de abertura, a maioria dos membros fez das expressões de lealdade ao fundador e ao diretor executivo o ponto central de suas apresentações. Eu só conseguia pensar que, se a lealdade deles a esses dois indivíduos fosse maior do que à missão da organização, seria preciso rezar para que essas duas coisas não entrassem em conflito (por exemplo, se o fundador ou diretor propusesse uma ideia bem-intencionada, mas altamente arriscada). De forma previsível, o conselho se tornou caótico em questão de dias, quando dois membros foram marginalizados após fazerem perguntas difíceis sobre estratégia, missão e cultura, que o diretor considerou inadequadas. Não estou sugerindo que os integrantes do conselho deixem de se comportar com sensibilidade ou mesmo deferência com aqueles que trabalharam para construir uma organização, muitas vezes com grande sacrifício pessoal, e também com aqueles que os convocaram. Mas, quando um membro do conselho tem informação suficiente para defender posições sobre questões organizacionais, tem a obrigação de fazê-lo visando aos melhores interesses da organização, independentemente de quem possa ofender. Por exemplo, em um conselho em que atuei, no momento devotar a nomeação de um novo diretor-geral, um único membro se absteve. Isso causou consternação e preocupação sobre desunião, mas levou o presidente a monitorar de perto o novo diretor durante seu primeiro ano, com base nas preocupações do membro que se absteve. Isso acabou resultando em uma coisa boa – garantiu a ajuda do conselho para suprir lacunas de experiência do novo líder e levou à contratação, ainda no início de seu mandato, de um adjunto com boas competências complementares às do diretor.
2. Apropriar-se de funções da gestão | Os membros do conselho que se voluntariam para trabalhar ao lado de profissionais podem ampliar o trabalho de uma organização sem fins lucrativos e obter uma compreensão mais profunda da organização. Mas quando isso resulta neles mandando na equipe, tomando decisões em nome de todos e fornecendo ao conselho avaliações negativas dos funcionários com base em noções breves de seu trabalho, o ambiente pode ficar tóxico e fazer com que a equipe se torne passiva, reservada ou se sinta desmoralizada. Integrantes do conselho que têm funções de decisão e liderança em seus cargos regulares são mais propensos a agir como se estivessem ou devessem estar no comando. Certa vez, a equipe de uma organização que dirigi dizia ter dois chefes – seu supervisor direto e um membro do conselho que se interessou pela função. Para evitar tal confusão, os integrantes precisam compreender que, quando procuram trabalhar com a equipe, eles são voluntários que por acaso estão no conselho, e não membros do conselho designados para supervisionar alguém ou dar ordens. Seu papel é ajudar, aconselhar e aprender. Também deve haver limites sobre o que os diretores podem dizer ao conselho a respeito do que aprenderam durante o voluntariado.
3. Desempenho não avaliado | Se você faz parte de um conselho, mas não tem ideia de como os outros enxergam sua participação e não possui meios de dar feedback sobre a cultura predominante, haverá problemas. Diferenças de opinião não discutidas entre os membros podem gerar ressentimentos profundos que desencadeiam uma crise ou afastam as pessoas. Prevenir isso requer feedback regular e comunicação franca. Uma maneira de fazer isso é formar um pequeno grupo composto pelo presidente do conselho, o diretor-executivo, o conselheiro geral e o presidente do comitê de governança, ou alguma outra pessoa com a posição e o senso crítico necessários. O grupo deve se reunir a cada um ou dois semestres para avaliar o desempenho de cada membro e depois designar um representante para dar feedback. Como defendo no meu livro “Changing the World Without Losing Your Mind” [Mudando o mundo sem perder a cabeça], seguir essa abordagem com diligência pode evitar a necessidade de impor limites de gestão. Quando a avaliação é de que um determinado membro apenas está garantindo seu espaço sem empenhar esforço ou valor, ele é informado disso; em geral, ou ele aumenta seu nível de envolvimento ou renuncia, independentemente do tempo de serviço.
4. Conflito sufocado | Opiniões minoritárias e ceticismo devem ser bem-vindos à mesa do conselho, e todos os membros devem ser encorajados a expressar o que pensam, mesmo que isso crie tensão. O debate apaixonado e as votações não unânimes são um sinal de um grupo forte, não fraco. Na minha experiência, as melhores decisões tendem a vir de conselhos cujos membros argumentam como se estivessem certos, mas ouvem como se estivessem errados. Isso também minimiza o risco de sufocar dissidências úteis e críticas. Tenho visto líderes de conselhos de administração elogiarem os pessimistas pelos seus comentários instigantes, incentivando assim todos no grupo a se engajarem no pensamento crítico sobre questões organizacionais, sem medo de julgamentos severos ou represálias. Quando os conselhos de administração são encorajados a prestar muita atenção e a expressar o ceticismo de forma apropriada, aqueles que submetem propostas à aprovação do órgão diretivo fazem um planejamento melhor antes de buscar o aval do órgão. Também participei de conselhos nos quais manifestar questões difíceis sobre a eficácia dos programas, a gestão financeira, as teorias organizacionais da mudança e o desempenho dos diretores era recebido com desaprovação, silêncio ou mesmo marginalização. Como resultado, essas organizações são propensas a aprovar orçamentos e estratégias incompletas e estão menos preparadas para responder aos problemas.
5. Tolerar mau comportamento | Mais de uma vez observei pessoas se comportando de maneira pouco profissional e até mesmo antiética em torno da mesa diretora de uma organização sem fins lucrativos, com atitudes que duvido que fossem capazes de manifestar em um ambiente empresarial. Já vi diretores repreenderem membros da equipe por não terem respostas detalhadas às suas perguntas, ignorarem ou minimizarem conflitos de interesse óbvios (como empresas pertencentes a diretores que fazem negócios com a organização), desconsiderarem as soluções propostas porque reconhecê-las destacaria um problema que o grupo queria ignorar ou mudar de assunto durante uma reunião formal em vez de tomar uma decisão crucial.
Em casos extremos, tais comportamentos podem levar a desavenças generalizadas, demissões em massa ou forçadas e outros aborrecimentos. Enfrentar essas situações é um desafio, mas fechar os olhos apenas normaliza e reforça atitudes pouco profissionais. Uma vez, tive uma reunião com um antigo presidente do conselho de administração e importante doador para discutir os seus muitos comentários sobre o desempenho dos funcionários, na sua maioria minoritários, que consideraram suas declarações excessivamente críticas. Nossa conversa foi desconfortável, especialmente porque essa pessoa foi meu mentor e benfeitor durante anos, mas isso fez com que, em certa medida, ele mudasse.
6. Aceitar a fragmentação | Os membros do conselho podem apoiar as organizações supervisionando partes delas nas quais têm interesse ou experiência especial, mas não devem ignorar o resto do que a entidade faz. Agindo assim, pode acontecer de eles defenderem apenas os seus projetos favoritos ou menosprezarem outros empreendimentos que pareçam competir por atenção ou recursos. Integrar um conselho – ao contrário de ser um doador ou voluntário – exige o envolvimento com todas as partes de uma organização, responsabilidade que não pode caber apenas ao diretor executivo. Caso contrário, o conselho de administração se dissolverá em campos concorrentes que perturbam a coesão organizacional e a definição racional de prioridades. Na verdade, os membros do conselho devem estar preparados para argumentar contra os seus programas preferidos se eles não fizerem sentido do ponto de vista estratégico, de modo a evitar transformar uma organização num conjunto de projetos.
Conselhos de administração saudáveis podem ampliar o impacto positivo das organizações orientadas para o progresso social, mas eles são mais a exceção do que a regra. Essa realidade precisa mudar para que seja possível fazer frente a crises como pandemias ou a mudança climática e ajudar a alcançar as soluções de que necessitamos. É mais importante do que nunca que cada conselho avalie regularmente o seu desempenho, saia das suas zonas de conforto, incorpore padrões profissionais e coloque o sucesso de uma organização, como um todo, acima de tudo.
O AUTOR
Alex Counts (@AlexCounts) é professor adjunto de políticas públicas na Universidade de Maryland, consultor de organizações sem fins lucrativos e escritor. Ele também é o fundador da Grameen Foundation, onde atuou como presidente e CEO por 18 anos, e atualmente é diretor da India Philanthropy Alliance. Seu livro mais recente é When in Doubt, Ask for More: And 213 Other Life and Career Lessons for The Mission-Driven Leader.