Supercomunicadores, de Charles Duhigg, é bom guia para interações pessoais, mas evita se aprofundar em questões éticas
Por Ayesha Anna Ninan
Em Supercomunicadores: Como desbloquear a linguagem secreta da comunicação, o jornalista Charles Duhigg, ganhador do Pulitzer, oferece aos leitores estratégias de comunicação simples para melhorar sua conexão com amigos, família, colegas de trabalho e o entorno geral. Dominar ferramentas comuns de conversação, argumenta o autor, pode tornar qualquer pessoa um “supercomunicador”: alguém capaz de “entrar em sincronia com praticamente qualquer um”, que deixa os demais à vontade, trocando experiências sem monopolizar o discurso e refletindo sobre assuntos espinhosos com sensibilidade.
Duhigg é famoso pelo best-seller O poder do hábito, de 2012, que fala de como podemos mudar nossos hábitos entendendo como eles se formam, e de Mais rápido e melhor [ambos lançados no Brasil pela Objetiva, que edita o título atual], de 2016, que disseca a ciência da produtividade, oferecendo ao leitor ferramentas de otimizar seu rendimento. Neste trabalho mais recente, Duhigg usa uma metodologia semelhante, de combinar pesquisa com estudos de caso saborosos para construir um guia, em parte autoajuda, em parte manual “faça você mesmo”, para melhorar a comunicação.
Supercomunicadores tem seu ponto de partida no reconhecimento recente, por parte do autor, de que não conseguia se conectar de forma autêntica com seus empregados, amigos e família. Com essa percepção de suas falhas, ele decidiu melhorar seu entendimento da comunicação interpessoal a fim de “entender como as pessoas à nossa volta enxergam o mundo e, em troca, ajudá-las a compreender nossas perspectivas”, escreve. Talvez seja por isso que sua prescrição para uma boa conexão soe óbvia: escute atentamente, faça perguntas argutas que revelem os valores de seu interlocutor e se envolva de modo aberto e autêntico.
“Temos de compreender genuinamente como a pessoa se sente, o que ela quer e quem ela é. E então, para combinar, precisamos por nossa vez saber como compartilhar o que pensamos.” O esquema de Duhigg para melhorar a comunicação é mais funcional no nível interpessoal e como ponto de partida para organizações que queiram diálogos mais abertos. Pode-se dizer que ele é menos bem-sucedido quando se apresenta como solução para mitigar a polarização política na sociedade.
Supercomunicadores, como ele observa, não são indivíduos carismáticos, nem costumam ser os que se apontam como líderes de um grupo. Na verdade, são aqueles que sabem se misturar, que fazem mais perguntas que a média e os que não hesitam admitir que não sabem tudo. Em sua análise de como eles agem, Duhigg se apoia em pesquisas de neurociência que mostram como diferentes tipos de discussão acendem diferentes partes do cérebro: questões práticas usam a rede de controle frontal do cérebro; conversas sobre si (identidade e relacionamentos) ativam o modo padrão do cérebro; e debates emocionais ativam a amígdala, o núcleo accumbens e o hipocampo. Ele classifica essas conversas em três mindsets: as conversas de tomada de decisão (“Do que realmente se trata?”), as sociais (“Quem somos?”) e as emocionais (“Como nos sentimos?”).
Embora sejam diferentes, esses três tipos de conversa não são independentes. Ao contrário, diz Duhigg, “passamos por essas três questões à medida que um diálogo se desenrola”. Por exemplo, afirma, pode começar “com um amigo pedindo ajuda para raciocinar sobre um problema (‘Do que realmente se trata?’) e depois confidenciando que se sente estressado (‘Como nos sentimos?’) antes de se mostrar preocupado em saber como os outros reagirão ao ficarem sabendo do problema (‘Quem somos?’)”.
Nesse caso, ele aconselha que se “combinar”, ou “espelhar” as emoções, de modo a criar uma conexão empática com o interlocutor. “Em um nível muito básico, se alguém parece emotivo, permita-se ficar emotivo também. Se alguém está inclinado pela tomada de decisão, iguale esse foco. Se a pessoa está preocupada com as implicações sociais, espelhe essa fixação de volta para ela.” Um supercomunicador, portanto, consegue avaliar de forma eficaz o mindset do interlocutor e combinar com ele, levando a conversa de um modo que reflita as necessidades de ambos. “Dentro de cada conversa há uma negociação silenciosa em que o objetivo não é vencer, mas determinar o que todos querem, de modo que algo significativo possa suceder”, sustenta Duhigg.
No entanto, em vários de seus estudos de caso, a referência de Duhigg do que é comunicação eficiente muda do que é entendimento mútuo para persuasão – ficando implícito que esta é a real motivação para ser um supercomunicador. “Como convencer alguém, por meio de uma conversa, a correr um risco, embarcar numa aventura, aceitar um trabalho, marcar um encontro romântico?”
Por exemplo, Duhigg analisa como médicos persuadiram seus pacientes antivacina a se imunizarem contra a covid-19. Ele discute o caso de uma médica chamada Rima Chamie, que convenceu um paciente extremamente religioso, que rejeitava vacinas porque acreditava que Deus o protegeria, a se imunizar, usando como base para conquistar sua confiança traços de identidade em comum. Em vez de impor seu conhecimento médico ao paciente, Chamie disse a ele que também valorizava a fé e a família. Apropriando-se da linguagem dele, ponderou que ela também se preocupava muito com a saúde de seus filhos e netos. E, então, para expressar quão grata era a Deus por ter dado aos humanos a habilidade para desenvolver vacinas, ela usou uma pergunta sutil (e retórica): “Será que Ele não nos deu as vacinas pensando na nossa segurança?”. A indagação deixou a resposta – e o poder de decidir sobre a imunização – nas mãos do paciente, como um sinal de confiança. Ao construir um terreno comum para a conversa, assentando-se sobre seus valores e, em especial, seu desejo mútuo de proteger a família, Chamie deu espaço para que o paciente mudasse de opinião. Ele decidiu se vacinar.
Duhigg escolhe histórias que, na maioria dos casos, favorecem o bem comum, como a da médica. Contudo, ele ignora situações em que o dano social deriva dos poderes de persuasão do supercomunicador. Ao deixar esses casos de lado, Duhigg evita se aprofundar em discussões éticas relacionadas à responsabilidade do supercomunicador com seus interlocutores. Mas, em tempos de alta global do populismo, não colocar essa interrogação ética é um descuido notável. Afinal de contas, a emoção é o combustível para a política divisiva dos líderes autoritários.
Dessa forma, o argumento do livro se vê apartado da realidade política que vivemos. Se apenas escutar, conectar e redirecionar conversas bastasse para superar divisões, já não teríamos conseguido eliminar controvérsias a respeito de temas como controle de armamentos e aborto? Em vez de mergulhar no assunto, Duhigg se volta para seu objetivo anterior: um supercomunicador não quer vencer, mas entender – primeiro passo para humanizar todas as partes em um conflito. Apesar de admitir que o acordo nem sempre é possível, ele oferece insights sobre como as ferramentas do livro podem unir as pessoas quando as perspectivas divergem muito.
Ele dá o exemplo de um workshop organizado pela companhia de mídia Advance Local em 2018, reunindo ativistas contra as armas e defensores de sua liberação para “fazer com que todos começassem a compartilhar histórias pessoais sobre armas e controle de armas, sobre as emoções e os valores em que baseavam suas convicções e, a seguir, verificar se isso mudaria o tom do debate”. Os participantes ouviram os casos contados, entenderam as divergências e acharam pontos de concordância – os organizadores consideraram o evento um sucesso. No entanto, a conversa degringolou rapidamente após migrar para o online, incluindo participantes que não haviam feito o treinamento. “Nem todos superaram suas animosidades”, relata Duhigg. “Alguns foram expulsos pelos moderadores, outros optaram por sair.”
Seus únicos conselhos para lidar com o discurso online – ser educado ao máximo, abster-se de criticar e demonstrar-se agradecido – são excessivamente simplistas e passam por cima da dura realidade do assédio virtual e, em particular, de seu impacto em comunidades marginalizadas. Misoginia e racismo são exacerbados pela mentalidade de manada que prevalece online, e não ter de mostrar a cara protege os perpetradores. Treinamentos de técnicas de comunicação surtem efeito em ambientes controlados, mas se mostram limitados quando aplicados a cenários de ampla escala que não impõem uma responsabilização, em especial quando se trata de interlocutores anônimos.
Embora o guia de Duhigg seja menos bem-sucedido no campo do discurso político, ele registra como intervenções planejadas em organizações podem dar resultados de longo prazo. Ele mostra o exemplo da Netflix. Depois que seu diretor de comunicação usou um termo racista [a “n-word”] em uma reunião, em 2018, a empresa implementou protocolos para se referir ao incidente e ao racismo sistêmico que ele revelou. Conduziu treinamento e conversas sobre diversidade em todos os níveis da empresa, com o objetivo de “promover o diálogo, enfrentar preconceitos e tornar a Netflix um exemplo reluzente de inclusão”. Em 2021, a maioria dos funcionários tinha sido capacitada, e a Netflix estava preparada para lidar com outra tempestade, se surgisse. Os funcionários podiam expressar suas preocupações uns para os outros e para as chefias de uma forma empática que fazia com que todos se sentissem ouvidos. Duhigg admite que a “transformação genuína exige mudanças não só na forma como a Netflix contrata, promove e apoia seus funcionários, mas na sociedade como um todo”. Mas, acrescenta, a empresa ultrapassou “todas as outras grandes firmas do Vale do Silício, bem como de Hollywood, na contratação de grupos sub-representados”. Nenhuma firma vai promover crescimento e inclusão significativa evitando encarar seus pontos cegos e as conversas difíceis.
Duhigg mostra que a comunicação pode operar transformações quando os interlocutores buscam um acordo e se permitem “reconhecer as diferenças sociais” em vez de “fingir que elas não existem”. Embora não sejam inéditas, as ferramentas que ele reúne podem fomentar maior compreensão e proveito nas interações pessoais. Nem sempre vamos chegar aonde queremos em uma conversa, mas podemos buscar nos conectar com os demais de forma mais consciente – e essa é, em si, uma meta legítima.
A AUTORA
Ayesha Anna Ninan é editora de filmes e consultora de roteiros radicada em Mumbai, na Índia.
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