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Um antídoto para a “síndrome do fundador”

Os ativos de um líder forte ou fundador podem acabar se tornando passivos organizacionais. Mas por quê? O problema pode estar na própria estrutura da organização

Por Joan Garry

(Ilustração de iStock/erhui1979)

O setor sem fins lucrativos deve muito às pessoas que identificam uma necessidade em suas comunidades e se lançam a um esforço formal para atender a ela, fundando uma companhia 501(c)(3) [item da legislação tributária norte-americana que trata de organizações sem fins lucrativos que têm direitos à isenção de impostos]. Não faltam exemplos de fundadores de organizações assim cujas inovações mudaram o mundo.

Nesse contexto, é irônico que muitas vezes fundadores de organizações sem fins lucrativos se encaixem no diagnóstico da doença crônica que chamamos de “síndrome do fundador”. Entre os sintomas estão a tomada de decisões autocráticas, a falta de receptividade a novas ideias e a liderança calcada no ego pessoal. Observei essas características em muitos dos fundadores com quem trabalhei como coach executiva e especialista em governança para organizações grandes e pequenas. Também as vi em muitos dos CEOs com quem trabalhei e que seguiram os passos desses fundadores. Mas é claro que também, lá atrás, foram essas mesmas características que ajudaram a tornar esses notáveis pioneiros bem-sucedidos.

Esses fundadores são um tremendo patrimônio para suas organizações. Portanto, a pergunta é: quando e por que esses ativos se tornam passivos para a organização? Muitas vezes, o gatilho mais influente encontra-se na estrutura da própria organização – especificamente, no conselho de administração. Geralmente, isso começa com a história de origem da diretoria.

Em muitos casos, conselhos de administração têm apenas uma compreensão superficial de sua função de governança dentro de uma organização. Em sua pesquisa mais recente sobre conselhos de administração de organizações sem fins lucrativos, a BoardSource informou que 55,2% dos membros do conselho gastam pouco ou nenhum tempo investindo na compreensão de seu papel.

A história que ouço de muitos dos membros do conselho com quem trabalho no Nonprofit Leadership Lab é algo como: “Quando fui selecionado para o conselho, meu papel original era apoiar a liderança da organização”. Talvez um financiador estivesse pronto para doar dinheiro, mas a organização precisava ter o status 501(c)(3) para começar a receber fundos. O pedido de subsídio exigia um mínimo de três membros da diretoria e, portanto, com o tempo escasso, o fundador recorria a amigos e colegas que desejavam que ele fosse bem-sucedido. Concordavam, então, em serem indicados para apoiar a liderança dessa nova organização.

Esse caminho muito comum na criação de um conselho estabelece um problema de mentalidade fundamental, que eu gosto de chamar de “Abra caminho para os patinhos”, em referência ao livro infantil de Robert McCloskey que muitos de nós já lemos mais de uma vez [Na história, extremamente popular, uma mamãe pato que se fixa em um parque de Boston passeia pela cidade com oito patinhos e é ajudada por policiais a cruzar as vias]. O fundador lidera, e os membros do “conselho dos patinhos” marcham em linha reta enquanto o fundador segue para o Boston Commons.

É nesse momento que são plantadas as sementes da síndrome do fundador, não por causa do fundador, mas por causa da estrutura pouco planejada que se construiu em torno dele. Por décadas, as organizações podem continuar acrescentando patinhos, geralmente selecionados a dedo pelo pato principal (fundador).

É absolutamente vital que diretorias de organizações sem fins lucrativos lideradas por seus fundadores entendam essa dinâmica, pois a sustentabilidade de longo prazo da organização está em suas mãos. Nosso setor deve começar a considerar uma organização sem fins lucrativos próspera como aquela que valoriza a parceria, e em nenhum outro lugar isso é mais importante do que no relacionamento entre o conselho e a equipe – e, mais especificamente, no relacionamento entre o líder da equipe e o presidente do conselho.

Pense em uma organização sem fins lucrativos como um jato com dois motores: cada “motor”, o conselho e a equipe, deve funcionar bem de forma independente e em parceria, com o presidente do conselho e o líder da equipe na cabine de comando, conduzindo juntos a organização.

As diferenças entre esse modelo e um conselho de seguidores (patinhos) são evidentes. E, para os membros do conselho com líderes fundadores, pode ser quase impossível imaginar como um corpo desses possa mudar a dinâmica.

Mas é possível. Não há outra escolha que os conselhos possam fazer para garantir que sua organização seja sustentável a longo prazo, a não ser mudar a mentalidade. Mas o ponto de inflexão necessário requer ação em grupo. Caso a iniciativa seja de um único membro do conselho, ele vai apenas nadar contra a corrente. A paixão desse grupo pela missão deve superar sua fidelidade ao fundador. O grupo ainda deve estar pronto para liderar conversas difíceis. Desafiar o fundador será como exercitar um novo músculo. Mas é fundamental para que os membros do conselho cumpram seu dever.

Com esses catalisadores, aqui estão cinco estratégias práticas que um conselho de administração pode e deve empregar para se tornar parceiro de um fundador.

 

  1. Instrua sua diretoria sobre suas funções e responsabilidades

 

Leanne Chasteen foi a diretora executiva fundadora do New Day Children’s Theatre. Embora tivesse fortes atributos de fundadora, ela via a sustentabilidade de sua organização como um legado. Um novo presidente do conselho viu a aposentadoria de Leanne no horizonte e foi o catalisador da mudança de que a organização precisava. Minha empresa de consultoria ofereceu a eles um workshop sobre como o órgão deve liderar com um diretor executivo. Falamos longamente sobre a liderança do conselho durante transições de fundadores, e os membros saíram entendendo que eram um motor vital no jato da New Day. Essa mudança não aconteceu da noite para o dia, e houve desafios. Dito isso, é fundamental que todos os membros atuais do conselho compreendam as dificuldades exclusivas de liderar com um fundador e por que é tão importante fazer as coisas direito. Quando os conselhos entenderem por que a mudança é importante, eles estarão mais motivados a fazer as mudanças necessárias.

 

  1. Recrute com propósito

 

Durante 25 anos, a visão de Michael McElroy impulsionou a Broadway Inspirational Voices (BIV), uma comunidade diversificada de artistas da Broadway unidos para mudar vidas por meio do poder da música e dos serviços. Michael criou a BIV – originalmente um programa da Broadway Cares/Equity Fights Aids – como organização própria em 1999.

Trabalhei como instrutora da organização para ajudar no tipo de gerenciamento de mudanças necessário para garantir a sustentabilidade da BIV depois que Michael acabou se afastando. Iniciamos esse trabalho com uma mudança fundamental no recrutamento para a diretoria. Durante anos, Michael fazia essa seleção. Ele identificava os candidatos e conduzia o processo. Com um trabalho conjunto, ajudamos o Comitê de Governança do Conselho a entender que o recrutamento era um processo do qual o conselho deveria se apropriar (mantendo Michael totalmente envolvido como gerador de perspectivas). Uma mudança muito grande foi a contratação de um copresidente da diretoria para complementar as habilidades do presidente existente (com um foco mais profundo na missão). Esse copresidente, que tinha profunda experiência em governança de organizações sem fins lucrativos, uniu-se ao presidente e essa combinação permitiu uma mudança significativa no entendimento do conselho sobre a necessidade de possuir e executar um processo de seleção com propósito, especialmente durante a transição do fundador. A mudança da autoridade final levou a BIV ao Cause Lead, um programa da Cause Strategy Partners, e ao recrutamento de Rob Acton como copresidente. Rob tem grande experiência em governança de organizações sem fins lucrativos e conquistou o respeito do conselho, de Michael e de sua equipe. Ele liderou o órgão ao lado de Schele Williams, conhecida diretora da Broadway e amiga íntima de Michael. Foi a combinação perfeita de melhores práticas e gerenciamento de relacionamentos, e ela permitiu que a BIV criasse um processo de seleção próprio do conselho. Michael continuou a identificar possíveis candidatos que não foram rotulados, mas, sim, cuidadosamente considerados no contexto das prioridades de recrutamento.

 

  1. Introduza avaliações de desempenho 360º

 

Um conselho de administração eficaz deve introduzir uma “prestação de contas” efetiva em relação ao desempenho no trabalho. De fato, um indicador importante de um conselho “seguidor” é quando o órgão não oferece ao fundador uma avaliação honesta do desempenho. No caso de fundadores, é absolutamente essencial que essa avaliação anual inclua a equipe. Fundadores carismáticos e motivados geralmente precisam desenvolver habilidades de gerenciamento mais fortes que ofereçam aos funcionários mais agência e autonomia. Uma avaliação de desempenho 360º permitirá que o conselho veja oportunidades para o fundador se desenvolver nessa área.

 

  1. Envolva-se em um planejamento legítimo de sucessão

 

A palavra-chave na frase acima é “legítimo”. Discussões ponderadas sobre a saída do fundador colocam o elefante no centro da sala e isso é importante. Todos os conselhos de administração precisam ter essa conversa difícil sobre como a organização continuará a prosperar depois que o fundador se afastar. Com frequência, um conselho de administração que o siga inventa estratégias para garantir, por todos os meios necessários, que o fundador mantenha algum papel após sua saída. Aqui me cabe dar um conselho difícil: se você realmente acredita que a organização não sobreviverá sem seu fundador, releia este artigo e comece a trabalhar.

 

  1. Invista no enriquecimento contínuo da diretoria

 

Use a leitura como um mecanismo de enriquecimento (e de formação de equipe) para o seu conselho. A mudança para um conselho “copiloto” exige que os integrantes aprimorem suas habilidades pessoais. Três livros [os dois primeiros disponíveis em português] funcionam como excelentes fontes para os conselhos de administração que estejam passando por essa mudança: Mindset, de Carol Dweck; Conversas difíceis, de Douglas Stone, Bruce Patton e Sheila Heen; e Fierce Conversations, de Susan Scott.

Se os membros dos conselhos de organizações sem fins lucrativos realmente compreendessem a importância de suas funções, eles investiriam mais tempo e energia para serem excelentes nelas. Isso teria um impacto incomensurável no setor – sobretudo no caso de conselhos de organizações dirigidas por fundadores. Não adianta ficar parado e culpá-los pelos atributos que os tornam heroicos. Em vez disso, é preciso dirigir nossa atenção para a criação de conselhos fortes o bastante para serem verdadeiros parceiros desses líderes no trabalho.

 

A AUTORA

Joan Garry é escritora, blogueira e fundadora do Nonprofit Leadership Lab. Coach executiva muito procurada por CEOs de algumas das maiores organizações dos EUA, ela ajudou centenas de milhares de líderes de conselhos e equipes de organizações sem fins lucrativos a se tornarem gerentes cinco estrelas, comunicadores e embaixadores inspiradores de que suas organizações precisam e merecem.



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