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O investimento de impacto que visa lucros não gera frutos

Para terem sucesso, investidores de impacto precisam ter expectativas mais realistas e fazer parte de um conjunto de capital maior e com foco na comunidade, incluindo investimentos filantrópicos que estabeleçam as bases para o impacto

Por Jim Bildner

(Foto de iStock/ALotOfPeople)

 

Em 2012, portanto há mais de uma década, em resposta a uma onda crescente de obcecados pelo investimento de impacto, Kevin Starr afirmou que essa modalidade estava fadada ao fracasso: “Há poucas soluções que satisfaçam as necessidades dos pobres e que lhe devolverão seu dinheiro. Superar as quedas do mercado requer subsídios”.

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Esse fato não mudou desde que Starr escreveu “The Trouble With Impact Investing” [O problema com o investimento de impacto, em tradução livre; disponível em inglês na SSIR]. Na verdade, o custo para resolver a desigualdade aumentou, assim como o fascínio pelo investimento de impacto só se tornou mais forte. Apesar disso, obter impacto de verdade continua sendo cada vez mais difícil – e é ainda mais raro o retorno de mercado.

Os dados estão disponíveis: poucos problemas foram resolvidos de verdade através do investimento de impacto, e os retornos foram, na melhor das hipóteses, nominais. A prova disso é vasta, como os chamados investimentos da “Zona de Oportunidade”, destinados a estimular o fomento a comunidades de baixo rendimento e sub-capitalizadas. Em vez disso, subsidiaram comunidades abastadas, com valores residenciais e níveis de escolaridade relativamente mais elevados, com rendimentos e crescimento populacional mais fortes. Pesquisas mostram que a ideia é “cara, mal direcionada e que pouco fez para criar empregos ou melhorar as condições nas comunidades pobres, ao mesmo tempo que proporciona enormes benefícios fiscais aos investidores ricos”. A maioria dos profissionais que trabalham no desenvolvimento comunitário aceitou isso como a realidade do investimento de impacto: quanto mais alguém se esforça para obter impacto social em comunidades desfavorecidas, mais longe se fica do retorno total do mercado, sem qualquer proteção. Mas a fama persiste.

Depois de 20 anos e mais de 220 investimentos feitos apoiando organizações sociais da linha de frente em estágio inicial, a Fundação Draper Richards Kaplan – que tenho o privilégio de liderar –adotou um foco simples e verdadeiro: o que mais importa é criar um impacto na vida das pessoas das populações mais vulneráveis ​​– seja combatendo a insegurança alimentar, fornecendo refeições onde necessário, alojamento aos sem-teto, tornando os cuidados médicos acessíveis, fazendo da justiça social uma realidade para todos ou proporcionando caminhos para oportunidades de emprego.

Esses são alguns dos problemas que as organizações do nosso portfólio estão tentando resolver. E, embora a maioria dos investimentos que fizemos tenham sido subvenções, cerca de um quarto dos nossos investimentos foram Investimentos Relacionados a Programas (PRI, na sigla em inglês) em entidades com fins lucrativos. Isso nos dá algum conhecimento de causa – por definição, os regulamentos do PRI exigem que haja um “impacto” no investimento.

A nossa experiência tem sido clara – recuperar o nosso investimento (e ser capaz de reciclar quaisquer retornos em outro empreendimento social) já é uma grande vitória – com a qual estamos felizes. Por quê? Porque o impacto desses investimentos com fins lucrativos é exatamente o mesmo que o impacto das nossas subvenções sem fins lucrativos: mais de metade das organizações impactam diretamente mais de 10 mil vidas, mais de 40% impactam 50 mil vidas, 25% impactam 500 mil vidas e mais de 20%, milhões de vidas.

A nosso ver, a semelhança de impacto entre os nossos PRIs com fins lucrativos e nossos investimentos em organizações sem fins lucrativos vem do fato de mantermos sempre o foco no impacto social, independentemente da forma da entidade. Sem a pressão de procurar retornos de mercado, somos livres para nos concentrarmos no verdadeiro impacto dos nossos investimentos lucrativos e, com isso, essas entidades não têm de comprometer o seu foco, que é nos mais necessitados.

No entanto, o ecossistema de financiamento permanece obcecado pela noção de que é possível obter ao mesmo tempo retornos de mercado e retornos sociais completos. Recentemente extraímos dados e transcrições de conferências sobre investimento de impacto. O que testemunhamos? Equívocos. Quando questionados sobre se é possível obter retornos de mercado e retornos sociais significativos, painelistas continuaram a dizer: “Depende”. Depende de como se medem os retornos sociais e em que período de tempo; depende da sua definição de impacto; depende da população em que o investimento se concentra.Fica claro o que está implicado aí: quanto mais ambicioso for o objetivo de impacto, mais difícil será obter retornos de mercado.

Ao analisar múltiplos dados que consideraram fluxos filantrópicos em substituição a fluxos de capital de investimento, os dados nos revelaram duas coisas:

Nenhum dinheiro investido na expectativa de obter retorno de mercado que tente resolver uma única desigualdade social local – emprego, salários, habitação ou nível de escolaridade – pode ter mais do que um efeito extremamente localizado a longo prazo, até que outras ferramentas sejam implementadas.

À exceção de recursos destinados à habitação, o capital de “investimento” direcionado para o impacto social tem sido incapaz de atingir o objetivo de garantir ao mesmo tempo retornos econômicos e sociais. A característica mais comum nas finanças sociais ou nos investimentos no mercado de capitais direcionados para essas áreas prioritárias foi a necessidade de subsídios fiscais maciços fornecidos por governos ou da cobertura de “reservas para perdas” provenientes, na maioria das vezes, de fontes filantrópicas. Isso, por definição, não é um retorno de mercado, mas sim um retorno que foi só foi possível pelo capital filantrópico ou por subsídios fiscais governamentais, que reduzem artificialmente o risco do investimento e aumentam os retornos com base em financiamentos externos – em suma, exatamente o que Kevin disse em 2012.

Alguns podem questionar: mas qual é o mal dessa falsa narrativa de investimento? É simples: embora exista procura por investimentos de impacto que garantam retorno total do mercado e um verdadeiro impacto social, eles só não existem em grande escala.

Os grandes provedores de capital que os perseguem desistem rápido ou, pior, abdicam de causar um impacto social positivo, privando as comunidades necessitadas de capital precioso. E pior ainda, negócios realistas e viáveis ​​que podem absorver múltiplas formas de investimentos com expectativas econômicas mais realistas ficam sem financiamento.

No entanto, a história é diferente quando múltiplas formas de capital são agrupadas, com expectativas econômicas realistas e incluindo capital filantrópico direcionado para garantir a capacidade de uma comunidade absorver esse investimento.

Um dos melhores exemplos é o trabalho da equipe de investimento social da Fundação Kresge no Woodward Corridor, no centro de Detroit, através do Woodward Corridor Investment Fund (WCIF). Criado em 2013 como um fundo multi-investidores projetado para fornecer financiamento permanente a projetos de uso misto no bairro de Midtown, o fundo foi capitalizado em US$ 30,3 milhões e concedeu empréstimos a taxas fixas e compromissos futuros com base em créditos de até 120% na relação empréstimo/valor, prazo de 15 anos, amortização de 30 anos e juros de 5%. A lista de investidores credores seniores (MetLife, Prudential, PNC e Fisher Foundation) e subordinados (Kresge, Momentus Capital e Calvert Foundation). O fundo combinou o dinheiro subvencionado (sob a forma de apoio operacional geral para o administrador do fundo) e capital PRI (primeiro como dívida de baixo custo e mais tarde como uma garantia não financiada) para prover uma reserva para perdas com empréstimos, que estabeleceu as condições para um credor sênior convencional, não como um investidor de impacto, mas como capital de mercado testado e comprovado.

Essa é a chave: utilizar recursos de investimento de impacto real para estabelecer as condições para que o capital de mercado convencional possa ser investido. O investimento de impacto não é algo independente. Faz parte de um esforço coordenado para atrair capital de mercado, e não para ser o capital de mercado.

A propósito, para os céticos em relação ao impacto: os resultados superaram amplamente todas as expectativas. O distrito de Midtown excedeu em muito o desempenho da cidade em praticamente todas as estatísticas mensuráveis. Houve queda na taxa de desemprego e aumento nos valores médios das propriedades e nas taxas de aluguel. Tanto as análises quantitativas como qualitativas mostram que essa combinação de capitais – investimento de impacto realista aliado a subvenções de capital – acelerou muito os objetivos da fundação na vizinhança.

Os dados não bastam para captar a importância do capital subvencionado (e concessionário) no estabelecimento das bases para o sucesso do investimento de impacto e, em particular, dos canais de capital através dos quais o fundo operava.

Por vários anos antes de sua formação, a equipe da Kresge trabalhou com outras fundações locais dando apoio ao crescimento da organização de desenvolvimento comunitário local, Midtown Detroit, Inc. A MDI foi fundamental na montagem de equipes de projeto, na prestação de assistência técnica aos promotores, na tomada de posse de ativos de propriedade pública (destruídos), na curadoria de varejo e na criação de programas de pagamento inicial e de assistência de aluguel para impulsionar o mercado. Só a Kresge forneceu US$ 3,6 milhões em apoio operacional geral ao MDI de 2008 a 2013, e outro US$ 1,4 milhão foi dado na forma de subvenções de apoio a projetos para trabalhos no Woodward Corridor.

Para que uma comunidade floresça, ela precisa de fluxos de capital coordenados de todas as fontes: empresarial, imobiliário, missionário, financiamento sem fins lucrativos e, muitas vezes, financiamento federal, estadual ou local para o desenvolvimento comunitário.

Formas isoladas de recursos com expectativas de retorno desligadas do resto das necessidades estão destinadas ao fracasso. Elas decepcionam quem precisa delas e faz com que as próximas tentativas sejam muito mais difíceis. A última coisa que essas comunidades precisam é de um investidor de impacto que tente obter retornos de mercado à sua custa. O capital coordenado, com propósito claro, que utiliza os canais comunitários existentes e todas as ferramentas de investimento disponíveis (e impulsionado pela gestão de projetos locais) irá, ao longo do tempo, produzir melhores retornos – sociais, com certeza, mas econômicos também, se as expectativas estiverem definidas adequadamente.

É hora de mudar a definição de investimento de impacto para esse tipo de aporte e trocar a narrativa para torná-lo a regra, e não a exceção. Todos os investidores de impacto são bem-vindos.

O AUTOR

Jim Bildner é o CEO da Fundação Draper Richards Kaplan e administrador da Fundação Kresge.



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