As “lentes cor-de-rosa” e outros obstáculos ao bom investimento de impacto
O investimento de impacto, que visa proporcionar valor econômico e social, é particularmente vulnerável a preconceitos cognitivos. Eis algumas formas de evitá-los
Por Matthew Lee e Jasjit Singh
O mercado financeiro funciona com base no pressuposto, muitas vezes não dito, de que os seres humanos tomam decisões perfeitamente racionais que conduzem o capital para as empresas com melhor desempenho. De fato, o campo das finanças vende uma imagem de investidores desgostosos que procuram incansavelmente oportunidades e absorvem informações para otimizar as suas carteiras.
Este ideal hiper-racional, porém, não reflete a realidade. Evidências mostram que os vieses sistêmicos na tomada de decisões dos investidores conduzem a erros de avaliação custosos. Quando se trata de impacto social e ambiental no mundo dos investimentos, as definições de desempenho costumam ser mais ambíguas, e a informação, menos completa do que no investimento tradicional. As emoções entram em jogo de formas novas e complexas. Estes fatores, que constituem um desafio cognitivo, introduzem novos vieses que podem conduzir a decisões erradas.
Com base nos princípios já estabelecidos pela pesquisa a respeito de a tomada de decisões, nós e outros começamos a estudar os preconceitos que a afetam no campo do de investimento de impacto e como estes podem ser superados. Com base na literatura acadêmica, em conversas com profissionais da área e em nossa própria pesquisa, apresentamos aqui algumas observações e recomendações.
O outro lado das lentes cor-de-rosa
Pense no momento em que você se sentiu inspirado a se envolver com impacto social pela primeira vez. Talvez tenha sido lendo o perfil de algum empresário com baixos rendimentos à procura de apoio numa plataforma de crowdfunding. Ou ao ver um vídeo inspirador sobre uma empresa social ou um negócio voltado para o impacto. Mas com certeza você foi atraído, ao menos em parte, pela ideia de fazer a diferença. Essa sensação agradável que associamos a fazer o bem é aquilo que os pesquisadores da tomada de decisões chamam “lentes cor-de-rosa”.
As lentes cor-de-rosa são essenciais para o investimento de impacto pois explicam a motivação cognitiva que temos para fazer o bem. Mas elas também podem ofuscar a tomada de decisão de investimento de impacto. Isso se deve ao fato de que as recompensas cognitivas delas têm a ver com agir de acordo com as nossas boas intenções, e não com o impacto que as ações produzem. Como a nossa experiência de fazer o bem não reflete perfeitamente o impacto dessas ações, é comum que usar as lentes cor-de-rosa nos leve a decisões que criam algum impacto positivo – mas não tanto quanto poderiam.
Por exemplo, um dos nossos estudos recentes comparou a forma como os clientes de uma plataforma de caronas responderam a dois tipos de promoções. A primeira oferecia um desconto em dinheiro. A segunda oferecia uma doação a ser feita em nome do cliente. Enquanto a reação dos clientes às promoções baseadas em descontos aumentava rapidamente conforme o desconto subia, a reação ao aumento do valor do donativo nas promoções ligadas à caridade era bem mais lenta. Isso se explica pelo fenômeno das “lentes cor-de-rosa”: para os clientes, o simples ato de doar, independentemente da magnitude, já era equivalente a usá-las.
Noutro estudo, os participantes foram autorizados a distribuir uma determinada quantia de dinheiro por um conjunto de instituições de solidariedade social – que variavam em termos de impacto real por dólar recebido – da forma que quisessem. A maioria deu pequenas quantias a muitas instituições de caridade, o que lhes permitiu usar lentes cor-de-rosa associadas a cada ato individual de doação. No entanto, teriam maximizado o seu impacto se concentrassem as doações nas instituições de solidariedade mais eficazes.
As empresas e os fundos que procuram investimento de impacto aprofundam o efeito das lentes cor-de-rosa através de narrativas. O storytelling é mais eficaz do que dados objetivos, segundo a pesquisa. Quando os investidores de impacto respondem a esses apelos, o resultado pode ser satisfatório, mas superficial: os investidores sentem-se bem por ajudarem o mundo, enquanto as empresas e os fundos evitam a dor de cabeça de recolher e analisar dados sobre os resultados. Mas as empresas que são efetivamente recompensadas são as que se destacam na criação de bons sentimentos. Para ir contra esse fenômeno, os investidores de impacto devem se perguntar sempre se as lentes cor-de-rosa não estão ofuscando a sua avaliação do desempenho do impacto.
Enquadramento e pontos de referência
Outro risco potencial é a presença de “enquadramentos”, ou formas de apresentar a informação. O destaque seletivo dado a certas características das oportunidades de investimento propiciado por esses enquadramentos pode, inadvertidamente, distorcer o julgamento dos investidores, levando-os a ignorar ou a avaliar mal investimentos que sejam atraentes, em termos objetivos, para atingir suas metas reais de investimento.
No campo do investimento de impacto, são predominantes enquadramentos que se baseiam em pontos de referência financeiros específicos. Assim, os investimentos são descritos como não concessionários (com retornos financeiros iguais ou superiores à referência do mercado para retornos financeiros ajustados ao risco) ou concessionários (com retornos financeiros inferiores à taxa de mercado). Essa distinção tem inflamado debates ideológicos. Até Bono Vox chegou a chamar [no Fórum Mundial da Fundação Skoll em 2017] investimentos concessionários de “maus negócios feitos por boas pessoas”.
Enquadramentos como esses enganam porque estabelecem distinções muito rígidas entre investimentos que estão próximos dos pontos de referência em que se baseiam. A capacidade que um investidor de impacto tem de atingir seus objetivos de investimento não dependerá muito da pequena diferença entre um investimento que produz rendimentos ligeiramente acima ou abaixo do mercado. Mas enquadrar os investimentos dessa forma pode nos levar a pensar neles de forma muito diferente.
Um risco ainda maior é que os enquadramentos baseados em pontos de referência financeiros, e não no impacto social, atraiam uma atenção desproporcionada para os resultados financeiros, possivelmente em detrimento da atenção ao impacto social. Isso pode levar os investidores de impacto a ignorar investimentos com bom desempenho em termos de resolução de problemas sociais, mas que proporcionam retornos financeiros nominais abaixo do mercado. Como observou um editorial da plataforma de notícias Impact Alpha, a utilização de quadros desse tipo implica que “as boas intenções são suficientes, enquanto os bons retornos são ótimos”.
E se a principal forma de descrever os investimentos de impacto fosse como “parte interessada em pobreza elevada” versus “parte interessada em pobreza reduzida”, ou como “emissões elevadas de carbono” versus “emissões reduzidas de carbono”? Os enquadramentos centrados no impacto e não nos retornos, também poderiam influenciar nosso julgamento para que nos centrássemos de maneira desproporcional nesses valores nestes fatores. Em outras palavras, qualquer enquadramento baseado em um número limitado de fatores e pontos de referência pode enviesar profundamente as decisões de investimento de impacto.
Apesar dos seus perigos, o enquadramento desempenha um papel importante para nos ajudar a dar sentido a um mundo complexo e para mapear o terreno. Certos pontos de referência financeiros podem ser legítimos quando se alinham com a lógica específica dos investidores e com suas obrigações fiduciárias. Mas os investidores de impacto devem certificar-se de que escolhem seus aportes com base nos seus resultados reais esperados, e não na forma como eles são enquadrados.
Pensando além dos rótulos