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As “lentes cor-de-rosa” e outros obstáculos ao bom investimento de impacto

O investimento de impacto, que visa proporcionar valor econômico e social, é particularmente vulnerável a preconceitos cognitivos. Eis algumas formas de evitá-los

Por Matthew Lee e Jasjit Singh

(Foto de iStock/SasinParaksa)

O mercado financeiro funciona com base no pressuposto, muitas vezes não dito, de que os seres humanos tomam decisões perfeitamente racionais que conduzem o capital para as empresas com melhor desempenho. De fato, o campo das finanças vende uma imagem de investidores desgostosos que procuram incansavelmente oportunidades e absorvem informações para otimizar as suas carteiras.

Este ideal hiper-racional, porém, não reflete a realidade. Evidências mostram que os vieses sistêmicos na tomada de decisões dos investidores conduzem a erros de avaliação custosos. Quando se trata de impacto social e ambiental no mundo dos investimentos, as definições de desempenho costumam ser mais ambíguas, e a informação, menos completa do que no investimento tradicional. As emoções entram em jogo de formas novas e complexas. Estes fatores, que constituem um desafio cognitivo, introduzem novos vieses que podem conduzir a decisões erradas.

Com base nos princípios já estabelecidos pela pesquisa a respeito de a tomada de decisões, nós e outros começamos a estudar os preconceitos que a afetam no campo do de investimento de impacto e como estes podem ser superados. Com base na literatura acadêmica, em conversas com profissionais da área e em nossa própria pesquisa, apresentamos aqui algumas observações e recomendações.

O outro lado das lentes cor-de-rosa

Pense no momento em que você se sentiu inspirado a se envolver com impacto social pela primeira vez. Talvez tenha sido lendo o perfil de algum empresário com baixos rendimentos à procura de apoio numa plataforma de crowdfunding. Ou ao ver um vídeo inspirador sobre uma empresa social ou um negócio voltado para o impacto. Mas com certeza você foi atraído, ao menos em parte, pela ideia de fazer a diferença. Essa sensação agradável que associamos a fazer o bem é aquilo que os pesquisadores da tomada de decisões chamam “lentes cor-de-rosa”.

As lentes cor-de-rosa são essenciais para o investimento de impacto pois explicam a motivação cognitiva que temos para fazer o bem. Mas elas também podem ofuscar a tomada de decisão de investimento de impacto. Isso se deve ao fato de que as recompensas cognitivas delas têm a ver com agir de acordo com as nossas boas intenções, e não com o impacto que as ações produzem. Como a nossa experiência de fazer o bem não reflete perfeitamente o impacto dessas ações, é comum que usar as lentes cor-de-rosa nos leve a decisões que criam algum impacto positivo – mas não tanto quanto poderiam.

Por exemplo, um dos nossos estudos recentes comparou a forma como os clientes de uma plataforma de caronas responderam a dois tipos de promoções. A primeira oferecia um desconto em dinheiro. A segunda oferecia uma doação a ser feita em nome do cliente. Enquanto a reação dos clientes às promoções baseadas em descontos aumentava rapidamente conforme o desconto subia, a reação ao aumento do valor do donativo nas promoções ligadas à caridade era bem mais lenta. Isso se explica pelo fenômeno das “lentes cor-de-rosa”: para os clientes, o simples ato de doar, independentemente da magnitude, já era equivalente a usá-las.

Noutro estudo, os participantes foram autorizados a distribuir uma determinada quantia de dinheiro por um conjunto de instituições de solidariedade social – que variavam em termos de impacto real por dólar recebido – da forma que quisessem. A maioria deu pequenas quantias a muitas instituições de caridade, o que lhes permitiu usar lentes cor-de-rosa associadas a cada ato individual de doação. No entanto, teriam maximizado o seu impacto se concentrassem as doações nas instituições de solidariedade mais eficazes.

As empresas e os fundos que procuram investimento de impacto aprofundam o efeito das lentes cor-de-rosa através de narrativas. O storytelling é mais eficaz do que dados objetivos, segundo a pesquisa. Quando os investidores de impacto respondem a esses apelos, o resultado pode ser satisfatório, mas superficial: os investidores sentem-se bem por ajudarem o mundo, enquanto as empresas e os fundos evitam a dor de cabeça de recolher e analisar dados sobre os resultados. Mas as empresas que são efetivamente recompensadas são as que se destacam na criação de bons sentimentos. Para ir contra esse fenômeno, os investidores de impacto devem se perguntar sempre se as lentes cor-de-rosa não estão ofuscando a sua avaliação do desempenho do impacto.

Enquadramento e pontos de referência

Outro risco potencial é a presença de “enquadramentos”, ou formas de apresentar a informação. O destaque seletivo dado a certas características das oportunidades de investimento propiciado por esses enquadramentos pode, inadvertidamente, distorcer o julgamento dos investidores, levando-os a ignorar ou a avaliar mal investimentos que sejam atraentes, em termos objetivos, para atingir suas metas reais de investimento.

No campo do investimento de impacto, são predominantes enquadramentos que se baseiam em pontos de referência financeiros específicos. Assim, os investimentos são descritos como não concessionários (com retornos financeiros iguais ou superiores à referência do mercado para retornos financeiros ajustados ao risco) ou concessionários (com retornos financeiros inferiores à taxa de mercado). Essa distinção tem inflamado  debates ideológicos. Até Bono Vox chegou a chamar [no Fórum Mundial da Fundação Skoll em 2017] investimentos concessionários de “maus negócios feitos por boas pessoas”.

Enquadramentos como esses enganam porque estabelecem distinções muito rígidas entre investimentos que estão próximos dos pontos de referência em que se baseiam. A capacidade que um investidor de impacto tem de atingir seus objetivos de investimento não dependerá muito da pequena diferença entre um investimento que produz rendimentos ligeiramente acima ou abaixo do mercado. Mas enquadrar os investimentos dessa forma pode nos levar a pensar neles de forma muito diferente.

Um risco ainda maior é que os enquadramentos baseados em pontos de referência financeiros, e não no impacto social, atraiam uma atenção desproporcionada para os resultados financeiros, possivelmente em detrimento da atenção ao impacto social. Isso pode levar os investidores de impacto a ignorar investimentos com bom desempenho em termos de resolução de problemas sociais, mas que proporcionam retornos financeiros nominais abaixo do mercado. Como observou um editorial da plataforma de notícias Impact Alpha, a utilização de quadros desse tipo implica que “as boas intenções são suficientes, enquanto os bons retornos são ótimos”.

E se a principal forma de descrever os investimentos de impacto fosse como “parte interessada em pobreza elevada” versus “parte interessada em pobreza reduzida”, ou como “emissões elevadas de carbono” versus “emissões reduzidas de carbono”? Os enquadramentos centrados no impacto e não nos retornos, também poderiam influenciar nosso julgamento para que nos centrássemos de maneira desproporcional nesses valores nestes fatores. Em outras palavras, qualquer enquadramento baseado em um número limitado de fatores e pontos de referência pode enviesar profundamente as decisões de investimento de impacto.

Apesar dos seus perigos, o enquadramento desempenha um papel importante para nos ajudar a dar sentido a um mundo complexo e para mapear o terreno. Certos pontos de referência financeiros podem ser legítimos quando se alinham com a lógica específica dos investidores e com  suas obrigações fiduciárias. Mas os investidores de impacto devem certificar-se de que escolhem seus aportes com base nos seus resultados reais esperados, e não na forma como eles são enquadrados.

Pensando além dos rótulos

 

Ao procurarem uma combinação de retornos sociais e financeiros, investidores de impacto se deparam com um amplo espectro de empresas, desde as puramente com fins lucrativos às instituições de caridade e empresas híbridas. Essa complexidade dificulta a criação de carteiras de investimento ideais.

Exploramos essa questão na nossa pesquisa mais recente, que investigou a forma como as pessoas criam carteiras de investimento de impacto combinando diferentes tipos de empresa. Nosso interesse específico era a eficiência dos resultados destas carteiras: será que a carteira escolhida alcançou o retorno financeiro e os benefícios sociais resultantes com o menor custo possível? Em quatro experiências, mais de 1.600 participantes receberam dinheiro real para distribuir entre três opções: uma empresa com fins lucrativos (apenas retornos financeiros), uma instituição de caridade (apenas benefícios sociais) e uma empresa social (uma combinação de retornos financeiros e benefícios sociais). Uma grande fração dos participantes – entre um e dois terços – não conseguiu selecionar uma atribuição eficiente em termos de resultados. Esse padrão se manteve mesmo para os participantes que tinham um bom nível de educação e conhecimentos financeiros.

Por que eles falharam? Acontece que um fator crítico para esse problema é a cognição categórica – uma tendência para utilizar categorias simples, em vez de cálculos sistemáticos, ao avaliar as opções. Chegamos a essa conclusão ao propor o mesmo exercício a um conjunto aleatório de participantes, mas sem rotular as empresas segundo as categorias  com fins lucrativos, instituição de caridade e negócio social. Ao remover esses rótulos, esta intervenção eliminou a distração das categorias, permitindo que as pessoas prestassem mais atenção aos resultados reais. Os participantes falharam menos na escolha de uma alocação eficiente em termos de resultados; em algumas versões do nosso estudo, a taxa de insucesso caiu para quase metade.

Em resumo, os investidores de impacto são chamados a investir em várias categorias. É comum que, nesse processo, sejam influenciados pela forma como essas categorias são definidas. Essa cognição categórica só pode ser superada através de uma atenção cuidadosa aos dados sobre os resultados.

Conhecer os vieses não basta

Investidores de impacto são geralmente inteligentes, compassivos e atenciosos, mas, assim como nós, também são suscetíveis a erros. Evidências de outros campos sugerem que estar consciente de preconceitos pode ajudar a reduzir seus efeitos, mas é improvável que os elimine. Para ir mais longe,  investidores de impacto devem tomar as seguintes precauções:

Criar, utilizar e promover evidências do impacto. Certa vez, Louis Brandeis ex-juiz da Suprema Corte americana, defendeu a transparência como necessária para combater a corrupção com a seguinte frase:”Diz-se que a luz do sol é o melhor dos desinfetantes”. Podemos pensar como a coleta de dados comprovados sobre o impacto desempenha um papel semelhante para eliminar vieses no investimento de impacto. Sem provas objetivas e confiáveis do impacto, é difícil, se não impossível, orientar a tomada de decisões para o impacto real.

Apesar de certo progresso, as provas de impacto são avaliadas com menos escrutínio do que o desempenho financeiro. Mudar essa situação será difícil, mas necessário. Para isso, investidores de impacto terão de prestar apoio financeiro e técnico às empresas da sua carteira, que devem desempenhar o papel central na coleta dessas provas e garantir sua análise por entidades externas.

Provas de impacto de maior qualidade permitirão melhorar a tomada de decisões e fornecerão uma base objetiva para identificar e minimizar preconceitos. Os defensores do “altruísmo efetivo” e as plataformas de financiamento como a GiveWell fizeram progressos significativos na defesa de tais abordagens na filantropia estratégica. Os investidores de impacto que se comprometerem com um impacto baseado em provas estarão igualmente empoderados.

Fazer comparações completas e específicas. Tendo construído provas do impacto, um próximo passo importante é limitar a influência do enquadramento na tomada de decisões de investimento. Uma forma de conseguir isso é comparar as oportunidades de investimento com alternativas específicas, e não com padrões abstratos como “concessionário” ou “não concessionário”. Embora esses enquadramentos possam centrar-se numa só dimensão, como o retorno financeiro,comparações desse tipo devem levar em conta todos os pontos relevantes para a tese de investimento.

Em outras palavras,  investidores de impacto devem perguntar: se não fizéssemos este investimento, qual seria alternativa específica para usar o nosso capital e quais são os retornos financeiros, sociais e ambientais esperados nesse caso? É preciso fazer concessões numa dimensão para atingir objetivos específicos na outra? Asso,, os investidores podem considerar suas alocações no contexto do seu custo de oportunidade total.

Veja além dos rótulos. Evite a tentação de usar rótulos categóricos para avaliar se uma oportunidade de investimento se enquadra no seu portfólio. Categorias como “empresa social” e “negócio de impacto” têm limites obscuros e cada uma pode conter oportunidades com resultados financeiros e de impacto muito diferentes. Ficamos surpresos ao ver quão fortemente alguns investidores reagem a esses rótulos. Por exemplo, alguns se recusam a trabalhar com qualquer empresa que se autodenomina uma empresa social, enquanto outros só levam em conta essas.

Os investimentos devem ser definidos, em primeiro lugar, pelos resultados que produzem. Ao abandonar os rótulos, os investidores de impacto podem se concentrar mais plenamente na forma como os resultados reais dos investimentos subjacentes podem ajudá-los a atingir seus objetivos de investimento.

Uma abordagem de arquitetura de decisão

Embora as ferramentas descritas acima sejam úteis para investidores de impacto individuais, não é realista nem factível esperar que todos os investidores utilizem essas estratégias, especialmente porque o campo continua a crescer e se popularizar. A criação de melhores decisões de investimento de impacto exigirá não apenas ações individuais, mas também esforços na área.

Felizmente, as decisões de investimento de impacto raramente são tomadas por indivíduos de forma isolada. Intermediários – como consultores, serviços de informação, plataformas e gestores de fundos – moldam as formas como as decisões de investimento de impacto são informadas, enquadradas e agregadas. Esse ecossistema de intermediários tem, assim, uma influência profunda na “arquitetura de decisão” para o investimento de impacto.

Essa influência cria uma oportunidade importante para “arquitetar” decisões de investimento de impacto de uma forma que reconheça os vieses dos investidores de impacto e procure diminuir os seus efeitos. A concepção de arquiteturas de decisão também precisa respeitar e proteger a escolha individual, um princípio que Cass Sunstein e Richard Thaler chamam de “paternalismo libertário”.

Veja o exemplo da Kiva, uma plataforma de microcrédito online. Ela se deparou com o fato, nada conveniente de que seus usuários varejistas são normalmente mais receptivos a histórias comoventes do que a provas concretas de impacto, as quais nem sempre andam juntas. A fim de direcionar seu portfólio para um maior impacto sem alienar seus usuários, a Kiva começou a usar pesquisas publicadas para identificar práticas e produtos de empréstimo com maior potencial de impacto. Agora, apresenta essas opções com mais destaque em sua interface. Essa nova abordagem estimula sutilmente os usuários em direção às oportunidades com maior probabilidade de gerar impacto, ao mesmo tempo que lhes oferece opções e não elimina sua experiência favorita, a das narrativas.

Esperamos que muitos investidores, tanto individuais como organizacionais, construam insights comportamentais nas suas estratégias de tomada de decisão. Além disso, à medida que o campo continua a se expandir, este é o momento certo para construir sistemas que incorporem esses insights. Mesmo um empurrão pequeno, vindo de um líder em investimentos de impacto, pode ajudar a direcionar o campo para melhores resultados financeiros e sociais.

OS AUTORES

Matthew Lee é professor assistente de gestão e organizações na Stern School of Business da Universidade de Nova York.

Jasjit Singh é titular da cátedra Paul Dubrule de Desenvolvimento Sustentável e professor de estratégia no Insead, sendo também codiretor do Programa anual de Empreendedorismo Social da instituição.



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