Empreendimento social

Fusões e aquisições como estratégia para crescimento de ONGs

O crescimento por meio das fusões e aquisições pode ser uma jornada longa e que exige muitos recursos, mas a interconexão do setor social significa que um parceiro alinhado provavelmente já construiu aquilo de que você precisa (ou vice-versa)

Por George Tsiatis

fusões e aquisições

E m 2023, a Resolution Project, organização sem fins lucrativos que apoia jovens empreendedores sociais, e a Enactus, organização global dedicada a inspirar e capacitar estudantes universitários a desenvolver projetos de impacto ao redor do mundo, começaram a explorar a possibilidade de se fundir. O objetivo era expandir nosso impacto sem precisar reconstruir infraestruturas já existentes: a Resolution Project havia desenvolvido um modelo comprovado de fellowship para apoiar jovens empreendedores sociais, enquanto a Enactus havia estabelecido uma forte rede internacional e programas educacionais abrangentes.

Sabíamos que o caminho não seria simples – e de fato não foi. Mas, enquanto alguns defendem que o setor sem fins lucrativos deve considerar fusões e aquisições (M&As, na sigla em inglês) como “não apenas um plano de fuga”, nossa experiência mostra que talvez devêssemos ir ainda mais longe. Fusões e aquisições devem ser normalizadas como uma ferramenta estratégica para organizações orientadas por uma missão.

Nossa experiência

Nossa experiência com a fusão exemplifica como M&As no setor sem fins lucrativos podem acelerar drasticamente o impacto por meio da expansão de redes. Ao integrar estrategicamente nossas organizações, tivemos acesso à rede internacional que a Enactus construiu ao longo de 50 anos, alcançando em poucos anos o que levaria uma década ou mais (e milhões de dólares) para desenvolver de forma independente. Expandimos nossa presença de três países para 35, distribuídos em seis continentes, criando oportunidades inéditas para jovens empreendedores sociais se conectarem globalmente.

Nossa fusão significou uma otimização significativa de recursos, ao mesmo tempo em que ampliou o impacto. Reduzimos nosso orçamento anual combinado de US$ 11 a US$ 13 milhões para US$ 6 a US$ 7 milhões, mas reinvestimos estrategicamente essa economia para aprimorar a qualidade e o alcance dos programas. Antes da fusão, a Resolution Project apoiava 700 jovens empreendedores sociais; agora, com a Enactus, expandimos esse impacto para mais de 40 mil jovens anualmente, em quase 100 países. Esse alcance ampliado é viabilizado pelos 35 escritórios independentes da Enactus, que recebem suporte, conexões e serviços compartilhados em nível global.

Diferentemente das fusões no setor privado, onde o retorno financeiro é a principal métrica, nossa fusão no setor social exigiu um alinhamento profundo de missão como base. Isso nos permitiu preservar e ampliar os melhores elementos das abordagens de ambas as organizações. O modelo intensivo de fellowship da Resolution, que oferece financiamento inicial e mentoria, agora se integra aos programas educacionais consolidados da Enactus e à sua estrutura de competição internacional. Essa integração será apresentada na USA Expo 2025, em Kansas City, onde o modelo de social venture challenge da Resolution será incorporado à competição da Enactus. Isso criará um sistema de suporte ainda mais completo para jovens empreendedores sociais, unindo financiamento, mentoria e uma plataforma global de aprendizado e conexão.

Onde o setor social se encaixa nisso?

Enquanto fusões e aquisições são ferramentas comuns de crescimento no setor privado, o setor social tem sido muito mais hesitante em adotá-las. Algumas razões para isso podem estar enraizadas na cultura desse setor, como a tendência de glorificar fundadores e tratar suas visões individuais como intocáveis. Além disso, há um fascínio coletivo por histórias de “unicórnios” – casos excepcionais de organizações que conseguem ascender de forma independente. Talvez tenhamos nos convencido de que as forças de mercado que impulsionam a consolidação no setor privado não se aplicam às organizações de impacto social.

De fato, o setor social enfrenta desafios únicos. Fusões frequentemente exigem recursos vultosos. A fusão entre Guidestar e Foundation Center, por exemplo, custou US$ 45 milhões. Nem todas as fusões requerem esse nível de investimento, mas, como organizações sem fins lucrativos não podem acumular lucros para reinvestimento futuro, e muitas empresas sociais lutam para manter margens que sustentem um crescimento acelerado, a expansão geralmente depende de campanhas de captação de recursos e momentos estratégicos de investimento.

Como resultado, o crescimento no setor social tende a ser um processo longo e intensivo em recursos – exceto quando organizações encontram parceiros alinhados que já construíram parte da infraestrutura necessária, ainda que em outro local ou com uma abordagem ligeiramente diferente. Embora a integração sempre traga desafios, o tempo economizado em comparação com construir algo do zero pode ser significativo.

Enfrentando os desafios

O maior desafio enfrentado na nossa fusão foi administrar as conexões emocionais profundas entre um complexo grupo de partes interessadas. Diferente das fusões no setor privado, onde preocupações dos funcionários podem ser resolvidas por meio de pacotes de compensação, fusões no setor social exigem um cuidado especial com as ansiedades e vínculos dos beneficiários, parceiros e membros da comunidade – normalmente sem incentivos financeiros para facilitar essa transição. Os beneficiários temem pelo futuro de suas comunidades, organizações parceiras questionam o impacto na continuidade das relações de longo prazo e funcionários enfrentam mudanças sem garantias de segurança financeira. Isso cria um peso emocional e ético único que os manuais tradicionais de fusões e aquisições não abordam adequadamente.

Para superar esses desafios humanos, concentramos nossos esforços em normalizar o conceito de fusão e ajudar as partes interessadas a visualizar os benefícios a longo prazo. Reconhecemos o orgulho dos fundadores como uma consideração natural e ampliamos temporariamente nosso conselho para incluir membros de ambas as organizações. Compreendemos que mandatos em conselhos têm ciclos naturais e que aproveitar os talentos de ambos os lados facilita a integração e colaboração entre as equipes.

Restrições de recursos exigem soluções criativas. Enquanto as fusões e aquisições no setor privado geralmente contam com equipes dedicadas e orçamentos substanciais, nossa fusão no setor sem fins lucrativos enfrentou limitações significativas. Muitos financiadores não estão familiarizados com a forma de precificar e apoiar essas transições, enquanto orientação jurídica de qualidade – essencial para navegar no complexo cenário de fusões no setor sem fins lucrativos – continua sendo cara. Tivemos que encontrar maneiras inovadoras de financiar tanto a transação imediata quanto o crucial período de integração pós-fusão, tudo isso enquanto mantínhamos as operações regulares, mesmo com equipes já sobrecarregadas.

Comunicar de forma eficaz o aumento exponencial do impacto e a otimização de recursos gerados pela nossa fusão foi essencial para conversas cruciais com financiadores. Precisávamos arrecadar mais de US$ 2 milhões em uma semana para concretizar a transação. Geraldine Acuña-Sunshine e Gabe Sunshine fizeram um compromisso financeiro plurianual com liberação imediata de recursos, enquanto vários financiadores da Enactus assumiram compromissos futuros (a maioria foi cumprida, mas nem todos). Também recebemos apoio do Seachange-Lodestar Fund for Nonprofit Collaboration, um doador importante e dedicado a financiar a parte operacional de fusões no setor sem fins lucrativos. Nossa experiência nos ensinou a antecipar diversos custos adicionais. Aprendemos que os financiadores precisam estar dispostos a fazer doações sem restrições porque acreditam na missão, reconhecendo que esse tipo de investimento inicial gera ganhos de eficiência no curto e médio prazo.

A integração merece mais atenção do que a transação em si. A assinatura dos documentos de fusão é apenas o começo do trabalho real. O processo pós-fusão envolve desafios mais complexos do que a transação, exigindo investimentos contínuos na gestão da mudança e no engajamento de stakeholders. Doze meses após a fusão, ainda há muito a ser feito em todas as áreas da nossa organização recém-integrada: finanças, branding, programas e aspectos legais. É essencial equilibrar a pressão imediata por ganhos de eficiência com o trabalho de longo prazo de integração cultural e alinhamento de programas. A falta de investimento adequado nessas áreas pode comprometer até mesmo a fusão mais bem planejada.

A Deloitte contribuiu com um projeto estratégico de integração pro bono, realizado ao longo de sete semanas, que foi essencial para garantir uma fusão bem-sucedida. Consultores costumam se entusiasmar com fusões no setor social e podem se envolver de forma gratuita, especialmente porque frequentemente trabalham com M&As no setor privado, mas raramente aplicam esse conhecimento ao terceiro setor. No entanto, caso o suporte pro bono não seja viável, esse investimento ainda deve ser tratado como uma despesa estratégica, adaptada à realidade financeira da organização. Além disso, foi fundamental estabelecer expectativas claras com nossa equipe sobre o nível de flexibilidade e incerteza inerente às decisões ainda em aberto.

Caminhos para o futuro

O setor social precisa deixar de encarar fusões e aquisições como último recurso para organizações em dificuldade. Em vez disso, devemos reconhecê-las como uma estratégia proativa para aumentar o impacto com mais eficiência. Essa mudança exige transformações tanto na mentalidade quanto na prática:

  1. Financiadores devem criar linhas de investimento específicas para fusões e aquisições no setor social, incluindo apoio para a diligência necessária e custos de integração. Esses recursos precisam ser acessíveis rapidamente.

  2. Lideranças do setor devem compartilhar abertamente suas experiências e melhores práticas, ajudando a normalizar esse debate.

  3. Conselheiros com experiência em fusões e aquisições no setor privado devem ser incentivados a explorar essas oportunidades no terceiro setor.

  4. Organizações devem definir critérios claros para potenciais parcerias, priorizando alinhamento de missão e capacidades complementares.

  5. Os desafios globais são urgentes demais para ignorarmos ferramentas que possam acelerar e ampliar nosso impacto. As fusões e aquisições no setor social são estratégias legítimas e poderosas de crescimento e devem ser reconhecidas e adotadas como tal.

 

O AUTOR

George Tsiatis é presidente e CEO da Resolution Project e um dos cofundadores da organização, criada em 2007. Em 2023, esteve à frente da integração entre a Resolution Project e a Enactus Global, criando uma das maiores organizações globais dedicadas ao empreendedorismo social jovem.

 

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