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Classificando fundações sem sua permissão

Criamos a Foundation Practice Rating para encorajar as fundações do Reino Unido a melhorar suas práticas

Por Caroline Fiennes

Ilustração por Matt Chase

Os curadores de fundações de caridade no Reino Unido são predominantemente brancos, homens e estão acima da idade de aposentadoria. A prática também sugere que a maioria é sofisticada, assim como a equipe deles. Essas características tornam os curadores uma combinação ruim, demograficamente, para as comunidades que suas fundações atendem. Essa disparidade certamente os impede de compreender os problemas que trabalham para mitigar e as organizações que apoiam, bem como possivelmente para dissuadir alguns possíveis candidatos a bolsas e a empregos.

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As fundações são excepcionalmente inexplicáveis. Não precisam competir por nada, porque a maioria delas já conta com recursos. O governo não exige avaliação de desempenho ou das práticas dessas organizações, e a maioria dos relatórios é opcional: as entidades decidem se devem ser avaliadas ou fazer uma pesquisa com seus beneficiários e publicar os resultados.

Um grupo de fundações doadoras do Reino Unido acredita que isso não é suficiente – que mais progresso é necessário para que possa surgir algum controle externo. Juntas, elas financiaram a Foundation Practice Rating, uma iniciativa inovadora que todos os anos escolhe cem fundações comunitárias e grandes entidades do Reino Unido e avalia suas práticas em diversidade, responsabilidade e transparência. A definição dos critérios, a criação de um sistema e a condução de pesquisa e análise são terceirizadas para a Giving Evidence, uma empresa independente de pesquisa e consultoria que lidero. A apuração usa apenas as informações publicamente disponíveis das fundações, como o que é divulgado em sites e relatórios anuais estatutários – ou seja, o mesmo tipo de informação disponível para possíveis beneficiários ou candidatos a emprego.

As fundações selecionadas não podem optar por não participar, nem podem influenciar o processo ou as conclusões. Cada uma recebe uma classificação em três domínios, mais uma geral: A (a mais alta), B, C ou D. A Foundation Practice Rating (FPR) não é um ranking e não é baseada em curva: todas podem receber um A ou todas podem obter um D, e uma entidade pode subir sem outra cair. Publicamos todos os resultados, junto das análises.

A classificação é uma auditoria sem precedentes dessas organizações. Percebemos que anos de reuniões e discussões sobre diversidade e responsabilidade tiveram pouco efeito nas práticas das fundações. Pensamos que, ao criar tal auditoria, poderíamos incentivar seu progresso.

 

Métodos e descobertas

 

Com o objetivo de avaliar um conjunto heterogêneo de fundamentos, revisamos as práticas de diversidade, responsabilidade e transparência que são amplamente aplicáveis e visíveis para pessoas de fora. Procuramos ser o mais neutros e objetivos possíveis, então nossos critérios se baseiam nos sistemas de classificação existentes, como o GlassPockets (um site norte-americano, agora desativado, administrado pelo Foundation Center para tornar as informações públicas das fundações mais fáceis de encontrar, incluindo dados sobre prioridades, suas equipes e se/como elas permitem que os beneficiários deem feedback) ou o Racial Equity Index (ferramenta que está sendo criada para aumentar a responsabilidade pela equidade racial no desenvolvimento global). Em vez de definirmos as características pelas quais avaliamos a diversidade, usamos as três características que a Equality and Human Rights Commission, do Reino Unido, sugere para relatórios sobre diferenças salariais: etnia, deficiência e gênero.

Não avaliamos as práticas de financiamento em si – por exemplo, quantidade ou restrições de doações ou processos de monitoramento – não por que essas questões não sejam importantes, mas porque as melhores práticas geralmente variam de acordo com o setor e as metas, além de normalmente não serem públicas. Da mesma forma, não quantificamos o impacto: estabelecer a influência de uma fundação é uma tarefa importante – o Giving Evidence faz isso em outros lugares. Mas atribuir métricas aplicáveis para cem fundações e fazer comparações significativas ignorando a heterogeneidade do trabalho delas não traz resultados realistas.

A cada ano, realizamos uma pesquisa pública para definir e refinar o processo e os critérios da FPR. Em seguida, nós os publicamos, com recomendações sobre como ter uma boa performance, antes de iniciar a pesquisa – a FPR não tem a intenção de surpreender as pessoas. A cada ano, nosso conjunto de cem fundações compreende as  financiadoras da FPR (para que ninguém sinta que elas estão apontando o dedo para as outras), as cinco maiores organizações do Reino Unido em termos de orçamento para doações (porque dominam a experiência dos beneficiários) e uma seleção aleatória dentre fundações comunitárias do Reino Unido e de uma lista independente das cerca de 300 maiores fundações do país. Cada uma é pesquisada por dois investigadores autonomamente; suas descobertas são comparadas e moderadas por um terceiro. As instituições são isentadas quanto a critérios irrelevantes (por exemplo, aquelas sem funcionários, ou com poucos, não têm de relatar dados de diferenças salariais).

 

Para muitas fundações, contatos detalhados que pessoas de fora poderiam usar para contatá-las não permitem que as pessoas as alcancem.

 

Coletamos os dados do primeiro ciclo no segundo semestre de 2021 e os publicamos em março de 2022; os da segunda etapa foram coletados no segundo semestre de 2022 e publicados em março. Não alteramos critérios entre os dois períodos (embora tenhamos alterado um limite de isenção), porque queríamos evitar confusão, manter uma visão consistente e fazer comparações.

Talvez nossa descoberta mais surpreendente tenha sido que as fundações receberam bem a iniciativa. Muitos disseram que lhes deu ímpeto para a mudança; que colocou algumas questões em pauta e destacou preocupações até então negligenciadas. Nesses dois anos, soubemos de participantes usando os critérios da FPR como uma “lista de verificação” para autoavaliação.

No primeiro ano, apenas três fundações alcançaram um A geral; no segundo, esse número subiu para sete. No período completo, as fundações mais bem avaliadas incluíram uma grande instituição (Wellcome, a maior da Europa), uma pequena subvencionada e uma entidade comunitária selecionada aleatoriamente. Conclui-se que qualquer instituição pode pontuar bem independentemente de sua estrutura ou tamanho financeiro.

Cada critério foi cumprido por pelo menos uma entidade. Evidentemente, não estamos pedindo nada impossível.

A diversidade foi, de longe, a área mais fraca. Em nenhum dos anos uma fundação obteve nota A no quesito. Enquanto isso, muitas avaliadas a obtiveram nas outras duas áreas. Além disso,  em todo o período, quase todos os dez critérios de pontuação mais baixa diziam respeito à diversidade. Nossos parâmetros no assunto abrangem a acessibilidade (por exemplo, se o site pode ser usado por pessoas com deficiência visual) porque isso afeta a gama de pessoas que pode se envolver com a fundação.

Sobre a diversidade real da equipe e dos curadores das entidades, não podemos fazer comentários, porque poucos relatam esses dados. No primeiro ano da FPR, encontramos apenas quatro instituições que publicaram algum detalhamento desse tema (por exemplo, com relação a gênero, etnia e/ou deficiência na equipe) e apenas uma publicou um detalhamento a respeito do curador. No segundo ano, os números aumentaram um pouco: seis fundações relataram diversidade de funcionários, e cinco, de curadores.

Muitas instituições são difíceis de contatar. Muitas não têm um website – era o caso de 27 das cem entidades avaliadas no primeiro ano (incluindo uma vinculada ao Goldman Sachs, um grande banco de investimento multinacional). No segundo período, 22 não possuíam website. Lembrando que quase todas as organizações que avaliamos estão entre as maiores do país.

Além disso, enviamos a cada fundação selecionada uma avaliação dos seus dados para apreciação. Para tal, utilizamos o contato divulgado por elas. Infelizmente muitas vezes trata-se de um endereço postal, não um endereço de email. Para outras, é um email genérico, como “info@empresa.com” ou “consultas@empresa.com”. As fundações costumam dizer que esses emails não são recebidos, supostamente indo para pastas de spam, que não são verificadas. Em outras palavras, para muitas instituições, os contatos detalhados que pessoas de fora – incluindo possíveis candidatos – podem usar para contatá-las não permitem que as pessoas as alcancem.

O tamanho financeiro, por ativos totais ou orçamento, não se correlaciona com as classificações. Mas o número de pessoal, sim. Nos dois anos, todas as fundações com pontuação geral D tinham dez funcionários ou menos (exceto uma, com 13). Isso em geral também vale para os curadores: ter mais deles está relacionado a um melhor desempenho. Não sabemos por que esses padrões surgem, mas suspeitamos que boas práticas em diversidade, responsabilidade e transparência exigem trabalho, e ter poucos funcionários impede a realização desse trabalho.

 

Próximos passos

 

A FPR está afetando as práticas das fundações? É muito cedo para dizer. Qualquer entidade relativamente grande do Reino Unido pode ser incluída na FPR, de modo que todas tenham o incentivo para melhorar. Além disso, todas podem ver os critérios e aprimorá-los – nós também indicamos meios para que possam evoluir.

No entanto, podemos ver que, no geral, as fundações classificadas nos dois anos melhoraram nas três áreas. Por outro lado, entre as entidades selecionadas aleatoriamente, as mudanças nas pontuações foram mistas de um ano para outro. Também ouvimos muitas histórias sobre o processo e os critérios serem úteis para as instituições.

Algumas pessoas do setor sugerem que ampliemos nosso escopo – por exemplo, para examinar práticas de financiamento ou o impacto ambiental das fundações. Não o faremos, não por ora, pelas razões acima expostas.

A FPR continuará avaliando cem fundações a cada ano e publicando os resultados. Também continuaremos a coletar evidências anedóticas do efeito. Convidamos qualquer entidade – no Reino Unido ou fora dele –  a usar nossos critérios a se avaliar e  identificar práticas a serem aperfeiçoadas.

Outros países poderiam fazer suas próprias versões da FPR. Nosso sistema pode precisar de adaptações, por exemplo, relativas à regulamentação para fundações nesses países, o que elas já são obrigadas a divulgar e as referências e políticas nacionais existentes. Nossa experiência até agora é que a hipótese se sustenta: a classificação pública de instituições realmente cria um incentivo a melhorar em áreas importantes.

A AUTORA

Caroline Fiennes é diretora da Giving Evidence, que conduz a pesquisa para a FPR e aconselha doadores e financiadores sobre contribuições com base em evidências sólidas. Ela é pesquisadora visitante no Centre for Strategic Philanthropy da Universidade de Cambridge.



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