A colaboração como força coletiva de transformação de territórios e ecossistemas
Problemas complexos dependem de soluções em rede. A colaboração se mostra como meio formador e transformador para uma nova economia baseada em equidade social e paradigmas de evolução econômica que incorporem o olhar de impacto socioambiental positivo coletivo
Por Camila Aloi
Desde o fim da década de 1990, modelos de negócios que combinam retorno financeiro com propósito de solucionar problemas sociais e ambientais vêm atuando de forma crescente, impulsionando o campo do chamado empreendedorismo de impacto. Com a intenção clara de impacto positivo na concepção de seu produto/serviço e/ou na sua forma de operação, atuam de acordo com a lógica de mercado, buscando retornos financeiros e comprometendo-se a medir o impacto que geram.
O estudo O que são Negócios de Impacto, realizado pela Aliança pelos Investimentos e Negócios de Impacto, identificou quatro critérios que configuram um negócio de impacto. São eles: Intencionalidade de resolução de um problema social e/ou ambiental; Solução de impacto é a atividade principal do negócio; Busca de retorno financeiro, operando pela lógica de mercado; Compromisso com monitoramento do impacto gerado.
Nos últimos dez anos, além do crescimento desses negócios, houve um refinamento em termos de conceitos, abrangência, intencionalidade, temáticas atendidas e ferramentas de suporte à expansão, profissionalização e medição do impacto gerado. No entanto, apenas 30% deles obtiveram sustentabilidade econômica, segundo o 4º Mapa de Negócios de Impacto, produzido pela Pipe Social e pela Quintessa em 2023. Apontada como causa central da fragilidade desses negócios, estaria a falta de infraestrutura e de um ecossistema de organizações e redes que, articuladas e integradas entre si, possam oferecer apoio técnico, financeiro e conexões aos empreendedores ao longo da chamada jornada do empreendedor, atendendo às diferentes demandas em cada etapa de sua implementação e crescimento.
Os empreendedores sociais ouvidos apontam a necessidade de maior colaboração entre os atores do campo, trabalhar a partir da descentralização, ter mais transparência e clareza das ações executadas, dar maior visibilidade para a proposta de valor e apoiar a criação de investimentos para o início da jornada dos negócios de impacto socioambiental.
Vários pesquisadores e especialistas têm discutido a importância do trabalho colaborativo, sugerindo o fomento de ecossistemas e a promoção de inter-relações que, articuladas entre si, possam fortalecer toda uma economia local, favorecendo o próprio território, seus atores, sua cultura e regionalidade, assim como a construção de um tecido robusto para o bem social de tal região. Problemas complexos dependem de soluções em rede.
Para que isso aconteça, no entanto, é preciso compreender que uma espécie de teia invisível interligapessoas, lugares e dinâmicas, o que explica a necessidade da colaboração como prática de atuação. Este é um aprendizado amplamente percebido e discutido pelo campo das organizações da sociedade civil há alguns anos.
A metáfora “estamos todos no mesmo barco” ruiu durante a pandemia, quando ficou ainda mais evidente que causas urgentes e desafios complexos exigem atuação conjunta. Sim, estamos todos no mesmo oceano, mas os passageiros de um grande barco terão mais estrutura do que aqueles em uma jangada para enfrentar a mesma tempestade e mar revolto.
Diante desse cenário, a atuação colaborativa se faz fundamental, assim como o uso de tecnologias sociais para facilitar essas conexões e articulações. Esse tem sido o foco do trabalho do Institutode Cidadania Empresarial (ICE), que há 25 anos busca fomentar soluções de inovação social, impacto coletivo e mudanças sistêmicas por uma sociedade mais equânime e que responda às demandas sociais e ambientais necessárias ao bom funcionamento do nosso planeta.
Ao longo desse caminho, ficou evidente que a chave para a transformação territorial que buscamos é a visão de futuro a partir do aprendizado de um ecossistema alicerçado, robusto e articulado, interagindo entre si, com relações de confiança, organizações dinamizadoras conectadas em torno desses ecossistemas e de uma grande rede nacional e local, protagonistas de sua própria propulsão. Este entendimento foi crucial para a concepção do Programa Coalizão pelo Impacto.
A iniciativa é gerida e correalizada pelo ICE com a participação de outras 11 organizações, que trabalham em seis cidades nas cinco regiões do país, e tem por objetivo fomentar os dinamizadores e sua infraestrutura local por meio de formação, conexão, fomento e disseminação, para que atuem de forma sistêmica e virtuosa na geração de melhores modelos de negócios.
Muitas organizações e empreendedores socioambientais estão atuando de maneira isolada, fragmentada e desarticulada. Eles enfrentam barreiras no financiamento e na sustentabilidade econômica, por exemplo, ou ainda nas parcerias entre setor público e privado e no apoio às inovações. Sem contar que a falta de atuação conjunta dificulta também a busca de impacto socioambiental sistêmico. Isso torna essencial ampliar a abordagem de impacto coletivo, segundo a qual a transformação desejada se alcança de forma estruturada.
John Kania e Mark Kramer definem impacto coletivo como sendo “o comprometimento de um conjunto de atores importantes de diferentes setores em prol de uma agenda comum, a fim de solucionar um problema social específico”.
Para que ele opere, são necessários uma infraestrutura local, uma equipe dedicada e um processo estruturado que conduza a uma agenda comum, medição partilhada, comunicação contínua e atividades que se reforçam mutuamente entre todos os participantes.
Em 2022, após dez anos acompanhando a aplicação da abordagem, John Kania volta com a mensagem de que a equidade é fundamental para o sucesso do trabalho com impacto coletivo. Sem essa premissa, as desigualdades que estão na base da organização social não irão permitir a virada almejada.
Os estudos da Aliança pelo Impacto6 em 2022 dialogam com essa concepção e a ampliam, com um olhar regionalizado, apontando para os princípios fundamentais, responsáveis por garantir sua efetividade:
1. Desenhar e implementar a iniciativa com prioridade na equidade;
2. Incluir membros à comunidade no processo colaborativo;
3. Recrutar e cocriar com parceiros intersetoriais;
4. Usar dados para aprender, adaptar e melhorar continuamente;
5. Cultivar líderes com habilidades únicas de liderança sistêmica;
6. Focar em programas e estratégias sistêmicas;
7. Construir uma cultura que promova relacionamentos, confiança e respeito;
8. Personalizar para o contexto local.
Inovadores no campo da sociedade civil, programas de atuação conjunta, que implementam iniciativas a partir de um valor compartilhado, com longo prazo de atuação e visão de futuro compartilhada, têm nas práticas de governança e no protagonismo dos diversos atores a grande virada de chave. O propósito coletivo é o guia, o ponto comum de chegada, e as decisões são tomadas de forma compartilhada.
Muito se fala em escalar as soluções, mas estamos aprendendo que escala é uma jornada de mentalidade. Escalar seria, na verdade, construir a infraestrutura que pode atender a demandas de contextos variados. Não se trata de fazer crescer uma única organização, e sim de escalar a solução do problema que se busca resolver. A jornada que resultará em transformações sistêmicas é longa. E a infraestrutura está baseada na tessitura social de diversos atores que, conectados como em uma teia, propagam coletivamente soluções sociais que privilegiam o coletivo da população.
São múltiplos atores cooperando entre si para resolver questões complexas que promovem impacto coletivo, favorecem o alinhamento entre setores privados e públicos, o terceiro setor e a filantropia, compartilham lições aprendidas, trabalham em torno de um mesmo objetivo e medem resultados com indicadores comuns. Aqui, a colaboração não é apenas “ferramenta”, mobilizada de modo instrumental por um agente para se obter um “resultado”. Ela é a própria forma de fazer, a partir do reconhecimento do melhor de cada um na rede.
A AUTORA
Camila Aloi é formada em Pedagogia pela USP, com pós-graduação em Responsabilidade Social Empresarial pela FIA/USP e com mestrado em educação em Comunicação pela Universidade Autônoma de Barcelona, Espanha. Desde 2018, atua com filantropia e investimento social privado, ocupando cargos de gerência junto ao GIFE, no banco Santander e, atualmente, no Programa Instituições de Ensino Superior do ICE. É conselheira da ANDE, Aspen Network Institute.
Usamos cookies para garantir que oferecemos a melhor experiência em nosso site. Se você continuar a usar este site, assumiremos que você está satisfeito com ele.OkNão