Desenvolvimento econômico

Envolvendo homens na economia do cuidado para construir um mundo melhor

Programas internacionais de desenvolvimento estão integrando homens na economia do cuidado, beneficiando famílias, sociedades e os próprios homens

Por Mara Bolis, Hannah Riley Bowles, Gary Barker, Marc Grau Grau, Laura Rawlings e Urvashi Sahni

Imagem ilustrativa para economia do cuidado. Na ilustração um homen está sentado no chão com duas crianças, brincando de jgo de tabuleiro
Ilustração por iStock/Yuri Mao

O cuidado é uma dimensão fundamental da experiência humana; “uma condição da espécie”. Oferecer cuidado é essencial para alcançar uma ampla gama de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, incluindo o ODS 3 das Nações Unidas, que promove a saúde e o bem-estar em todas as idades. Pesquisas recentes em quase 20 países indicam que os homens, assim como as mulheres, querem que o cuidado seja central em suas vidas. No entanto, enquanto a participação feminina no mercado de trabalho aumentou, o envolvimento dos homens no cuidado não acompanhou o mesmo ritmo, segundo a ONU Mulheres.

O cuidado praticado pelos homens beneficia mulheres, crianças e toda a sociedade, além de trazer grandes vantagens para os próprios homens. Homens envolvidos ativamente no cuidado frequentemente relatam profunda satisfação e maior autoconfiança. Estudos mostram que a participação masculina no cuidado está associada a melhores índices de saúde física e mental, relacionamentos mais saudáveis e escolhas de vida mais equilibradas. Esse envolvimento contribui para maior equidade de gênero, equilibrando responsabilidades, permitindo às mulheres maior liberdade econômica e melhorando resultados de saúde. As crianças também se beneficiam significativamente, pois o envolvimento paterno está ligado ao melhor desenvolvimento cognitivo e físico, maior aquisição de linguagem e vínculos emocionais mais fortes, seja o pai biológico ou um cuidador social comprometido.

Apesar dessas vantagens, ainda existem barreiras para o maior engajamento masculino na economia do cuidado. Um projeto de pesquisa envolvendo dois autores deste artigo identificou três princípios para superar essas barreiras: (1) criar soluções especificamente desenhadas para homens; (2) reduzir conflitos entre cuidar e prover financeiramente; e (3) construir redes sociais de apoio que incentivem a participação masculina no cuidado.

Neste artigo, utilizamos experiências de profissionais de desenvolvimento internacional para aplicar esses princípios em políticas e práticas relacionadas ao cuidado masculino. Considerando que a maioria das pesquisas e programas sobre cuidados masculinos se concentram nos pais, nos referimos a eles no decorrer do texto. No entanto, acreditamos que esses princípios possam ser aplicados amplamente para incentivar o cuidado masculino voltado a outros familiares e entes queridos, incluindo suas esposas, pais e membros da família biológica e/ou “social” ampliada. Também acreditamos ser necessário maior atenção ao papel dos meninos no cuidado.

1- Criar soluções especificamente desenvolvidas para homens na economia do cuidado

O cuidado é frequentemente visto mais como uma atividade natural para mulheres do que como uma série de habilidades complexas aprendidas. Na realidade, trata-se de um trabalho especializado que exige tempo para dominar. Sem capacitação adequada, muitos homens se sentem incompetentes ou são considerados incapazes. Quando homens desistem ou são afastados, o trabalho recai sobre as mulheres.

Iniciativas de capacitação de habilidades para pais e casais desenvolvidas considerando os homens. A primeira experiência com a paternidade marca uma grande mudança para os homens. Assim como suas parceiras, eles precisam de apoio para construir confiança e capacidade como pais. Por exemplo, o Programa P da Equimundo promove a paternidade ativa desde o pré-natal até os primeiros anos da criança. Em Ruanda, o Programa P é conhecido como Bandebereho (um modelo a ser seguido, na língua kinyaruanda) e é implementado por agentes comunitários de saúde. Entre os homens convidados a participar, mais de 80% completaram todas as atividades, que envolviam encontros semanais por quatro a cinco meses; as mulheres participaram de cerca de metade das sessões. Os resultados foram avaliados por meio de testes randomizados após 21 meses e novamente depois de seis anos do início. Os estudos mostraram resultados sólidos. Os participantes relataram envolvimento significativamente maior com o cuidado em casa do que os do grupo de controle. As mulheres participantes relataram sofrer menos violência física e sexual que aquelas do grupo de controle. Homens e mulheres do programa também relataram castigar menos seus filhos, usar mais métodos contraceptivos modernos e tomar decisões domésticas de forma mais equitativa. Em uma avaliação qualitativa, os participantes do Bandebereho identificaram diversos benefícios em compartilhar as tarefas domésticas de forma mais justa, incluindo recompensas de tempo e financeiras.

Tecnologia para pais. Soluções multimídia, que podem incluir vídeos promocionais, mensagens em áudio e aplicativos de paternidade para celular, também são formas eficazes de aumentar o envolvimento masculino na economia do cuidado, segundo uma revisão de intervenções inclusivas para pais em países de baixa e média renda. Ferramentas digitais podem ajudar os pais a aprenderem conforme sua própria disponibilidade, sem precisar abrir mão do tempo de trabalho. Por exemplo, soluções móveis de saúde (mHealth) com mensagens de voz sobre saúde materno-infantil direcionadas aos pais demonstraram ser eficazes na melhoria dos resultados pré e pós-natais.

2. Reduzir os conflitos entre sustento e cuidado

O envolvimento dos homens no cuidado é influenciado pela norma de gênero dominante que determina que eles priorizem a geração de renda para suprir as necessidades práticas da família acima de tudo. Aumentar o papel dos homens no cuidado também exige lidar com as pressões econômicas enfrentadas pela maioria deles.
Ambientes de trabalho que promovem a equidade no cuidado. Incluir a participação masculina no cuidado dentro dos ambientes de trabalho permite que eles desenvolvam novas habilidades sem sacrificar o salário diário. O Instituto de Saúde Infantil da Universidade de Istambul (IUICH) e a Fundação Mãe-Criança da Turquia desenvolveram uma intervenção de educação parental para futuros pais em grandes empresas. Médicos foram treinados para oferecer aulas sobre saúde e nutrição na gravidez, apoio às mulheres durante o parto e amamentação, entre outros temas. Os “graduados” receberam certificados atestando seu status de “pai treinado”, que, segundo os pesquisadores, “muitos se orgulhavam de pendurar no quarto do bebê recém-nascido.” Em entrevistas por telefone feitas três e nove meses após o nascimento do bebê, os participantes relataram comportamentos de saúde mais positivos e maior participação nos afazeres domésticos e no cuidado com os filhos em comparação com pais que não participaram.

Iniciativas como essa também são importantes para sinalizar o apoio organizacional à economia do cuidado, ajudando os homens a lidarem com a pressão social de focar exclusivamente na geração de renda. Em uma pesquisa com mais de 16 mil pais que trabalham em 55 empresas sediadas na América Latina, os homens que tinham gestores que facilitavam o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, em comparação com os que não tinham, participavam mais de atividades diárias de cuidado, como fazer refeições, brincar e ler com os filhos.

Integrando o cuidado às economias informais. Medidas que buscam reduzir o conflito entre sustento e cuidado são raras para trabalhadores da economia informal, que, nos países em desenvolvimento, representa a maioria absoluta da força de trabalho. Segundo dados recentes do Banco Mundial, 57% dos trabalhadores em economias de baixa e média renda são autônomos. Muitos desses trabalhadores atuam no setor agrícola.
Organizações de desenvolvimento têm implementado programas que promovem a divisão de responsabilidades de geração de renda e cuidado entre homens e mulheres, para melhorar a produtividade e o bem-estar familiar. A expectativa é que, com planejamento conjunto e cooperação tanto no trabalho agrícola quanto nos cuidados, casais agricultores possam aumentar a eficiência e a renda familiar. Um estudo analisou um programa com esse perfil junto a famílias agricultoras de café no sudoeste rural da Tanzânia. Além de intervenções agrícolas tradicionais, como escolas de campo e capacitação em boas práticas de colheita, o programa incluía autoavaliações de casais e discussões em grupo sobre normas de gênero e divisão de tarefas, responsabilidades e recursos domésticos. O programa resultou em aumento da participação das mulheres nas decisões e na gestão da fazenda, e em maior envolvimento dos homens nas tarefas domésticas, comparado a casais que não participaram da intervenção.

Até o momento, tais iniciativas visam incentivar os homens a incluir as mulheres na produção agrícola – frequentemente no contexto de culturas comerciais das quais as mulheres geralmente são excluídas – para ampliar o empoderamento e a ação das mulheres. No futuro, esses programas também poderiam destacar o papel vital do cuidado masculino para o funcionamento ideal das famílias.

3. Construir redes e sistemas de apoio para fomentar papéis de cuidado entre os homens

Embora cuidar seja gratificante, também pode ser exaustivo e marginalizante. Isso pode ser especialmente verdadeiro para homens que vivem em culturas onde o cuidado masculino não é amplamente aceito. Nesses contextos, o apoio social é fundamental. Redes de pares e outros ambientes de apoio podem ajudar os homens a aprofundarem seu comprometimento com atividades de cuidado que fogem à norma.

Apoiar o engajamento dos homens na economia do cuidado pode parecer um ponto de partida natural, mas pesquisas sugerem que o apoio social agrega muito mais valor quando os dois primeiros princípios (soluções de cuidado desenvolvidas especificamente para homens e redução de preocupações econômicas) já estão em vigor. Quando os homens possuem as habilidades necessárias e segurança econômica, eles se beneficiam mais dos tipos de suporte que os ajudam a abraçar o papel de cuidador.

O poder dos grupos de apoio entre pares. Grupos de apoio para homens são um método eficaz e de baixo custo para reforçar novos comportamentos de cuidado. As “Escolas de (Futuros) Maridos” do Banco Mundial, desenvolvidas com a Equimundo, já receberam mais de 24 mil maridos e futuros maridos na região do Sahel, no norte da África. O programa oferece um espaço exclusivamente masculino para discutir temas como relacionamentos saudáveis, cuidado pré e pós-natal e divisão das responsabilidades domésticas, sem medo de ridicularização. O programa conseguiu aumentar o tempo que os homens dedicam ao cuidado e gerou consideráveis benefícios para a saúde materno-infantil. Demonstrando a tendência de disseminação de novas normas sociais, no Níger o programa criou efeitos positivos em outras vilas, como aumento de partos realizados em centros de saúde e de visitas relacionadas à saúde reprodutiva.

Conectando pais a mentores. Programas de mentoria também podem ajudar os homens a se sentirem mais apoiados em sua função de cuidadores. Na iniciativa Responsible, Engaged, and Loving (REAL) Fathers (Pais Responsáveis, Engajados e Afetuosos), liderada em Uganda pelo Instituto de Saúde Reprodutiva da Universidade de Georgetown, pais jovens (de 16 a 25 anos) com filhos de 1 a 3 anos de idade escolheram anciãos de confiança em suas comunidades para serem seus mentores. Após receberem treinamento sobre equidade de gênero, os mentores discutiam com seus mentorados habilidades de comunicação e parentalidade positiva. As novas capacidades eram reforçadas por meio de diálogos entre casais, sessões em grupo e celebrações comunitárias que reconheciam os esforços dos pais e de suas famílias.

Um experimento controlado randomizado revelou que os pais participantes do projeto REAL, em comparação com os do grupo de controle, relataram de duas a quatro vezes mais interações com seus filhos e comportamentos parentais saudáveis com frequência significativamente maior um ano depois, como elogiar os filhos e dizer “eu te amo”. Os participantes também se envolveram mais em tarefas domésticas do que os do grupo de controle. Uma pesquisa qualitativa do projeto mostrou que os homens valorizavam o espaço para interações individuais com seus mentores sobre temas sensíveis. Esse apoio ajudou os homens a lidar com críticas negativas de membros da comunidade que zombavam deles por assumirem responsabilidades de cuidado e tarefas domésticas.

Próximos passos para uma economia do cuidado equitativa

Como vimos, quando os homens têm os recursos, habilidades e apoio de que precisam para se engajar no trabalho de cuidado, eles, suas famílias e suas comunidades prosperam.
São necessárias mais pesquisas sobre os benefícios e as barreiras ao aumento do cuidado masculino em países de baixa e média renda, para ajudar formuladores de políticas públicas a apoiar medidas que respondam a essa demanda crescente. Em especial, faltam estudos sobre os benefícios e o impacto da licença-paternidade remunerada nesses países.

Além disso, políticas voltadas à economia do cuidado para homens que são autônomos e/ou atuam em empregos informais são raras nesses contextos. Muitos provavelmente se beneficiariam de transferências de renda para apoiar a licença-paternidade, enquanto diálogos entre casais poderiam ajudar as famílias a aproveitar melhor as recompensas do cuidado e da geração compartilhada de renda.

Para além da paternidade, a infância e a adolescência masculina são períodos vitais nos quais o cuidado pode ser cultivado. Graças à elevada neuroplasticidade do cérebro durante essas fases da vida, introduzir rotinas de cuidado desde cedo, como ajudar irmãs e pais com tarefas domésticas e cuidado infantil, pode ter efeitos positivos duradouros na vida adulta. E, assim como mães servem de modelos de cuidado para filhas, pais também podem ser mentores positivos de cuidado para seus filhos; de fato, uma das variáveis mais fortemente associadas à participação masculina no cuidado é o relato de que seus próprios pais também exerciam esse papel, segundo pesquisas em múltiplos contextos.

A escola Prerna Boys School, na Índia, ensina aos meninos que cuidar é um componente fundamental das habilidades essenciais para “viver bem a vida”. Além das matérias escolares de rotina, os meninos aprendem habilidades focadas no cuidado, como cozinhar. De acordo com Sahni, uma das coautoras deste artigo, estudos longitudinais mostram que esses meninos se tornam mais engajados nas tarefas domésticas, sentem orgulho de suas contribuições e ganham mais respeito em casa. Poucas iniciativas, no entanto, incorporaram lições de cuidado em seus trabalhos com meninos. Os potenciais benefícios de longo prazo do cuidado para os meninos merecem estudos adicionais.

O mundo tem mais necessidades de cuidado do que está preparado para atender. Engajar homens e meninos na construção de um mundo mais cuidadoso é crucial para acabar com a lacuna de gênero no cuidado e garantir saúde e bem-estar para pessoas de todas as idades. Cuidar beneficia tanto quem cuida quanto quem recebe o cuidado. Evidências crescentes indicam que os homens – assim como as mulheres – desejam que o cuidado esteja no centro de suas vidas. Como todo trabalho, ele é exigente, mas, quando pessoas que amamos precisam de nós, todos queremos estar presentes. É hora de os programas internacionais de desenvolvimento fazerem mais para apoiar caminhos mais inclusivos rumo a um mundo mais cuidadoso.

OS AUTORES

Mara Bolis é pesquisadora afiliada à Harvard Kennedy School.

Hannah Riley Bowles é professora titular de políticas públicas e gestão na Harvard Kennedy School.

Gary Barker é presidente e CEO da Equimundo: Centro de masculinidades e justiça social.

Marc Grau Grau é professor associado de políticas sociais e familiares na Universitat Internacional de Catalunya.

Laura Rawlings é economista-chefe do Banco Mundial.

Urvashi Sahni é fundadora, presidente e CEO da Study Hall Educational Foundation, na Índia.

*Artigo originalmente publicado na Stanford Social Innovation Review com o título Enlisting Men to Build a More Caring World.

Leia também: Contra o trauma da prisão parental

Mantenedores Institucionais

Apoio institucional