A estrutura para proteção de refugiados em Ruanda cria barreiras sistêmicas para ajudar os refugiados a longo prazo.
Por Daniela Blei
Como doutoranda da University of Cambridge, Inglaterra, Corinna Frey-Heger estava interessada em melhorar as respostas à crise global de refugiados. A sua pesquisa a levou a Ruanda, onde uma grave crise de deslocamento tinha se convertido num atoleiro: refugiados da República Democrática do Congo estavam vivendo em campos desde 1996, com uma nova geração tendo nascido em estruturas construídas para resistir a uma emergência de curto prazo. Durante a visita de Frey Heger, em 2015, os refugiados congoleses ainda estavam recebendo cobertores e kits de primeiros socorros destinados a recém-chegados, muito embora os campos persistissem já por duas décadas.
Hoje professora na Erasmus University, Holanda, Frey-Heger uniu forças com Marian Gatzweiler, professor de organização e gerenciamento da University of Edimburgh, na Escócia, para analisar o que estaria impedindo uma resposta eficaz à prolongada crise de deslocamento de Ruanda. Um artigo recente de Frey-Heger, Gatzweiler e Bob Hinings, da University of Alberta, Canadá, elucidou o quanto as respostas organizacionais podem piorar os próprios problemas que intentam solucionar.
Com base no trabalho de campo realizado por Frey-Heger em cinco campos de refugiados em Ruanda e na sede em Genebra de uma organização internacional não identificada de auxílio aos refugiados, os pesquisadores conduziram entrevistas e empreenderam observações participativas com os múltiplos atores que juntos formam o regime transnacional para a proteção de refugiados. Eles também examinaram documentos de arquivo de doadores, de organizações baseadas nas Nações Unidas, de ONGs internacionais e locais e do governo ruandense.
“Encontramos prioridades disparatadas”, afirma Gatzweiler. “Doadores, ONGs e organizações com base nas Nações Unidas verificaram um grau de colaboração mínimo entre eles. Se tal colaboração funcionava para o sistema, ela não necessariamente funcionava para o problema que se buscava solucionar.”
Ruanda tem demonstrado abertura a diferentes abordagens, explicam os pesquisadores, e ainda assim o quadro institucionalizado para a proteção de refugiados – com seus ciclos orçamentários anuais, interesses divergentes e prioridades políticas conflitantes – forma barreiras que limitam o modo como as organizações respondem às crises. “Muito embora compartilhem objetivos amplos de resolver os deslocamentos e aliviar o sofrimento, com frequência cada um dos atores se encontra trabalhando em seu próprio contexto”, diz Julie Battilana, professora de comportamento organizacional da Harvard Business School.
Os pesquisadores identificam quatro barreiras ao nível do sistema para enfrentar a crise, a começar com a decisão de prosseguir com o acampamento em áreas remotas. Para agentes responsáveis em Kigali, capital de Ruanda, campos centralizados são mais fáceis de policiar, já as organizações humanitárias preferem distribuir alimentos e assistência num único local. De acordo com os pesquisadores, o problema para os refugiados é que eles estão bloqueados em áreas isoladas e sem infraestrutura. As comunidades próximas são pobres, o que faz dos campos uma fonte de tensão que demanda maior proteção e isolamento prolongado para os indivíduos que ali estão.
Em segundo lugar, o artigo mostra em que medida o foco na proteção dos refugiados cria um senso de urgência e imediatismo que favorece o pensamento de curto prazo. “Ciclos anuais de planejamento e orçamento bloqueiam a capacidade da organização de imaginar que a crise possa se tornar de longo prazo”, afirma Frey-Heger. “Se você pode planejar para o ano seguinte, trata-se sempre de uma crise anual, ainda que se tenham quinze anos sucessivos de crises anuais.”
O ciclo de recrutamento de que a organização depende – a terceira barreira encontrada – indica que os membros da equipe são muitas vezes substituídos e realocados de uma crise para outra no prazo de um ano. Conforme o ciclo pessoal começa e termina, a organização perde a capacidade de perceber seu próprio papel no agravamento do problema que busca solucionar.
A quarta barreira está na abordagem simplificada e padronizada que as organizações empregam, independentemente das necessidades da comunidade ou governo hospedeiros, ou das condições locais. Um manual de campo global codificou um sistema que funciona para vários grupos de interesse, mas não para os refugiados. “Essas quatro barreiras atuam juntas”, afirma Hinings, “e o que vemos são campos de refugiados que são essencialmente suas próprias cidades, exceto pelo fato de que não lhes é permitido desenvolver uma economia formal local.”
Essas quatro barreiras estão intimamente interconectadas, o que torna difícil para os atores responder a um problema que só faz aumentar. “Esse trabalho é oportuno e essencial; a humanidade está enfrentando desafios globais cada vez mais complexos, cuja solução demandará cooperação.”
A AUTORA
Daniela Blei é historiadora, escritora e editora. Seus textos podem ser conferidos em daniela-blei.com/writing. Ela tuíta esporadicamente: @tothelastpage.
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