Tecnologia, dados e comunidade para enfrentar desafios 

Iniciativas inovadoras usam dados e mobilização comunitária para influenciar políticas públicas e reduzir desigualdades

Três iniciativas brasileiras lideradas por jovens e reconhecidas pelo Prêmio Empreendedor Social 2024 demonstram o potencial transformador do uso da tecnologia e de dados, somado ao engajamento comunitário, como ferramentas eficientes para enfrentar desafios socioambientais do Brasil.

Finalistas na categoria “Soluções que Inspiram”, Fiquem Sabendo, Revolusolar e Super Nina são exemplos de inovação que começam a promover transformações em áreas como engajamento cívico-cidadão para fortalecimento da democracia, acesso a energia limpa e combate à pobreza energética em comunidades vulneráveis e prevenção da violência contra mulheres no transporte urbano.

Transparência  pública como base para direitos

A Fiquem Sabendo personifica a importância da transparência e do acesso à informação como ferramentas de controle social e combate à corrupção. Utilizando a Lei de Acesso à Informação (LAI) como principal instrumento, a organização empodera cidadãos, jornalistas e órgãos da sociedade civil para investigar e fiscalizar a gestão pública. Ao fornecer treinamentos, ferramentas e uma plataforma online para apoiar o uso da LAI, a Fiquem Sabendo democratiza o acesso a dados que antes eram inacessíveis, permitindo o acompanhamento de gastos públicos e a identificação de irregularidades.

“A lei de acesso e a transparência são ferramentas básicas para a garantia de todos os outros direitos sociais. Nenhuma pessoa ou organização será capaz de suprir todas as necessidades da população, além do Estado. Então a gente faz com que essa máquina entregue o que tem que entregar à sociedade”, diz Maria Vitória Ramos, de 27 anos, cofundadora e diretora-executiva da Fiquem Sabendo. 

Um exemplo do trabalho da organização é o levantamento histórico sobre pensões pagas aos militares. Em junho de 2021, após sucessivas cobranças à Controladoria-Geral da União e duas denúncias da Fiquem Sabendo acatadas pelo Tribunal de Contas da União, o governo federal finalmente liberou os dados sobre pensões pagas a parentes de militares: cerca de R$ 19 bilhões só em 2020. Os gastos bilionários com filhas e viúvas de militares estamparam manchetes nos principais jornais e portais de notícias do Brasil. A partir da abertura da caixa-preta, foi possível cancelar pagamentos indevidos e pagos em duplicidade. “Por cem anos, o governo gastou bilhões sem saber como gastava”, diz Ramos.

Além de economia para os cofres públicos, a organização também computa vitórias importantes no campo do advocacy, com influência direta em 21 projetos de lei – 19 em tramitação e dois que já se tornaram leis após serem aprovados e sancionados pelo presidente Lula.

Energia solar como tecnologia social

No campo da sustentabilidade e da inclusão social, a Revolusolar, com sua origem no Morro da Babilônia, na cidade do Rio de Janeiro, apresenta um modelo engenhoso de cooperativa de energia solar comunitária. Ao levar energia limpa e acessível para comunidades vulneráveis, a iniciativa reduz custos para os moradores associados e fomenta a autonomia e a geração de renda.

Dinei Medina, Adalberto Almeida e Eduardo Ávila, cofundadores da Revolusolar, conversam na favela da Babilônia, no Rio de Janeiro, em agosto de 2024

A metodologia da organização prevê a instalação de sistemas fotovoltaicos e a capacitação de instaladores, com uma gestão participativa e envolvimento de lideranças comunitárias, uma forma de garantir longevidade aos dez projetos já implantados ao redor do país. Essa tecnologia social tem ganhado escala e vem sendo aplicada em diferentes contextos e geografias, como em empreendimentos de habitação popular do Minha Casa, Minha Vida ou numa aldeia indígena no Amazonas.

“Na região amazônica, um milhão de pessoas não têm acesso à eletricidade. Nos grandes centros, a rede elétrica chega com qualidade muito pior nas comunidades e nas periferias, onde apagões são constantes. E o preço é impraticável”, diz Eduardo Ávila, de 28 anos, diretor-executivo da Revolusolar. Pesquisas mostram que mais de 40% dos brasileiros gastam mais da metade do orçamento familiar com energia, em um cenário no qual gastar mais de 6% já é considerado pobreza energética. “Cerca de 90% dos cooperados gastam o que economizam na conta de luz com alimentação. Quando se combate a pobreza energética, combate-se também a fome”, diz ele.

Dados contra assédio no transporte

Já a plataforma Super Nina surge em resposta à invisibilidade da violência de gênero no contexto do deslocamento urbano, um problema crítico nas grandes cidades brasileiras. Trata-se de uma ferramenta de impacto direto nas mãos das mulheres, permitindo denúncias de importunação sexual em tempo real.

Quando chega uma denúncia, o sistema Nina alerta as autoridades e as equipes de videomonitoramento, que podem resgatar imagens do incidente. A vítima recebe o registro da denúncia e orientações para suporte psicossocial e jurídico. Para além do encaminhamento dos casos denunciados, os dados coletados pelo sistema subsidiam ações preventivas.

Simony César nasceu em Recife (PE), é filha de ex-cobradora de ônibus e trabalhou em rodoviária, onde viu que denúncias de importunação sexual não eram levadas a sério

A solução inovadora da startup se conecta a diversos aplicativos de mobilidade, como Google Maps, além de possibilitar o acionamento via WhatsApp. Essa integração estratégica facilita o acesso à plataforma no momento da ocorrência, permitindo que as vítimas relatem o assédio de forma ágil e segura.

A relevância da plataforma se expande para a esfera da gestão pública através da coleta e da análise de dados. Com base nas informações geradas pelas usuárias, a Super Nina desenvolveu um sensor de cidade inteligente focado na segurança no transporte público.

“Minha mãe, meu avô e meu bisavô foram cobradores de ônibus. A mobilidade sempre esteve dentro da minha casa, mas na perspectiva de trabalhadores, não de tomadores de decisão. A gente tem que colocar o usuário no centro da discussão. Não adianta colocar gestor público, que não anda de ônibus, ou mil especialistas brancos e ricos formados nas melhores universidades, para definir o que é melhor. É muito discrepante quem usa, quem paga e quem planeja”, diz Simony Moura, de 31 anos, fundadora da Super Nina. “O que a gente tenta fazer com o governo é hackear o sistema, dar prioridade para o trânsito dessa mulher.”

A eficácia dessa abordagem se concretizou em parceria com a prefeitura de Fortaleza. Usando os dados fornecidos pela plataforma, a gestão municipal implementou políticas públicas direcionadas, como a flexibilização da parada noturna, a instalação estratégica de câmeras e iluminação em pontos de ônibus e o treinamento especializado de agentes de mobilidade e segurança. A plataforma já melhorou a experiência de deslocamento para mais de um milhão de usuárias na capital cearense, contribuindo para tornar a cidade mais acessível e, principalmente, mais segura para as mulheres. Além disso, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) reconheceu o software da Super Nina como referência em seu Manual de Inovações Urbanas Inteligentes, o que sublinha a relevância e o potencial de replicabilidade da iniciativa em outras cidades do Brasil e do mundo. 

*A SSIR Brasil é parceira institucional do Prêmio Empreendedor Social, realizado pela Folha de S.Paulo e pela Fundação Schwab.