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Estratégica, não estática

‘Filantropia de empoderamento’ é mais do mesmo, e uma filantropia de fato estratégica deve se adaptar ao contexto; veja outras respostas neste debate aqui

Por Richard Sippli

Ilustração de Adams Carvalho

Olhar para desafios sociais complexos e buscar soluções sistêmicas por meio da filantropia estratégica faz parte de um trabalho que envolve aprendizado, desenvolvimento e melhoria contínuos. O mundo não cessa de se transformar e, portanto, as estratégias devem seguir as mudanças e serem atualizadas.

Esse modelo não é estático, e sim dinâmico. Mas isso passa despercebido por Mark Kramer e Steve Phillips, ao argumentarem que a filantropia estratégica falhou em resolver problemas sociais de larga escala nos Estados Unidos. Defender sua substituição por uma filantropia do empoderamento parece mais marketing do que uma visão construtiva. Esse tipo de posicionamento reflete uma cultura que busca o novo a qualquer custo – mesmo que esse novo seja apenas uma reformulação do já conhecido.

O nascimento da filantropia estratégica foi essencial como base de aprendizado para as práticas atuais. Provavelmente, não poderíamos hoje debater de modo tão aberto sobre inovações em filantropia se não fosse pelo caminho já percorrido. É nisso que acreditamos no Movimento Bem Maior (MBM), que, desde 2018, exerce essa abordagem e busca fortalecer o ecossistema filantrópico do Brasil. Na comparação com o quadro americano descrito pela dupla de autores, enxergamos com mais otimismo os avanços em nosso país. 

A filantropia estratégica é retratada por Kramer e Phillips de forma simplista e estética, como se ela se limitasse a iniciativas autoritárias destinadas a encontrar soluções definitivas para problemas sociais, com base na crença em uma superioridade intelectual do filantropo. Quando bem planejada e executada, ela serve como uma poderosa ferramenta para catalisar iniciativas sociais importantes, inteligentes e transformadoras. Os autores não reconhecem a possibilidade de que esse modelo se ajuste e se desenvolva conforme as limitações das normas sociais de um determinado tempo e lugar.

Com a prática, aprendemos que trabalhar com filantropia estratégica não significa deixar “nas mãos de financiadores descobrir, avaliar e expandir soluções inovadoras a serem implementadas por organizações sem fins lucrativos”, conforme escrevem os autores. 

Entidades como o MBM atuam para fortalecer as lideranças locais e as organizações sociais, entendendo que estas são as verdadeiras protagonistas. Nosso papel, baseado na construção de relações de confiança e transparência, é o de oferecer o suporte necessário que auxilie as instituições a exercer sua máxima potência. Em vez de questionar os parceiros sobre o que ser feito com o dinheiro, perguntamos: “Como podemos ajudar?”. 

Filantropia é um trabalho em rede, e as lideranças locais são as que melhor podem identificar os desafios, propor iniciativas, apontar caminhos a seguir e testar soluções, sendo agentes ativos de engajamento comunitário e transformação.

No MBM, adotamos uma abordagem de aprendizado contínuo, ajustando nossas estratégias com base em feedbacks das organizações que apoiamos e nas mudanças no ambiente social e econômico. No caminho para gerar impacto social, utilizamos metodologias para definir objetivos claros e mensuráveis, assegurando que os esforços estejam sempre alinhados com as necessidades reais das organizações e com a missão de promover melhorias sociais significativas. 

Kramer e Phillips sugerem a filantropia do empoderamento em substituição da filantropia estratégica. A meu ver, elas pregam basicamente a mesma coisa. 

Observando os projetos no Brasil, vemos iniciativas, dentro de um quadro estratégico, gerarem empoderamento. Exemplo disso é o apoio que damos a projetos de capacitação por meio do Programa Futuro Bem Maior. Ele visa justamente a sustentabilidade e a autonomia a longo prazo.

Tomemos o caso do que houve no Brasil durante a pandemia de covid-19. Surgiu uma enorme e rápida mobilização da sociedade civil para arrecadar recursos, distribuir produtos e promover iniciativas para que a população pudesse enfrentar a crise sanitária e financeira. Em um dos nossos períodos mais dolorosos, as ações filantrópicas foram essenciais em áreas onde a resposta governamental era inexistente ou insuficiente. 

Quando há situações desse tipo, os holofotes costumam se voltar com mais atenção para o trabalho de organizações sociais, muito ágeis em situações de emergência. Mas é importante destacar que os apoios recorrentes às instituições são fundamentais para que elas possam exercer a filantropia estratégica de forma preventiva, buscando promover mudanças estruturais.

Não podemos nos esquecer de que cada organização é fundada com um propósito, com uma ou várias causas a defender. Doações recorrentes permitem que as instituições não fiquem presas a ações pontuais. É um trabalho de longo prazo – estudar estratégias, testar iniciativas, buscar a eficácia, validar soluções e muito mais –, mas o resultado pode inspirar políticas públicas e, consequentemente, multiplicar o impacto. 

Acreditamos que a filantropia estratégica tem a capacidade de fomentar um grande polo de inovação social no nosso país e que o governo, com a sua enorme estrutura e poderosa fora econômica, possa receber as boas ideias surgidas e aplicá-las em uma escala imensamente maior.

Kramer e Phillips, que abordaram a situação dos Estados Unidos, enfatizaram a necessidade do fortalecimento da participação democrática por lá. Nós, que olhamos só para o Brasil, também entendemos a importância desse tema para o avanço do nosso país. Acreditamos que uma sociedade civil forte e engajada é crucial para a construção de uma democracia mais justa e representativa. A filantropia estratégica é utilizada pelo MBM para incentivar a participação democrática. 

Ou seja, quando bem implementada, a filantropia estratégica fortalece a democracia, complementa os esforços governamentais e capacita as comunidades a se tornarem autossuficientes e resilientes na construção de uma sociedade pautada na justiça social.

No MBM, continuamos comprometidos com uma abordagem que combine alívio imediato e desenvolvimento sustentável a longo prazo, sempre com o objetivo de ativar o potencial transformador da sociedade civil brasileira. Acreditamos no poder da filantropia estratégica e mantemos nosso compromisso de aprender, adaptar e inovar para melhor servir a sociedade brasileira. 

A filantropia abrange uma grande pluralidade de pensamentos e de iniciativas, mas o objetivo é comum: construir um futuro melhor. Com união, colaboração, respeito ao valor de diferentes práticas, somos todos mais fortes para buscar soluções e construir um legado. Estamos todos no mesmo barco e devemos remar juntos, pois as ondas a superar são gigantes.

O AUTOR

Richard Sippli é diretor de operações e de relações institucionais do Movimento Bem Maior.

 

 



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