Transformação contínua para apoiar MPMEs na América Latina
Há 40 anos, a Fundes foi criada no Panamá para atender pequenas empresas na região. A organização teve de se reinventar muitas vezes para sobreviver, mas continua a apoiar o desenvolvimento econômico e social latino-americano
Por Tina C. Ambos, Alexander Zimmermann e Sebastian H. Fuchs
Por que publicamos este texto
Micro e pequenas empresas representam 98,4% do total das empresas no Brasil, segundo dado de 2023 do Sebrae. O artigo oferece aprendizados relevantes, em diversos países latino-americanos, sobre como alinhar impacto social com sustentabilidade financeira, explorar o potencial das tecnologias digitais, construir parcerias com grandes empresas e adaptar modelos de negócio para ampliar o alcance e a efetividade de iniciativas voltadas às MPMEs – desafios centrais também no contexto brasileiro.

Em 8 de outubro de 2024, convidados lotaram o elegante restaurante da Çuina, a Academia de Inovação Culinária, para celebrar um aniversário. No coração do bairro Roma da Cidade do México, a Çuina ensina e apresenta a visão socialmente consciente do chef Xano Saguer sobre as artes culinárias. Naquela noite, sua equipe prepararia uma refeição especial para marcar os 40 anos da Fundação para o Desenvolvimento Sustentável (Fundación para el Desarrollo Sostenible), mais conhecida como Fundes.
Ao entrar, cada pessoa recebeu uma peça de quebra-cabeça, na qual foi convidada a escrever sua visão para o futuro da Fundes. Desde sua criação, a fundação busca promover o desenvolvimento econômico sustentável em toda a América Latina por meio de financiamento, educação e apoio a micro, pequenas e médias empresas (MPMEs). Enquanto os convidados desfrutavam seus coquetéis de boas-vindas, membros do conselho da Fundes compartilhavam suas visões sobre as próximas quatro décadas da organização.
“Nos primeiros 40 anos da Fundes, ela teve de se reinventar de forma contínua”, disse Andreas Eggenberg, membro do conselho da Fundes e presidente da Masisa, um cliente de longa data da instituição. “Não sei onde estaremos em 40 anos, mas com certeza estaremos diferentes de agora, mantendo o espírito motivacional e a curiosidade de nos reinventarmos.”
As peças do quebra-cabeça foram por fim montadas, formando um mural que retrata clientes típicas da Fundes: duas padeiras vestindo aventais brancos e toucas, moldando a massa em pequenos pães. O quebra-cabeça apresentava o logotipo da Fundes e o slogan “Você também faz parte do futuro da América Latina”. O exercício criou um símbolo da luta de várias décadas da fundação e de sua missão duradoura de manter interações próximas e significativas com seus beneficiários. A Fundes defende as MPMEs por seu papel na geração de empregos, na redução da pobreza, na inclusão econômica e na promoção do crescimento equitativo e sustentável. A instituição passou por inúmeras reinvenções em seus primeiros 40 anos para se manter e apoiar seus clientes – e inevitavelmente enfrentará outras no futuro.
Hoje, muitos líderes de organizações de impacto social se perguntam como conciliar uma forte missão social com um modelo de financiamento sustentável e experimentam muitas abordagens diferentes. Imagine, por exemplo, que você dirige uma organização filantrópica internacional e, de repente, seu financiamento é interrompido. O que seria um desastre para a maioria das organizações sem fins lucrativos foi apenas o começo da história da Fundes, que a fez se transformar de uma organização filantrópica em uma consultoria de valor compartilhado e, por fim, em uma incubadora de empreendimentos sociais. No entanto, a fundação manteve a mesma missão ao longo de sua trajetória. “A única coisa que não se pode tocar é a missão – o desenvolvimento sustentável das MPMEs na América Latina”, diz Ulrich Frei, atual diretor do conselho da Fundes.
O caso da Fundes revela as condições, oportunidades e desafios associados à adoção de diferentes abordagens. Mostra que a promoção de um impacto sustentável de longo prazo para a sociedade exige gestores empreendedores, capacidade de abordar domínios de mercado totalmente novos, abertura para abraçar novos grupos de stakeholders e disposição para mudar de maneira radical as organizações e suas culturas.
Nasce uma missão
A ideia da Fundes surgiu em 1983, quando o arcebispo Marcos McGrath, do Panamá, embarcou em uma viagem de arrecadação de fundos pela Europa para buscar ajuda para os desafios sociais e econômicos da América Latina. Estes incluíam pobreza estrutural, baixo crescimento econômico e poucas oportunidades de emprego formal para uma população jovem e crescente. Durante sua jornada, McGrath se encontrou com um grupo de empresários suíços proeminentes, entre eles Stephan Schmidheiny, empresário e herdeiro de uma rica família industrial e filantrópica.
Schmidheiny se encantou com a visão de McGrath de estimular o desenvolvimento por meio do apoio a pequenas empresas. Na América Latina, as micro e pequenas empresas (MPMEs) – como lojas tradicionais de bairro, pequenas fazendas de banana e catadores de recicláveis – desempenham papel crucial na economia. McGrath imaginou transformar esses pequenos empreendimentos em motores de crescimento, fornecendo-lhes assistência financeira e conhecimento empresarial essencial. Impressionado com essa perspectiva, Schmidheiny se tornou seu principal financiador.
A Fundes iniciou suas operações em 1984 oferecendo empréstimos garantidos a MPMEs no Panamá e estabeleceu uma sede na Suíça para trabalhar em estreita colaboração com Schmidheiny. Nos anos seguintes, a fundação se expandiu para mais nove países: Costa Rica (1986), Guatemala (1988), Colômbia (1989), Bolívia (1990), Chile (1992), Argentina (1993), México (1993), Venezuela (1994) e El Salvador (2000). Esses escritórios locais eram “pequenos reinos”, de acordo com Frei, empresário suíço com vasta experiência na América Latina que se tornou CEO da Fundes em junho de 2008 e ocupou esse cargo por quatro anos. “Cada escritório de país decidia o que fazer, desde que fosse para o bem das MPMEs.” Cada um moldou de forma independente estratégias para fornecer apoio diretamente aos beneficiários, como agricultores ou donos de pequenas lojas. Durante a primeira década, o modelo filantrópico permitiu que a instituição se concentrasse por inteiro em seu propósito e adaptasse sua abordagem aos contextos locais.
“Para investir em MPMEs, as pessoas têm de ir a essas empresas e entender o que elas fazem”, diz Urs Jäger, professor associado da Incae Business School, na Costa Rica, sobre os mercados informais na América Latina. Esse trabalho de base foi o que a Fundes fez. No entanto, ao longo do tempo, sua estrutura descentralizada criou cada vez mais ineficiências operacionais sem compensar com maior impacto ou aprendizado entre os países. Além disso, sua dependência de Schmidheiny, um único doador, tornou-a financeiramente vulnerável a mudanças em sua estratégia filantrópica. A instituição precisaria mudar.
A importância do conhecimento
Em 1996, a sede da Fundes realizou uma avaliação interna. A análise apontou as limitações de seu modelo de garantia de crédito – as taxas de reembolso de empréstimos eram baixas e, embora a fundação garantisse o pagamento ao banco, os desafios fundamentais enfrentados pelas pequenas empresas muitas vezes permaneciam sem solução. O estudo descobriu ainda que as habilidades organizacionais deficientes dos proprietários de pequenas empresas e empreendedores impediam seu sucesso e sua contribuição geral para a economia regional.
“Após dez anos, percebemos que dar às MPMEs acesso a capital sem também dar-lhes acesso a conhecimento era um negócio muito arriscado”, diz Frei. Em vez de ver isso como um revés, Schmidheiny trabalhou em estreita colaboração com a gestão da Fundes para desenvolver um modelo novo para avançar na missão da organização.
A Fundes, então, reafirmou seu compromisso de capacitar as MPMEs como atores essenciais no desenvolvimento econômico e social da América Latina, mas mudou seu foco para a educação. A fundação começou a oferecer workshops e aulas para proprietários de MPMEs em vários setores, do varejo à agricultura. Esses programas melhoraram as habilidades organizacionais e financeiras dos proprietários e, por extensão, as práticas de gestão de seus negócios. Ao equipar os empreendedores com ferramentas práticas, a Fundes ajudou-os a aumentar sua eficiência, expandir o alcance de mercado, navegar pelos desafios regulatórios e fazer com que seus negócios crescessem de forma sustentável. Em 2002, seu programa educacional havia alcançado mais de 140 mil participantes, abrangendo 40 áreas de conhecimento, que incluíam administração e finanças, produção, marketing e recursos humanos.

Na época, as MPMEs tinham dificuldades principalmente com “acesso a crédito, procedimentos fiscais, concorrência desleal e a necessidade de se adaptar à globalização e à tecnologia”, disse o proprietário de uma pequena empresa na Guatemala, que preferiu permanecer anônimo. A economia volátil, com suas instituições financeiras instáveis, ondas de inflação e altos níveis de corrupção, proporcionava condições adversas para os proprietários de pequenas empresas em toda a região, que com frequência eram forçados a se concentrar na mera sobrevivência. Por meio do acesso ao conhecimento empresarial e a um grupo de empreendedores que compartilhavam os mesmos valores, foram capazes de navegar melhor pelos desafios que enfrentavam.
A Fundes expandiu seu modelo de treinamento nos anos seguintes, tornando-se um provedor significativo de educação empresarial para MPMEs na região. O modelo também ajudou a fundação a aprender mais sobre os verdadeiros pontos problemáticos das MPMEs na economia da América Latina. Constatou-se que as MPMEs eram elos críticos nas cadeias de valor de grandes multinacionais, mas essas relações em geral não eram bem integradas ou gerenciadas. Descobrir maneiras de profissionalizar as MPMEs e capacitá-las a unir forças com empresas maiores foi visto como fundamental para impulsionar o crescimento econômico.
Em 2004, a Fundes mudou oficialmente seu objetivo de apenas “fornecer conhecimento” para “implementar conhecimento” na América Latina, disponibilizando consultoria de varejo para pequenos lojistas. Naquele ano, a fundação participou de um estudo da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), da Organização das Nações Unidas, que concluiu que educar as pessoas era importante, mas que o foco da Fundes deveria mudar para o impacto real em seus negócios. João Carlos Ferraz, diretor da Cepal, viu a colaboração com a Fundes como “uma oportunidade importante para aprofundar e refinar técnicas e metodologias de pesquisa aplicada para a avaliação de programas de educação”.
A fundação, portanto, adaptou seu portfólio de serviços para oferecer consultoria às MPMEs sobre como melhorar suas operações. Schmidheiny subsidiou a nova operação, porque as MPMEs não tinham recursos para pagar pelo serviço. Enquanto os primeiros projetos de consultoria visavam gestão de estoque, contabilidade e outras melhorias operacionais de pequena escala em MPMEs individuais, um projeto foi diferente. Em 2006, a Coproca, uma empresa peruana que armazena e exporta lã de lhama e alpaca, colaborou com a Fundes em uma escala maior para apoiar e profissionalizar 500 pequenos agricultores e transformá-los em fornecedores mais confiáveis. Embora esse fosse um projeto incomum para a instituição na época, acabou sendo um vislumbre do futuro.
Combinar propósito e lucro
Em 2008, a crise financeira global secou o crédito, levou ao desemprego em massa e atingiu duramente as MPMEs da América Latina. A situação crítica também limitou a capacidade e a disposição dos financiadores filantrópicos de continuarem apoiando suas causas nas mesmas condições. Diante da necessidade de reajustar seu portfólio de beneficiários, a equipe de Schmidheiny identificou a Fundes como um projeto que tinha o potencial de se tornar autossustentável e decidiu eliminar de forma gradual suas doações anuais. “Fomos informados de que, dentro de cinco anos, deveríamos nos tornar uma organização financeiramente sustentável”, conta Frei.
Como a Fundes poderia continuar a cumprir sua missão social gerando receita suficiente para sustentar suas operações? A equipe de gestão sabia que as MPMEs na América Latina eram parte essencial das cadeias de valor de grandes corporações, operando como fornecedores ou distribuidores: por exemplo, produtores de banana como fornecedores para empresas agrícolas ou lojas de bairro como distribuidores para fabricantes de bebidas. Desse modo, havia muita interdependência, bem como muito potencial para ganhos de eficiência e desenvolvimento de negócios se as MPMEs pudessem ser apoiadas para operar com mais sucesso e profissionalismo. Frei acreditava que as grandes corporações estariam dispostas a fornecer o apoio financeiro necessário para as atividades da fundação, “não necessariamente porque são boas pessoas, mas porque queriam se manter competitivas, pois as MPMEs são a espinha dorsal de suas cadeias de valor”.
E ele estava certo, como ficou comprovado quando a Fundes passou a trabalhar com grandes empresas, como o Walmart. “Trabalhar em valor compartilhado nos permite ter um impacto direto em nossos negócios e nos diferentes stakeholders com os quais atuamos, como as MPMEs voltadas para produtos agrícolas e consumo de massa”, explicou Viena Ochoa, gerente de responsabilidade social corporativa do Walmart América Central, em 2015. “O desafio para eles é crescer conosco de forma sustentável ao longo do tempo.” Foi nessa necessidade de crescimento sustentável que a fundação apoiou de forma ativa as MPMEs, para que atendessem às expectativas de seus parceiros corporativos.
A Fundes decidiu ir além da entrega de conhecimento, passando à sua implementação por meio de serviços de consultoria de varejo. “A ideia do nosso fundador era ótima em seu tempo, para ajudar diretamente as MPMEs”, diz o atual CEO da Fundes, Elfid Torres. “Houve um ponto de inflexão, quando a equipe teve de mostrar coragem. Se não tivéssemos mudado naquele momento, a organização provavelmente teria deixado de existir.”
O advento do novo modelo de consultoria dupla da Fundes – oferecendo suporte tanto para MPMEs como para grandes corporações multinacionais – coincidiu com um interesse crescente em combinar propósito e lucro, em particular por meio da lente de “criação de valor compartilhado”, um conceito desenvolvido em 2011 por Michael Porter e Mark Kramer. Eles definiram valor compartilhado como políticas e práticas que “aumentam a competitividade de uma empresa enquanto fazem avançar de forma simultânea as condições econômicas e sociais nas comunidades em que opera”. Porter e Kramer viram a Fundes como uma personificação prática dessa ideia. Visitaram a organização várias vezes e fizeram referência a ela em discussões de alto nível com executivos.
Embora o modelo de valor compartilhado fosse atraente na teoria, implementá-lo era desafiador. A Fundes precisava de uma equipe com mentalidade comercial para apresentar projetos a multinacionais e outras empresas com fins lucrativos – um território desconhecido para muitos de seus funcionários, a maioria dos quais tinha experiência em filantropia. Para se alinhar com esse novo modelo, o CEO Frei, assim como Torres, que na época era responsável pelo escritório de gestão de mudanças, viram a necessidade de estabelecer na Fundes uma cultura mais voltada para o comércio. Em 2008 e 2009, a organização dispensou 150 dos 200 funcionários por não terem experiência empresarial e contratou cerca de 60 novos profissionais para apoiar o novo modelo de consultoria.
Embora a fundação permanecesse dedicada a apoiar as MPMEs, agora precisava de uma estratégia regional para trabalhar efetivamente com clientes multinacionais e se beneficiar de forma mais coordenada de sua presença em vários países. Mais de 50 empresas multinacionais, entre elas Walmart, PepsiCo e Cemex, começaram a trabalhar com a Fundes para desenvolver suas cadeias de valor com MPMEs.
Para melhor atender esses clientes, a Fundes consolidou sua estrutura descentralizada em escritórios regionais ou nacionais que pudessem se coordenar de forma mais fluida com a sede. A centralização da fundação marcou uma grande mudança cultural. A sede da organização na Costa Rica assumiu um papel duplo, supervisionando as operações e apoiando as subsidiárias, enquanto coordenava de maneira direta alguns projetos multinacionais. A equipe central ali instalada, liderada por Torres, era ambiciosa, mas as iniciativas com frequência enfrentavam gargalos. Os gerentes das subsidiárias às vezes dificultavam o fluxo de estratégias da sede para as equipes locais, tornando desafiador implementar por completo novas ideias.
“Não quero ser uma empresa de consultoria”, disse um gerente de subsidiária, que pediu para não ser identificado. “Quero fazer negócios com o governo. Quero fechar acordos com fundações. E esses parceiros não trabalharão conosco se acharem que somos uma consultoria.”
Além disso, muitos anos após a nova estratégia, alguns funcionários ainda viam a Fundes como uma ONG, e não como uma empresa de consultoria com uma missão social. “Nossa proposta de valor é apoiar e desenvolver MPMEs; não é cobrar dinheiro delas ou gerar lucro”, disse um coordenador de projetos do México, que também pediu anonimato. “Como nosso diretor Frei disse, se você ajudar a desenvolver essas empresas e a gerar benefício econômico, você reduzirá a pobreza. É isso que acredito que a Fundes deveria fazer.”
Apesar desses desafios, o modelo de valor compartilhado da Fundes ganhou impulso, com cada projeto de consultoria bem-sucedido servindo como uma prova de conceito adicional. Um exemplo de sucesso foi um projeto com a produtora brasileira de aço Gerdau, que envolveu o treinamento e a organização de milhares de ferros-velhos em México, Venezuela e Colômbia para fortalecer a cadeia de suprimentos da empresa. A Gerdau tinha dois objetivos: primeiro, trabalhar com seus fornecedores estabelecidos os aspectos relativos a qualidade, redução de custos e desenvolvimento comunitário para alcançar uma relação de confiança mútua, respeito e sustentabilidade; segundo, identificar novos fornecedores e desenvolvê-los, integrando-os à cadeia de suprimentos da empresa. Esse projeto de grande escala foi realizado entre 2014 e 2015, o que resultou em melhoria do trabalho de 58 fornecedores (13 no México, 25 na Venezuela e 20 na Colômbia).
A Fundes expandiu sua base de clientes e beneficiários, trabalhando cada vez mais com gigantes corporativos como Coca-Cola, AB InBev e Bimbo. Para a AB InBev e sua subsidiária SABMiller, a Fundes implementou seu primeiro grande projeto inter-regional em seis países – El Salvador, Honduras, Panamá, Colômbia, Equador e Peru –, de 2013 a 2018, apoiando pequenos varejistas na melhoria de seu desempenho geral nos negócios, na promoção da qualidade de vida de seus funcionários e para assumirem papéis de liderança em suas comunidades. O projeto, chamado 4e, foi instalado pela primeira vez em El Salvador e depois expandido por toda a região. O programa tinha três objetivos: o desenvolvimento de capacidades de negócios (incluindo treinamento em grupo com aconselhamento técnico personalizado); a melhoria da qualidade de vida dos indivíduos e de suas famílias (envolvendo gestão de renda, investimento e planejamento de vida); e o fomento da liderança comunitária e social (com treinamento para desenvolver empresas sociais).
Com base nos primeiros exemplos de sucesso, a Fundes uniu forças com o Fundo Multilateral de Investimento (Fumin) do Banco Interamericano de Desenvolvimento para lançar um projeto de US$ 20 milhões destinado a apoiar o desempenho empresarial de pequenos varejistas. Foram 12 semanas de um ciclo que compreendeu recrutamento, diagnóstico, treinamento em sala de aula, mentoria na loja, monitoramento e entrega de certificados. A primeira iteração regional do 4e alcançou 5.631 lojas em seis países.
A ambição da SABMiller era ampliar sua inserção em ecossistemas de negócios regionais e trabalhar com lojas de bairro de uma forma que, ao fim e ao cabo, impactasse a vida de até 10 milhões de pessoas. “Os tenderos [lojistas] são referências comunitárias e líderes de opinião”, escreveu Torres. “Suas lojas são centros de informação e integração para seu bairro. Eles constroem capital social e criam uma cultura de empatia.”
Embora a SABMiller elogiasse as atividades da Fundes por seu impacto, queria alcançar uma quantidade de pequenos varejistas que vendiam seus produtos muito maior que aquela atendida pela Fundes, e a um custo menor por engajamento. Mas a capacidade de escala da organização havia atingido seus limites, pois só podia contar com seis gerentes de projeto e cerca de 100 consultores para Colômbia, Equador, El Salvador, Honduras, Peru e Panamá.
Essa dificuldade na ampliação era uma reclamação compartilhada por outros clientes corporativos. Até 2016, a Fundes havia trabalhado com 450 mil MPMEs. Apesar de parecer um número muito grande, representa apenas uma pequena fração dos 20 milhões de MPMEs da América Latina. Além disso, grandes clientes corporativos da Fundes concluíram que a expansão por meio da consultoria tradicional era financeiramente insustentável.
“Justo quando atingimos equilíbrio financeiro e estávamos prontos para conquistar o mundo, nossos clientes vieram com novas demandas”, recorda Frei. “Eles nos disseram que gostavam das coisas que fazíamos, mas queriam que as fizéssemos não apenas com centenas ou alguns milhares de MPMEs, mas com 100 mil MPMEs. Ao mesmo tempo, disseram que o custo deveria ser reduzido.”
Enquanto enfrentava esse problema no trabalho com clientes corporativos, a organização cultivava parcerias com fundações filantrópicas internacionais. Um desses parceiros, a Fundação elea para Ética na Globalização, acabaria por levar a Fundes à sua próxima reinvenção. A missão da elea, fundada por Susanne e Peter Wuffli, é combater a pobreza com meios empresariais, aproveitando as oportunidades da globalização. A colaboração entre a Fundes e a elea começou com um projeto conjunto para apoiar pequenas lojas de bairro na Bolívia em 2009 e evoluiu ao longo dos anos para um relacionamento mais próximo.
“A Fundes tinha uma missão intimamente alinhada à nossa, era bastante empreendedora e entendia muito bem as cadeias de valor locais”, recorda Adrian Ackeret, diretor de investimentos da elea. “No entanto, a esperança de que seria possível conquistar em alguns anos um número crescente de grandes fabricantes de bens de consumo, como principais clientes para essa abordagem, mostrava-se ambiciosa demais. Era necessário um foco mais forte na tecnologia para reduzir custos, promover a capacidade de ampliação e usar a rede da Fundes de maneira eficaz.”
Digitalizar para crescer
De 2016 a 2021, a Fundes foi percebendo que não poderia continuar seus serviços de consultoria de valor compartilhado na escala exigida por seus parceiros corporativos. Enfrentou um dilema: deveria prosseguir com o mesmo modelo em uma escala menor ou embarcar em mais uma transformação para seguir em sua missão? A liderança da fundação decidiu fazer uma nova guinada estratégica para garantir estabilidade financeira, satisfação dos parceiros corporativos e impacto em grande escala. Ao longo dos anos, desenvolveu um modelo digital que alterou – e poderia, com o tempo, substituir – o antigo e dispendioso modelo baseado em escritórios de país.
Em 2016, Armando Moguel juntou-se à Fundes como diretor de estratégia e desenvolvimento de negócios. Físico e engenheiro de sistemas por formação e fundador de uma plataforma colaborativa de cadeia de suprimentos, Moguel trouxe uma perspectiva de fora. Diagnosticou que as sinergias regionais idealizadas por Torres e Frei não tinham se materializado. Na verdade, os primeiros projetos internacionais, como o da SABMiller, expuseram as estruturas de país e regionais da Fundes como excessivamente complexas e consideradas, pelos clientes, difíceis de navegar. Além disso, o modelo de consultoria lutava para atender às demandas dos clientes por ampliação da escala e eficiência.

A equipe de gestão optou por duas respostas: primeiro, para reduzir custos, a Fundes reorganizou suas unidades de país em uma estrutura centralizada, baseada em polos. A maioria da equipe trabalharia na Costa Rica e no México, e se concentraria em projetos com sinergias entre países. Segundo, para aumentar a capacidade de ampliação, a fundação começou a experimentar novas tecnologias e novos modelos de negócio a fim de alcançar mais MPMEs sem sacrificar o impacto social.
Durante esse tempo, os líderes da fundação decidiram se concentrar no valor do cliente – determinando o que os clientes precisavam e o que estavam dispostos a pagar por isso. Torres também impulsionou a Fundes a tornar a organização mais eficiente. Fechou vários escritórios para simplificar as operações. Para o CEO, a competência central da fundação envolvia criar propostas de projetos, vendê-las para os clientes e implementá-las por meio de gerentes de projetos locais. Ele descreveu esse período como uma “busca pela dor no mercado”, em que se procuravam problemas que a Fundes pudesse ajudar as MPMEs a resolver, ao mesmo tempo que as impactava de maneira significativa.
Para simplificar ainda mais suas operações e melhor atender os clientes, a Fundes adotou soluções digitais, identificando novas oportunidades de criar impacto sem comprometer a sustentabilidade financeira. Os líderes da fundação consideraram especialmente promissora a monetização de seu conhecimento central – dados sobre MPMEs, que seriam cruciais para análises de cadeias de suprimentos e redes de distribuição para grandes corporações. Mas tal mudança no modelo de negócio exigiria novos acordos e novas empresas parceiras. Envolveram-se então em discussões acaloradas sobre se o futuro digital era o caminho certo. No fim das contas, concordaram que tinham pouca escolha: precisavam abraçar o novo modelo digital se a Fundes quisesse continuar a cumprir sua missão.
Uma das primeiras novas iniciativas da Fundes foi a criação de uma plataforma na América Central para geolocalizar lojas de bairro, fornecendo-lhes consultoria e suporte logístico. A plataforma também gerava insights de mercado para clientes maiores que trabalhavam com pequenos varejistas. Ao mesmo tempo, Torres liderou sessões de brainstorming sobre o futuro da fundação, nas quais Moguel foi incluído para trazer inovação à organização e a seu modelo operacional. Torres descobriu que a contribuição de Moguel era “como um reagente que você adiciona a outro fluido estático”, à medida que o físico e engenheiro ajudou a catalisar uma abundância de novas ideias. Em 2016, a Fundes lançou uma unidade chamada Fábrica de Inovação, composta de uma pequena equipe encarregada de experimentar estratégias digitais para aproveitar a nova base de conhecimento. Após dois anos, em 2018, a Fábrica de Inovação evoluiu para a Fundes Digital, uma entidade legal separada que ficou sob o comando de Moguel.
Logo a Fundes provou que as ferramentas digitais não eram apenas uma maneira de ganhar dinheiro, mas também fundamentais para continuar a servir às MPMEs da América Latina. A Fundes Digital lançou comunidades baseadas no Facebook para proprietários de minilojas em vários países, como Peru, Costa Rica, Colômbia, El Salvador, Honduras e Chile. Os grupos atuaram como uma plataforma para que a organização pudesse fornecer conteúdo gratuito e coletar insights sobre as habilidades digitais das MPMEs. Em seguida, lançou um aplicativo chamado EntreTenderos, que fornecia pílulas de conhecimento empresarial gratuitas para proprietários de pequenas lojas. Donos de minimercearias na Colômbia apreciaram a ajuda e avaliaram muito bem a comunidade no Facebook. Os comentários incluíram afirmações do tipo: “Todos os vídeos me ajudaram muito”, “Bons conselhos sobre como administrar uma loja” e “Que ótimo site. Precisávamos disso”.
A Fundes também começou a coletar e digitalizar dados para venda a empresas de bens de consumo de giro rápido (FMCG, na sigla em inglês) interessadas em entender melhor o comportamento da rede de varejo da fundação. No entanto, a implantação da ideia se mostrou desafiadora demais – a atualização constante dos dados das MPMEs não era tecnicamente viável. No fim de 2019, a Fundes Digital havia começado uma variedade de projetos, mas, como é comum em ações digitais em estágio inicial, elas não geraram fluxo de caixa significativo e dependeram de capital para crescer. O financiamento para essas iniciativas foi fornecido pela Fundação elea como um investidor de impacto e pela Fundes, que usou sua reserva estratégica.
Durante essa fase de teste de suas credenciais digitais, a parceria da Fundes com a elea evoluiu para uma colaboração mais próxima e para um desenvolvimento conjunto. Embora seja uma organização filantrópica, a elea sempre aplicou uma lógica de investidora, esforçando-se para estabelecer ações que aliviem a pobreza, mas possam ser autossustentáveis a longo prazo. Essa experiência foi muito útil para orientar a transformação digital da Fundes.
Em 2020, enquanto a Fundes explorava novas oportunidades de negócios no mundo digital, a pandemia de covid-19 atacou. O impacto sobre as MPMEs na América Latina foi severo. A própria fundação foi forçada a acelerar sua transição para uma organização mais integrada e virtual, com ênfase no digital. Em 2021, a Fundes lançou a Merkomuna, uma plataforma digital para compras em grupo baseadas em comunidades, com pequenas lojas servindo como pontos de distribuição. A nova empreitada rapidamente mostrou potencial ao atrair investidores e uma considerável base de usuários de proprietários de lojas: após dois anos de operação, a Merkomuna se separou da Fundes Digital com um CEO e um conselho de administração dedicados, com assentos para a Fundes e a elea. Além disso, Michael Jost, ex-CFO da Nestlé México, tornou-se membro do conselho e investidor.
Jost tinha experiência em operações de FMCG e varejo, incluindo logística, soluções para entrega final e as peculiaridades dos produtos alimentícios e suas margens nas cadeias de valor. Pela abordagem bem organizada da Fundes, convenceu-se a desenvolver o negócio. “Eles analisaram 20 modelos diferentes de como a Merkomuna poderia funcionar e fizeram benchmarking sistemático, em particular com o Pinduoduo, um famoso site chinês de compras em grupo”, diz Jost. “Com base nesse benchmarking, concluímos que o modelo poderia ser aplicado às pequenas lojas tipo changarro [minissupermercado]. Só no México, tínhamos um milhão de changarros. […] Pela minha experiência em FMCG, eu sabia que as grandes corporações não têm essa conexão direta porque dá muita dor de cabeça gerenciá-las.”
A plataforma arrecadou US$ 2 milhões em capital em 18 meses e alcançou vendas anuais de US$ 1,5 milhão. Tudo isso foi obtido com o atendimento de apenas uma parte de Toluca, capital do estado do México, onde a Merkomuna logo se expandiu para atender 4 mil pequenas lojas. No entanto, apesar desse crescimento, a Merkomuna nunca atingiu a lucratividade.
“Crescemos muito rápido, nos mudamos para um armazém maior, investimos bastante no aplicativo, integramos a logística de back-office e contratamos pessoas demais”, afirma Jost. Os desafios do modelo intensivo em capital foram ainda mais ampliados por uma desconexão operacional entre a gestão da Merkomuna e a liderança da Fundes. Por fim, a Merkomuna fechou no final de 2023. Apesar desse revés, a fundação aprendeu com o processo e enxergou uma oportunidade de construir sobre os insights obtidos: formalizou sua abordagem de construção de empreendimentos ao explorar, idealizar, criar protótipos e lançar empreendimentos sociais de forma mais sistemática.
Institucionalização do empreendedorismo social
Em 2020, no auge da pandemia, a liderança da Fundes mais uma vez debatia o futuro da fundação em meio a uma crise global. Dois jovens profissionais, o gerente de soluções Mauricio Ramírez e o diretor de crescimento Corentin Larue, sugeriram: “Por que não nos tornamos a Rocket Internet de soluções para micro e pequenas empresas na América Latina?”
Ambos se inspiraram na empresa de capital de risco alemã Rocket Internet, que se especializou em replicar modelos de negócios de sucesso baseados na internet em mercados emergentes. Assim como a Rocket Internet lançou plataformas de comércio eletrônico como Zalando, na Europa, e Lazada, no Sudeste Asiático, Ramírez e Larue viram potencial para um modelo semelhante na América Latina. “Estávamos trabalhando com micro e pequenas empresas e víamos cada vez mais startups oferecendo produtos e serviços para esse público, que conhecíamos muito bem”, conta Larue.
O resultado desse repensar foi a Fundamental, uma incubadora de empreendimentos sociais para lançar negócios orientados a soluções com base no portfólio de projetos que a Fundes havia desenvolvido. Mais uma vez, a fundação teve de descobrir qual seria a trajetória de um novo negócio. Enquanto as primeiras iniciativas digitais da Fundes se concentravam em complementar e apoiar seu modelo de consultoria, a construção de novos empreendimentos começou a se transformar em uma avenida independente para criar impacto.
A Fundamental lançou startups como a Simón, uma plataforma SaaS (software como serviço) que permite que grandes empresas treinem microempreendedores na cadeia de valor ou trabalhadores que atendem essas microempresas por meio de um formato de vídeo semelhante ao TikTok; a Voalá, um empreendimento social de microfranquias que apoia salões de beleza na Guatemala; a Ékole, uma empresa de lanches saudáveis que conecta produtores a mercados; e a Trófica, um serviço de reciclagem de ponta a ponta. Hoje, a Fundamental tem um portfólio robusto de soluções inovadoras que abordam as principais necessidades de negócios das MPMEs, como entrega final, e-learning e microfranquias.
O foco principal da Fundamental era a exploração e a ideação. Uma vez que um conceito de empreendimento se mostrasse promissor, a incubadora procurava um empreendedor para levá-lo adiante, oferecendo uma participação de 30% que poderia crescer para 60% ou 70% ao longo do tempo. O objetivo da Fundamental era lançar pelo menos um novo empreendimento social a cada ano. Após 18 meses de incubação e construção de empreendimentos, os projetos buscariam financiamento independente e desenvolvimento adicional.
“Esse é um ecossistema”, diz Torres sobre a interação entre o modelo de consultoria da Fundes e a Fundamental. “A Fundes permanece sendo a organização que trabalha com as MPMEs e o mundo corporativo, mas que também procura o que poderia ser um empreendimento social [para a Fundamental]. Então, os empreendimentos [da Fundamental] podem trazer negócios para a Fundes e servir como exemplos da maneira pela qual o mundo corporativo pode integrar a criação de valor social em seu núcleo e não apenas considerar a RSC [responsabilidade social corporativa].”
A transformação da Fundes em uma incubadora de empreendimentos sociais foi facilitada por meio de parcerias com investidores filantrópicos como a Fundação Julius Bär, Leopold Bachmann Stiftung e Argidius, bem como investidores de impacto como a Fourfold Foundation, GitLab Foundation e elea. Esses financiadores contribuíram com suporte financeiro e ajudaram a implementar o novo modelo operacional.
“No início, havia um forte foco na estratégia, e provavelmente colocamos muita ênfase nisso”, diz Ackeret. “Em retrospectiva, deveríamos ter colocado ênfase extra no estabelecimento de padrões de relatórios e transparência financeira para os investidores. A Fundes sempre foi muito profissional em relatórios de impacto. Mas prestar contas aos investidores é mais sobre KPIs [indicadores-chave de desempenho] e pontos de comprovação.”
Na transformação anterior da fundação, o CEO Torres contratou gerentes de negócios para substituir a equipe concentrada em filantropia. Dessa vez, trouxe a bordo indivíduos com mentalidade empreendedora que queriam desenvolver sua participação em projetos e crescer junto com eles. Para impulsionar esse novo modelo, a Fundes também promoveu talentos internos. Essa nova geração de funcionários incluiu líderes como Mauricio Ramírez, que se tornou diretor administrativo da Fundes em outubro de 2023; Corentin Larue, que passou a ser o diretor administrativo da Fundamental no início de 2022; e Maxime Braun, construtor de empreendimentos experiente que assumiu o cargo de diretor de portfólio da Fundamental em fevereiro de 2022. Descritas de maneira amigável por Frei como hipsters, as equipes da Fundamental se reuniram na Cidade do México, um centro para nômades digitais, trabalhando remotamente com os gerentes locais que cuidavam dos clientes nos principais mercados da fundação na América Latina. Localizado em seu maior mercado, o escritório da Fundes na Cidade do México se tornou seu polo estratégico.
Lições da Fundes
Na festa de 40 anos da Fundes, diferentes gerações da gestão da fundação se reuniram para celebrar suas conquistas passadas e vislumbrar um futuro. A noite capturou o desenvolvimento da Fundes: enquanto cada geração enfrentou e dominou desafios únicos, todas foram unidas pela missão de ajudar as MPMEs a trazer prosperidade para a América Latina. A fidelidade da Fundes à sua missão foi confirmada por um beneficiário recente, Luis Antonio Tello, proprietário da Shucos Estelita, uma loja de sanduíches em um bairro de baixa renda na Cidade da Guatemala. “Eles me ajudaram a realizar meu sonho para toda a minha família”, disse Tello. “Obrigado, Fundes!”
Ao longo das transformações da fundação, Frei atuou como o guardião da missão. Embora a Fundes tenha permanecido firme em seu compromisso com as MPMEs, sua definição de “impacto” evoluiu. Nos primeiros anos da instituição, cada funcionário podia ver imediatamente o impacto que estava tendo nas MPMEs. Na segunda fase, de consultoria, a compreensão do impacto tornou-se mais ampla e complexa, pois também se referia aos grandes parceiros corporativos da organização. Essa complexidade ganhou ainda mais impulso nas iniciativas de empreendimentos sociais mais recentes.
“Quanto mais os investidores querem medir, mais temos de medir”, diz Frei. “Mas essas métricas nem sempre se relacionam com o impacto. Por exemplo, se 100 mil pessoas usam nosso aplicativo, não podemos presumir que tiramos 100 mil pessoas da pobreza. Isso era diferente no início da Fundes, quando podíamos ver diretamente nosso impacto para as MPMEs.”
A história da Fundes revela, em última análise, as condições, oportunidades e desafios associados à busca de longo prazo de uma missão social unificadora sob circunstâncias internas e externas em constante mudança. Primeiro, mostra que a realização de um impacto sustentável a longo prazo para a sociedade requer gestores dedicados e muito empreendedores. No caso da Fundes, a mentalidade empreendedora está enraizada tanto na sua missão como nas pessoas encarregadas de impulsionar essa missão. Os executivos da entidade mostraram talento para identificar oportunidades, assumiram riscos calculados, resolveram problemas de forma criativa, persistiram diante dos desafios e exibiram uma abordagem proativa e inovadora para questões empresariais e sociais. Por exemplo, a primeira transformação em uma consultoria de valor compartilhado exigiu a identificação de um modelo de negócio radicalmente novo para o qual não havia modelos de referência no mercado.
Segundo, a Fundes teve de entrar em domínios de mercado totalmente novos para continuar seguindo sua missão. Apesar da resistência de muitos funcionários, os gestores persistiram e entraram em território desconhecido. Durante a primeira transformação, começaram a colaborar com grandes multinacionais de varejo que diferiam de forma drástica das MPMEs que eram os clientes anteriores da Fundes. Da mesma forma, a segunda transformação em uma incubadora de empreendimentos sociais trouxe mais uma vez uma nova lógica de mercado e exigiu que a fundação gerenciasse um novo conjunto de indicadores-chave de desempenho, como número de usuários, capacidade de ampliação ou fluxo de caixa.
Terceiro, novos domínios de mercado vieram com a necessidade de abraçar novos grupos de stakeholders. Os primeiros dias da Fundes como organização filantrópica exigiram que ela agisse de forma muito centrada no doador e se alinhasse à visão e ao propósito de financiamento do doador. As fundações continuam importantes hoje, mas em papéis diferentes. Por exemplo, a Fundação elea tornou-se mais engajada do que os doadores iniciais. No entanto, a complexidade aumentou a cada transformação. Como a Fundes é uma empresa de consultoria de valor compartilhado, grandes corporações e instituições governamentais precisaram ser gerenciadas com cuidado, sem alienar os stakeholders existentes. A última transformação aumentou ainda mais a complexidade dos stakeholders, com muitas outras organizações envolvidas. Enquanto antes havia tipicamente uma fundação fornecendo apoio financeiro, a gestão da Fundes passou agora a lidar com conselhos de investidores compostos de múltiplas fundações e fundos. Também internamente, a Fundes hoje precisa atender a demandas muito distintas, como as dos especialistas em TI que exigem oportunidades de trabalho remoto e mecanismos de incentivo diferentes dos consultores de linha de frente que trabalham de forma direta com as MPMEs.
Por fim, a Fundes é um exemplo de como pode ser difícil perseguir uma missão social ao longo de várias décadas. Embora suas transformações tenham se mostrado eficazes, a jornada não foi nada fácil. Houve inúmeros contratempos, desafios e conflitos. A boa notícia, no entanto, é que as experiências e capacidades que a organização acumulou nos últimos 40 anos provavelmente a ajudarão a continuar sua jornada de transformação e a defender sua missão, quaisquer que sejam os novos desafios a aguardá-la no horizonte.
OS AUTORES
Tina c. ambos é professora de gestão internacional e diretora do Centro de Inovação e Parcerias da Escola de Economia e Gestão da Universidade de Genebra.
Alexander zimmermann é professor adjunto de desenvolvimento organizacional e chefe de desenvolvimento universitário da Universidade de St. Gallen.
Sebastian h. fuchs é professor de gestão e liderança e de empreendedorismo no Tecnológico de Monterrey, além de pesquisador visitante na Oxford Brookes Business School e na Oxford Space Initiative da Universidade de Oxford.
Os autores gostariam de agradecer à equipe da Fundes, em particular Ulrich Frei e Elfid Torres, bem como a outras pessoas entrevistadas, por seu generoso apoio e tempo durante anos de pesquisa.