Transferência de programas para ampliar o impacto social
Embora quase sempre deflagrada por crises institucionais, a transferência de programas de uma organização para outra não representa um fracasso – e pode ser uma oportunidade para que todos os envolvidos atinjam suas metas
Por Michelle Shumate, Lindsay Kijewski, Kate Piatt-Eckert, e Christine Thompson
Por que publicamos este texto
O artigo traz à tona uma prática ainda pouco discutida e sistematizada no Brasil, propondo uma visão em que programas sociais podem circular entre organizações para atingir seu pleno potencial. Em um contexto marcado por escassez de recursos e alta demanda por soluções eficazes, o artigo oferece aprendizados, exemplos e orientações sobre como planejar transferências bem-sucedidas — além de destacar o papel fundamental dos financiadores nesse processo.
Leia também Aliança em novo ciclo para conhecer a história da transferência da Aliança pelo Impacto.

É enorme a quantidade de livros já escritos sobre gestão de mudanças, cultura organizacional e ampliação de escala. Parcerias estratégicas, no entanto, ainda não receberam a mesma atenção. É uma pena, pois para líderes do setor social essas parcerias são um instrumento adicional para criar a infraestrutura necessária ao enfrentamento de desafios e à conquista de metas.
Em certos casos, parcerias estratégicas exigem mudanças estruturais profundas. Fusões e aquisições, por exemplo, combinam e incorporam entidades. Outras estratégias de parceria preservam as estruturas já existentes, mas estabelecem vínculos entre as organizações envolvidas. Compartilhar equipes, dividir um mesmo teto e outros modelos de colaboração operacional permitem que organizações sem fins lucrativos mantenham sua independência, mas compartilhem atividades essenciais.
A transferência de ativos é mais uma alternativa no repertório de parcerias estratégicas, que difere de outras formas de parceria em dois grandes aspectos. O primeiro é que a colaboração entre as organizações envolvidas dura apenas o tempo necessário para que a transferência seja feita. E o segundo é que esse modelo pode ser aplicado isoladamente ou em conjunto com outras estratégias, como fusões, dissoluções e a criação de estruturas federadas.
Em geral, essa transferência envolve ativos tangíveis como imóveis, veículos e equipamentos inscritos no balanço patrimonial da organização. Os ativos físicos costumam ser transferidos em meio a fusões e dissoluções, quando a organização que originalmente os adquiriu deixa de existir. Muitos líderes, no entanto, vêm adotando uma visão mais ampla sobre esse portfólio de ativos e as circunstâncias em que sua transferência pode gerar impacto. Enquanto dirigentes de empresas com fins de lucro usam ativos para gerar receita, líderes de organizações sem fins lucrativos têm como objetivo produzir impacto social e cumprir a missão da organização. Mas ativos não são só bens físicos: podem ser programas, tecnologia exclusiva, redes de relacionamentos, processos criativos e propriedade intelectual. E, ainda que não apareçam no balanço financeiro, certos ativos intangíveis são imprescindíveis para que a organização atenda a comunidade e cumpra sua missão.
No setor social, a transferência de ativos dessa natureza depende de um acordo entre as partes envolvidas. As transferências de programas costumam abranger diversos tipos de ativos, como ativos físicos, financeiros, processos criativos, tecnologia e propriedade intelectual. E podem, inclusive, envolver a transferência de relações já estabelecidas com funcionários, voluntários, fornecedores e membros da comunidade.
Após um estudo aprofundado sobre a transferência de programas, constatamos que essa é uma excelente ferramenta para o crescimento e a mudança organizacionais. Para cumprir as metas ambiciosas de um líder que busca o impacto social, talvez seja preciso incorporar um programa de outra organização ou transferir um programa da própria organização. A seguir, apresentaremos lições trazidas por nossa pesquisa para incentivar líderes sociais a fazerem um uso mais amplo e melhor dessa ferramenta estratégica.
Comida e empregos
Nosso estudo é parte de um projeto que examinou a colaboração permanente entre organizações. A ideia era entender o que distinguia uma colaboração de sucesso (ou seja, que tinha um impacto positivo mensurável nas organizações e na comunidade) de iniciativas menos frutíferas. Analisamos diversas modalidades de colaboração, como alianças, projetos compartilhados, serviços compartilhados, fusões e transferências de ativos. Ao longo da pesquisa, realizada durante o primeiro semestre de 2023, fizemos 118 entrevistas com indivíduos envolvidos em 45 iniciativas de colaboração, incluindo financiadores, funcionários, conselheiros, consultores e advogados. Desse total, selecionamos 20 casos para uma análise mais aprofundada (essa informação é pública e está disponível online em sustainedcollab.org/collaboration-stories). Neste artigo, apresentamos dados de oito casos que envolveram transferências de ativos ou incorporações.
Um dos casos – exemplo de como a transferência de ativos pode turbinar a inovação e o impacto social – é o da parceria entre a Uplift Solutions e o Share Food Program na Filadélfia, no estado da Pensilvânia (Estados Unidos).
A Uplift Solutions foi criada em 2009 por Jeff Brown, CEO da rede de supermercados Brown’s Super Stores, para enfrentar o problema dos “desertos alimentares urbanos”: comunidades sem acesso a alimentos frescos e saudáveis. A entidade, sem fins lucrativos, abriu supermercados nesses lugares e criou programas de capacitação profissional voltados a trabalhadores do setor de alimentos, incluindo pessoas que estavam saindo do sistema prisional. Em 2018, a Uplift criou o programa Philly Food Rescue para ampliar seu impacto no combate à insegurança alimentar. O programa contava com voluntários que recolhiam excedentes de alimentos em supermercados, restaurantes e fornecedores e os distribuíam para organizações que atendiam pessoas em situação de insegurança alimentar. Essa operação de coleta e distribuição era coordenada por meio de um aplicativo licenciado da 412 Food Rescue, organização especializada nessa logística. A equipe do Philly Food Rescue estabeleceu relacionamentos com supermercados, lojas de conveniência, bufês e restaurantes, criou parcerias com conjuntos habitacionais, lares para idosos e centros comunitários para a distribuição dos alimentos e montou uma vasta rede de voluntários.
Com a ajuda de centenas de voluntários, o Philly Food Rescue distribuía quase 60 toneladas de alimentos por mês. Embora tenha enfrentado um problema sério na Filadélfia, a iniciativa não conseguiu apoio financeiro relevante de fundações da região. Em 2019, o presidente da Uplift, Atif Bostic, concluiu que para a organização cumprir sua missão, o melhor a fazer seria priorizar a capacitação profissional e buscar uma parceira para tocar o programa.
O Share Food Program, também da Filadélfia, é um dos maiores bancos de alimentos independentes dos EUA. Em 2019, tinha um orçamento de aproximadamente US$ 13 milhões – recursos em sua maioria vinculados a subsídios ou contratos públicos. Todos os anos, a organização distribuía toneladas de alimentos para milhares de pessoas por meio de uma vasta rede de parceiros, como organizações comunitárias e redes de ensino. Com a demanda crescendo sem parar, o Share enfrentava o constante desafio de angariar alimentos de varejistas e queria ampliar sua capacidade de captação, distribuição e logística.
George Matysik, diretor-executivo do Share, já vinha explorando com potenciais parceiros a possibilidade de uma união para aumentar a capacidade total do banco de alimentos. Foi por essa época que Bostic começou a procurar interessados em assumir seu programa. Matysik sabia que a captação de excedentes de alimentos de empresas locais poderia ajudar nessa expansão. Mas, como dependia de recursos públicos, o Share não tinha total liberdade para inovar, pois leis federais regulavam a distribuição de alimentos doados, sob supervisão da Food and Drug Administration, a agência sanitária dos EUA. Até que, um dia, Bostic e Matysik conversaram e o Share incorporou o Philly Food Rescue. O programa deu a Matysik uma oportunidade única de melhorar o serviço sem investir consideráveis recursos para desenvolver um novo programa do zero. Mais que isso, a tecnologia de logística do Philly Food Rescue dava ao Share a possibilidade de tornar seus outros programas ainda mais sofisticados e interligados.
A transferência do programa também permitiu que a Uplift Solutions se concentrasse em sua missão maior, que era a capacitação profissional. Em 2022, redefiniu sua missão e visão para refletir essa ênfase renovada na capacitação, vislumbrando um futuro no qual jovens em situação de vulnerabilidade e pessoas com antecedentes criminais tivessem a oportunidade de atingir seu pleno potencial. Assim como doar roupas que não servem mais abre espaço no armário e ajuda quem precisa, transferir um programa social a outra entidade pode liberar a organização para se dedicar a áreas em que seu impacto possa ser ainda maior.
Quando considerar a transferência de programas
Há várias razões para se transferir um programa – e nem toda transferência é simples como a do Philly Food Rescue. A transferência possibilita que uma organização social maximize o impacto de um programa, serviço ou outro ativo ao desvinculá-lo de uma estrutura organizacional que não está alinhada com seu propósito. Quando vê que certos ativos não estão sendo plenamente aproveitados ou não estão em sintonia com os objetivos da organização, um líder atento pode agir para realocá-los em instituições nas quais tenham condições de atingir seu potencial. Nossa pesquisa identificou três circunstâncias que podem inspirar um líder a transferir um ativo programático: incubação de programas, redirecionamento estratégico e ampliação do impacto de programas.
Incubação de programas | Inovação e sustentabilidade são objetivos distintos, que exigem diferentes capacidades, modelos de gestão e infraestruturas. Conceber novos programas para atender comunidades de maneira inovadora, criar processos originais de colaboração e inventar soluções para velhos problemas exige criatividade, disposição para correr riscos e abertura à incerteza. Já manter serviços funcionando no dia a dia, garantir segurança e conformidade regulatória, aderir a protocolos necessários e realizar a constante manutenção de instalações e equipamentos demandam previsibilidade, estabilidade e repetição.
Quando uma organização desenvolve um novo programa, serviço ou processo, transferir esse ativo totalmente incubado permite que ela continue inovando e buscando novas soluções. Ao mesmo tempo, o ativo pode crescer dentro de uma organização com a escala, a estrutura e o foco necessários para sua consolidação. Tanto a organização que transfere como a que recebe podem se beneficiar da transação. Em última instância, o setor social como um todo se fortalece quando sua capacidade de inovar por meio do desenvolvimento de programas e a prestação de serviços é gerida de forma mais eficiente.
Para Atif Bostic, da Uplift Solutions, programas são ativos a ser administrados em prol da comunidade. A seu ver, líderes comprometidos com uma missão devem pensar no impacto que deixam como um todo. “Às vezes, quando pensamos em nosso legado, nos prendemos ao trabalho que estamos fazendo no momento. Vemos o legado como a longevidade de um único projeto, em vez de pensá-lo como o impacto que podemos gerar com o conjunto do nosso trabalho e quanto isso contribui para o bem maior”, diz Bostic. Ao contemplar a transferência do Philly Food Rescue, ele levou em conta sua organização, a comunidade e o legado que criaria. A decisão de transferir o programa foi melhor tanto para sua organização como para a comunidade – e o crescimento contínuo do Philly Food Rescue, agora em sua nova casa, faz parte do legado de Bostic na criação e implementação de programas transformadores.
Redirecionamento estratégico | Troca de lideranças, mudanças no perfil de comunidades atendidas, avanços tecnológicos, pressão externa e novas oportunidades de financiamento tendem a redefinir prioridades e objetivos de uma organização social. Ao examinar e avaliar a carteira de programas e serviços, seus líderes podem identificar iniciativas que, apesar de eficazes isoladamente, não estão mais alinhadas com a missão ou o foco da instituição e poderiam ter um impacto maior se transferidas a outra entidade. E, de quebra, liberar a organização cedente para se concentrar em suas principais atividades.
A transferência do programa Youth and Parent Leadership Development (YPLD), em Los Angeles, é um bom exemplo. O YPLD era um projeto com apoio financeiro da Asian Americans Advancing Justice, uma organização dedicada a promover direitos civis e humanos da população asiático-americana. O projeto trabalhava com estudantes dentro de escolas e era focado em advocacy. A organização tinha incubado e patrocinado financeiramente diversas iniciativas sociais em um espaço compartilhado, que alugava e operava. Mas, em 1999, o diretor-fundador Stewart Kwoh decidiu se afastar. A troca de comando levou a um redirecionamento estratégico, e a organização priorizou sua missão principal e reduziu seu papel de incubadora de outras iniciativas. Muitas das organizações que patrocinava, incluindo o programa YPLD, tiveram de buscar novos apoiadores (leia mais sobre essa transferência em Mudança na cultura organizacional, mais adiante).
Ampliação do impacto de programas | Outra razão para transferir um programa é quando outra organização tem melhores condições de administrá-lo. A instituição receptora do ativo pode ter mais experiência, programas complementares que criam sinergias ou uma estrutura de gestão mais robusta para expandir o programa. Líderes do setor social devem se ver como guardiões de seus programas em nome da comunidade e se perguntar se alguma outra organização poderia aumentar o impacto desses ativos. Se a resposta for sim, a melhor decisão para os beneficiários do programa talvez seja transferir o ativo.
Vejamos, por exemplo, a decisão da Beyond Foundation de aceitar, em 2021, a transferência de um programa do El Rio Community Health Center, em Tucson, no estado do Arizona (EUA). O centro abrigava o Meet Me at Maynards, um evento semanal de atividade física que reunia cerca de 800 pessoas por mês. A Beyond Foundation já promovia iniciativas gratuitas para incentivar hábitos saudáveis entre os moradores de Tucson. Na época, Jannie Cox, idealizadora do Meet Me at Maynards, estava planejando se aposentar após 14 anos à frente do projeto e percebeu que a Beyond Foundation poderia ampliar o impacto da iniciativa. Cox buscou – e encontrou – um parceiro na comunidade capaz de manter sua visão inicial e expandi-la para outras iniciativas que combinassem atividades físicas e engajamento social.
Impacto da aquisição
A ideia da transferência de ativos é alinhar programas, serviços, processos e outros recursos à organização com a gestão mais adequada para abrigá-los e permitir seu pleno desenvolvimento. Assim como o transplante de mudas, a transferência de programas permite que as organizações alcancem seu potencial máximo, ao mesmo tempo que dá aos ativos as condições necessárias para vicejar. Uma organização que considere a aquisição de um programa pode esperar avanços em pelo menos quatro objetivos: inovação, mudança na cultura organizacional, melhoria da qualidade de programas e crescimento organizacional.
Inovação | A integração de diferentes recursos muitas vezes estimula a inovação. A transferência de programas permite que a organização que os recebe incorpore novos recursos e capacidades. Essa infusão cria oportunidades de inovação que não surgiriam se a organização tivesse tentado criar o ativo por conta própria. Ao receber o Philly Food Rescue, o Share conseguiu identificar como preencher lacunas em seu esquema de distribuição de alimentos. A princípio, tentou usar voluntários, como fazia o Philly Food Rescue, mas logo percebeu que a solução não era factível. Em vez disso, fez uma parceria com a empresa de delivery DoorDash para gerenciar essa logística. Hoje, o Share é um dos maiores usuários da DoorDash nos EUA.
Mudança na cultura organizacional | Embora fundamental, a cultura organizacional costuma ser negligenciada: quando saudável chega a ser invisível, mas quando doentia é um sério entrave. A transferência de programas, ao trazer pessoas e ideias novas para uma organização, pode ser uma ferramenta valiosa para definir e fortalecer sua cultura.
A transferência do programa YPLD da Asian Americans Advancing Justice para o Asian Youth Center é um bom exemplo. O Asian Youth Center foi fundado em 1989 (no começo, era o Asian Task Force) pela United Way de Los Angeles. Foi criado para atender às necessidades de serviços sociais e de saúde de famílias asiáticas no Vale de San Gabriel, com foco especial em jovens imigrantes de baixa renda em situação de vulnerabilidade. Inicialmente voltado a educação, empregabilidade e serviços sociais, o centro passou a concentrar esforços também na área de justiça juvenil.
“O Asian Youth Center, tradicionalmente, não era uma organização de advocacy”, diz Michelle Freridge, sua diretora-executiva. “Esse programa [o YPLD], em sua essência, é um programa de liderança e advocacy que ensina jovens e pais a se tornarem ativistas na comunidade e na escola. É uma abordagem de advocacy empoderadora. Historicamente, o Asian Youth Center era apenas uma organização de serviços diretos e nosso financiamento e afiliação iniciais eram com órgãos de segurança pública, para ações de prevenção, intervenção e repressão a gangues com uma abordagem mais tradicional de serviço social.”
Ao aceitar a transferência do YPLD, o centro conseguiu atualizar sua missão, visão e valores para priorizar o empoderamento e o ativismo cultural. A transferência do ativo por si só não foi suficiente para transformar a organização. A equipe de Freridge fez muita capacitação cruzada com os líderes do programa para que todos fossem expostos à abordagem do chamado advocacy empoderador do YPLD.
Melhoria da qualidade de programas | Oferecer programas e serviços de qualidade à comunidade é um objetivo importante. Adquirir programas pode permitir a uma organização melhorar a qualidade de seus programas ao aproveitar recursos disponíveis para apoiar o ativo e criar sinergias com iniciativas alinhadas.
A transferência do programa Learn All The Time para a Andy Roddick Foundation (ARF) exemplifica os benefícios dessa abordagem. O Learn All The Time era uma rede de programas extracurriculares para jovens em Austin, no Texas, com 20 anos de atuação. A ARF, criada pelo tenista estadunidense Andy Roddick, morador de Austin, atuava principalmente como financiadora de programas, com foco em “promover relações seguras e acolhedoras, incentivar o aprendizado e o crescimento e estimular lideranças juvenis”. A fundação já dava suporte financeiro ao Learn All The Time. À medida que expandiu suas atividades, a ARF se interessou em criar um programa para melhorar a qualidade de iniciativas extracurriculares. Com a transferência do ativo, a fundação adquiriu uma plataforma de aprendizagem voltada para a qualificação desses programas. O Learn All The Time trabalhou em parceria com a ARF para desenvolver padrões de qualidade para os provedores de programas extracurriculares – padrões que depois foram implementados na rede.
Crescimento organizacional | Para organizações em trajetória de crescimento, desenvolver internamente um novo programa, currículo ou outra propriedade intelectual não é a única forma de expandir serviços. Receber a transferência de um programa pode ajudá-las a ampliar seu impacto, alcançar um público maior ou atender às necessidades da comunidade com mais agilidade. Como disse um líder do setor, se cultivar um novo programa é como trabalhar com uma pá de jardim, adquirir um programa totalmente estruturado é como usar uma escavadeira.
A transferência do Philly Food Rescue da Uplift Solutions para o Share permitiu que o programa atingisse seu pleno potencial. O Share ampliou o impacto do programa de forma significativa, com logística, infraestrutura e suporte melhores – além do apoio de uma instituição dedicada exclusivamente à segurança alimentar. Antes da transferência, o programa coletava pouco mais de 20 toneladas de alimentos todo mês. Após a integração à infraestrutura do Share, esse número saltou para quase 227 toneladas mensais.

Importância do apoio de financiadores
Outro aprendizado importante da nossa pesquisa é que colaborações estratégicas – em especial as transferências de programas – exigem suporte financeiro. Com frequência, essas ações são vistas por financiadores como meros realinhamentos administrativos. Mas, quando bem executadas, transferências de ativos tendem a ser verdadeiros catalisadores de inovação social e gerar impacto significativo para todos os envolvidos.
Na prática, vimos que muitas organizações sem fins lucrativos só conseguiram explorar ou implementar colaborações duradouras porque tiveram apoio financeiro. Esses recursos possibilitaram a contratação de especialistas técnicos e gestores de projeto, algo fundamental para que a colaboração acontecesse de fato. Se mais financiadores reconhecerem o papel essencial que essa colaboração desempenha – em particular transferências de programas –, será possível ampliar ainda mais os impactos sociais que nossa pesquisa identificou.
Uma das maneiras mais eficazes de sustentar essas transferências é participar de fundos coletivos (pooled funds) dedicados ao apoio de colaborações de longo prazo entre organizações. Foi o caso da transferência entre o Share e a Uplift Solutions, viabilizada pelo Nonprofit Repositioning Fund, e da transferência para o Asian Youth Center, apoiada pela Nonprofit Sustainability Initiative. Ambos são fundos coletivos que bancam dezenas de colaborações desse tipo todos os anos.
Mas não é necessário esperar pela criação de um fundo conjunto para agir. A transferência entre a ARF e a Learn All The Time, por exemplo, foi facilitada pela Austin Together, uma fundação que apoia organizações sem fins lucrativos em processos de colaboração formal (embora não funcione como fundo coletivo, a Austin Together conta com financiadores em seu conselho consultivo).
Três mitos
Ainda há muito desconhecimento sobre o propósito e a natureza da transferência de ativos. Três mitos podem atrapalhar esse processo.
Mito 1: Apenas ativos tangíveis podem ser transferidos – e somente na dissolução ou aquisição de uma organização. Se entendermos os ativos de organizações sociais como tudo o que contribui para seu impacto, fica claro que realocar programas para estruturas organizacionais onde possam ser mais produtivos é o melhor caminho para o setor e para as comunidades atendidas. Por que, então, isso ainda é tão raro?
Muitos dirigentes só consideram a possibilidade de transferir ativos quando estão diante do encerramento da organização – e, mesmo assim, tendem a considerar apenas os ativos que aparecem no balanço patrimonial. A transferência de ativos de outra natureza raramente ocorre, pois nem sequer é cogitada. Isso perpetua o mito de que só pode haver transferências quando uma organização fecha as portas. É difícil achar a linguagem, a orientação e exemplos concretos de transferências de sucesso em programas de formação de lideranças sociais, processos de planejamento estratégico e oficinas de fortalecimento institucional. Nossa pesquisa busca mudar essa realidade.
A definição de sucesso empregada por conselhos de organizações sem fins lucrativos também costuma impedir a transferência de programas. Muitos executivos e conselhos se sentem responsáveis por manter a estrutura organizacional que herdaram. Por essa lógica, transferir um programa pode parecer um fracasso.
Mas há outra maneira de encarar a questão. Dirigentes e conselhos dessas entidades podem se ver como guardiões de ativos que pertencem à comunidade. Com esse olhar, podem considerar todas as possibilidades para garantir que esses programas gerem o maior impacto social possível – inclusive quando isso significa transferi-los para outra organização.
Mito 2: Um ativo autossustentável não tem impacto no orçamento da organização que o recebe. Muitos programas contam com fontes de financiamento específicas que cobrem seus custos operacionais. Para a organização que transfere o programa, isso pode dar a impressão de que o ativo é financeiramente neutro – nem gera, nem consome recursos. À luz desse mito, membros do conselho ou da equipe podem alegar que já há doações ou contratos vinculados ao programa ou mencionar patrocinadores que pretendem continuar apoiando a iniciativa após a transferência. Não raro, presume-se que os mesmos recursos que sustentaram o ativo em uma organização continuarão a sustentá-lo na nova casa.
Mas até no mais estável dos contextos é difícil fazer projeções de receita – e a incerteza que acompanha uma transferência de programas aumenta esse desafio. Quando um contrato ou doação que custeava salários, por exemplo, não é renovado, esses postos de trabalho ficam desguarnecidos. Além disso, doadores nem sempre são tão comprometidos quanto afirmam ser. Em todos os casos analisados em nosso estudo, os programas transferidos exigiram apoio financeiro adicional da organização receptora, que precisou buscar novas fontes de financiamento, utilizar reservas operacionais ou ambas as coisas.
Foi o que aconteceu quando o YPLD foi transferido para o Asian Youth Center. A receita vinculada ao programa cobria apenas três meses de despesas operacionais. Depois da transferência, o Asian Youth Center bancou o programa com recursos próprios por mais de um ano, até conseguir ampliar o financiamento e captar novas doações à medida que o YPLD foi sendo integrado às operações da organização.
Lideranças que estejam avaliando uma transferência de ativos podem combater o mito do ativo autossustentável garantindo que as projeções orçamentárias sejam realistas, transparentes e considerem distintos cenários, como parte do processo de diligência prévia sobre a transferência. Conselhos e equipes diretivas das duas organizações devem analisar essas projeções com atenção e, antes de seguir adiante, a organização receptora precisa garantir que terá reservas financeiras e estrutura suficientes para arcar com os custos mesmo no pior dos cenários.
Mito 3: Até um programa ineficaz pode ser salvo por uma organização maior. Às vezes, líderes bem-intencionados se julgam capazes de resgatar um programa com os dias contados apenas por adotá-lo. A tese é que, sob a gestão eficiente de sua organização, será possível corrigir falhas de operação ou má administração e transformar um programa inviável em algo bom e sustentável. Mas, se um programa não se sustenta, isso dificilmente vai se alterar só porque mudou de casa.
Um programa acaba por diferentes motivos. Às vezes, por erros sérios de concepção. Em outras, por não ter acompanhado mudanças importantes na comunidade ou por estar inserido em um nicho tão específico que não atrai financiadores. Há programas que enfrentam concorrência demais no mesmo campo de atuação ou que não conseguem demonstrar que suas atividades produzem resultados concretos. E há casos em que o programa até já foi fundamental para uma população, mas com o tempo perdeu relevância. Mudar de organização não resolve nenhum desses problemas.
Líderes comprometidos com o impacto social podem evitar esse mito da salvação ao compreender como o programa de fato opera e qual é seu papel no contexto mais amplo do setor. Com a devida diligência, uma organização interessada em receber um programa pode entender melhor os desafios envolvidos e avaliar se está, de fato, em posição de melhorar ou modificar o que for necessário para que o programa gere impacto.
Quatro lições
Transferências de programas podem ajudar lideranças do campo social a cumprir sua missão – mas só quando encaradas de modo realista. Além de identificar mitos, nosso estudo destacou quatro lições fundamentais sobre esse tipo de transferência que todo líder deve ter em mente.
Lição 1: Considerar implicações jurídicas e envolver especialistas na questão. A transferência de ativos exige um processo de avaliação específico, distinto do aplicado na incorporação convencional, quando uma organização absorve integralmente ativos e passivos de outra entidade. Quando a transferência não se dá pela incorporação, passivos sem relação direta com o programa não vão junto. Isso posto, a absorção de ativos pode envolver custos relevantes, obrigações contratuais ou legais, questões trabalhistas e outros aspectos que merecem atenção.
Transferências de programas levantam questões importantes:
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Quais evidências sustentam o valor do ativo?
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Quais são os reais custos de sua manutenção?
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Ativos físicos (instalações, veículos, equipamentos) serão transferidos com o programa? Se sim, há algum ônus sobre esses bens?
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Os ativos físicos carregam algum tipo de responsabilidade legal?
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Qual é o valor e o estado dos ativos físicos?
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Há manutenções pendentes ou adiadas que precisam ser consideradas?
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Há contratos ou exigências legais pendentes que precisam ser atendidos?
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Quais recursos financeiros serão transferidos com o programa?
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Quais cargos serão transferidos com o ativo? Há vínculos sindicais ou contratuais relacionados a esses postos?
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Considerando o modelo de negócios atual, quais as projeções financeiras para três meses? Seis meses? Um ano? Dois anos?
Embora invariavelmente haja um advogado envolvido no processo de diligência prévia, consultores em gestão podem ajudar com projeções financeiras e de outra natureza. Esse apoio técnico é fundamental para que as organizações avaliem se a transferência de ativos trará benefícios estratégicos e se a entidade receptora tem reservas suficientes para arcar com riscos e custos da transição. Além disso, a própria organização transferidora deve investigar possíveis parceiros – em geral, com o apoio de um facilitador –, levando em conta a situação financeira, a reputação institucional e a missão da entidade.
O grau de assistência técnica exigido vai depender do porte e da complexidade dos ativos a ser transferidos e das organizações envolvidas. A transferência do programa Philly Food Rescue para o Share, por exemplo, foi uma transação relativamente modesta. A diligência prévia se concentrou nos contratos de tecnologia transferidos, na verificação de eventuais denúncias ou reclamações contra o programa e na análise dos contratos de trabalho do pessoal que atuava no programa. Já em transferências que envolvem múltiplos programas, equipes ou contratos, a diligência tende a ser mais extensa. Definir a complexidade adequada para esse processo em qualquer transferência de ativos é responsabilidade dos conselhos e das lideranças das organizações envolvidas, com o suporte de assessoria jurídica.
Lição 2: Determinar se a equipe será transferida junto com o ativo. A absorção de pessoal é uma preocupação central em muitas transferências de programas. Refletir – séria e separadamente – sobre cada posto a ser transferido e sobre cada indivíduo que ocupa esses cargos é fundamental para a saúde da organização. Embora a equipe seja essencial para o valor de muitos programas, isso não significa que as pessoas envolvidas seguirão automaticamente para a nova organização junto com o programa. Algumas podem preferir ficar onde estão, por valorizarem a cultura da instituição, sua liderança, a política de trabalho, benefícios oferecidos ou o relacionamento com colegas. Outras, no entanto, talvez vejam na transferência uma boa oportunidade de transformação profissional. Há ainda quem atue em diferentes programas na mesma organização – o que vai exigir reavaliação de suas responsabilidades caso um dos programas seja transferido e o outro não.
É imprescindível manter uma comunicação clara e atenta com todos os envolvidos. A liderança da organização que vai receber o programa precisa fazer reuniões regulares com esse pessoal durante as fases de sondagem e diligência prévia. Isso vai ajudar a esclarecer dúvidas quanto a contratos, remuneração e benefícios. Mas também é essencial conversar sobre o que cada pessoa valoriza em seu trabalho, as dúvidas que possa ter em relação à nova função e seus planos para seguir contribuindo com o programa. Estruturas de remuneração e missões institucionais – tanto da organização que transfere como da que recebe – também precisam ser consideradas. Faixas salariais entre duas entidades raramente são equivalentes e o custo de equiparar remunerações pode ser relevante.
Falar sobre afinidade e valores é tão importante na transferência de programas quanto discutir remuneração e benefícios. Muita gente optou por permanecer na Uplift Solutions quando da transferência do programa Philly Food Rescue devido à sua política de trabalho remoto. Já na transição do programa YPLD para o Asian Youth Center, a questão de valores divergentes foi o centro do debate. Freridge relembra: “O pessoal do programa YPLD que viria para o Asian Youth Center era mais progressista e fazia críticas ao tamanho e à atuação da força policial e ao sistema de liberdade condicional – o que criava um conflito com relações que já havíamos construído. Para se ter uma ideia, tínhamos um chefe de polícia no conselho”. Foi preciso um processo mais demorado de diálogo sobre valores e relações de poder antes que a transferência fosse concretizada.
Transferir profissionais que atuam em vários programas ao mesmo tempo é complicado e requer arranjos específicos. Uma pessoa pode concordar em atuar como consultora no programa que está sendo transferido, mas continuar contratada pela organização original. Pode optar por trabalhar para as duas organizações como autônoma ou por meio de uma prestadora de serviços terceirizada. Outra possibilidade é cada organização contratar o profissional por meio período. Ou, ainda, criar um modelo de equipe compartilhada. A organização que recebe o programa pode preferir transformar um cargo de meio período para tempo integral, digamos. Cada uma dessas alternativas – entre tantas outras imagináveis – tem implicações orçamentárias que precisam ser consideradas no processo de avaliação da transferência.
Lição 3: Gerenciar com cuidado ativos bancados por subsídios ou por contratos governamentais. A transferência de programas bancados por subsídios ou por contratos com órgãos do governo costuma ser especialmente complexa. Nesses casos, é preciso envolver desde cedo essas fontes de recursos – incluindo órgãos públicos que sejam parte de contratos relevantes – nas negociações de transferência de qualquer ativo. Já que o contrato ou subsídio está associado à organização original, a continuidade dos recursos depende da formalização de novos compromissos e transferi-los para outra entidade quase nunca é um processo rápido ou simples. Um financiador pode se recusar a apoiar o programa caso seja transferido para outra organização – ou a organização em questão pode não estar habilitada a receber apoio do financiador. Por outro lado, às vezes a existência de uma relação contratual anterior entre o financiador e a entidade receptora pode complicar a transferência. Não são desafios insuperáveis, mas devem ser incluídos no processo de diligência prévia.
Programas financiados por recursos estipulados em contrato exigem projeções detalhadas de fluxo de caixa, pois isso determina o melhor momento de uma eventual transferência. Em muitos casos, os recursos precisam ser usados antes da transição, o que pode criar um intervalo entre a data da transferência e o início de novos contratos.
Lição 4: Ponderar sobre o dilema entre “fazer” ou “transferir”. Trata-se de um dilema muito debatido em cursos de administração. Os alunos avaliam se, no papel de administradores, valeria mais a pena criar um produto ou serviço internamente ou comprá-lo ou contratá-lo de um fornecedor externo. Fatores como expertise e capacidade internas, custo-benefício, demanda e possibilidade de aprimoramento a partir de um modelo existente (reverse engineering) influenciam a decisão.
Líderes do setor social enfrentam dilemas parecidos quando avaliam oportunidades estratégicas. Ao considerar a criação de um novo programa, a formação de uma rede interorganizacional ou o desenvolvimento de uma nova tecnologia, há sempre duas opções: construir do zero ou incorporar um programa já existente que esteja disponível para transferência. Para tomar uma decisão, é útil adotar métodos analíticos semelhantes aos do setor privado, com fins lucrativos.
A análise quantitativa dessas opções envolve estimar os custos diretos e indiretos do desenvolvimento interno, incluindo o tempo da equipe, insumos e capacitação necessários. Também é preciso avaliar os custos de aceitar um ativo já existente, como despesas com busca e análise do programa, honorários de advogados, custos operacionais para integração do ativo às operações da organização e eventuais adaptações necessárias. Uma análise financeira comparativa das opções é uma etapa essencial da diligência prévia para a transferência de ativos.
No entanto, a decisão por criar ou incorporar não deve se basear apenas na análise financeira. Um exame qualitativo mais amplo exige respostas para perguntas como:
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O desenvolvimento das competências necessárias para criar o ativo traria benefícios estratégicos para a organização além do ativo em si?
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Há tempo suficiente para criar o ativo do zero? Esse processo comprometeria outras prioridades estratégicas?
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O ativo tem benefícios intangíveis difíceis de reproduzir, como uma marca consolidada, relações estabelecidas, traquejo cultural ou confiança de partes interessadas relevantes?
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A cultura do ativo vai contribuir para a imagem da organização ou prejudicá-la?
No final, a decisão de criar um programa por conta própria ou aceitar a transferência do ativo de outra organização depende de uma análise estratégica das respostas a essas perguntas qualitativas e de uma avaliação cuidadosa de custos. No setor de impacto social, é comum que lideranças se concentrem somente na criação de novos ativos – em parte porque a prática da transferência ainda não está incorporada à cultura de gestão de organizações sem fins lucrativos. Isso posto, o setor conta com alternativas para desenvolver ou adquirir ativos – e uma análise criteriosa já nas fases iniciais do planejamento pode representar um uso muito valioso do tempo.
AS AUTORAS
Michelle shumate é titular da cátedra Delaney Family University Research Professor, diretora-fundadora da Network for Nonprofit and Social Impact (NNSI) e professora associada do Institute for Policy Research da Universidade Northwestern.
Lindsay Kijewski é sócia da SeaChange Capital Partners, onde lidera um programa que financia e incentiva parcerias entre organizações.
Kate Piatt-Eckert é diretora da Mission Sustainability Initiative na Forefront, onde apoia a colaboração entre organizações sem fins lucrativos no estado de Illinois (EUA).
Christine Thompson é diretora da Arizona Together for Impact, iniciativa que apoia a colaboração entre organizações sem fins lucrativos em todo o estado do Arizona (EUA) por meio de consultoria, ferramentas e financiamento.
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Aliança em novo ciclo
Como a Aliança pelo Impacto foi transferida do ICE para a Din4mo Lab, com planejamento, recursos e respeito à autonomia
por Daniela Schmid

Um exemplo nacional de transferência de programa como estratégia para garantir sua continuidade é a Aliança pelo Impacto. Criada em 2013 para promover investimentos e negócios de impacto socioambiental positivo, foi transferida em 2022 do Instituto de Cidadania Empresarial (ICE) para a Din4mo Lab.
Inicialmente batizada de Força Tarefa de Finanças Sociais, a Aliança foi lançada e conduzida pelo ICE com o apoio de um conselho multissetorial. Nos primeiros anos, produziu materiais explicativos e recomendações para fortalecer o setor, abordando desde o papel de incubadoras até a importância da mensuração de resultados.
“Tínhamos uma vocação muito específica: atuar como uma organização estruturante do ecossistema”, diz Diogo Quitério, vice-diretor de Planejamento de Impacto no ICE, que esteve à frente da Aliança nos primeiros anos. Uma das conquistas destacadas por Quitério foi a articulação com o governo federal para auxiliar na criação da Estratégia Nacional de Economia de Impacto (Enimpacto), relançada em agosto de 2023.
Transformação e transição
Em 2022, inspirado em uma das recomendações da própria Aliança, o ICE criou a Coalizão pelo Impacto. O projeto se dedica ao fortalecimento do tema em nível local, atuando em seis cidades. Apesar da sinergia entre a Aliança e a Coalizão, o ICE entendeu que seria desafiador manter ambas e que sua missão com a Aliança já havia sido cumprida. Iniciou-se então o processo para decidir seu futuro.
Para entender o valor da Aliança, foi contratada uma consultoria, que entrevistou organizações de referência e constatou o reconhecimento do impacto e a importância da continuidade da iniciativa. A partir dessa validação, o ICE elaborou um dossiê sobre a Aliança e o apresentou a instituições próximas. Entre as propostas dos interessados em receber a iniciativa, destacou-se a da Din4mo Lab, que já atuava no fortalecimento do ecossistema e acabou sendo a escolhida para seguir com a Aliança.
“A Din4mo Lab entendeu o potencial de avançar ainda mais com a Aliança, apoiando o ecossistema na articulação nacional e internacional, influenciando políticas públicas e a construção de pontes entre os atores”, diz Ricardo Ramos, diretor-executivo que assumiu a Aliança desde a transição.
O processo de mudança levou cerca de um ano, sendo mais intenso nos primeiros meses. ICE e Din4mo Lab realizaram uma série de encontros para repassar histórico, indicadores, articulação com movimentos globais, captação de recursos e comunicação. Nos meses seguintes, o ICE permaneceu disponível para responder a dúvidas e realizar mentorias.
Entre os aprendizados gerados pela experiência de transferência da Aliança pelo Impacto do ICE para a Din4mo Lab estão:
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Comunicação transparente: Manter a constância da comunicação com o público da iniciativa e transmitir segurança sobre as mudanças é essencial. A transição foi comunicada primeiro para parceiros mais próximos, depois para o público externo. Um evento em comemoração aos dez anos da Aliança, unindo a antiga e a nova administração, marcou a passagem de bastão.
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Sustentabilidade financeira: A Aliança foi transferida com recursos advindos de captações realizadas pelo ICE. A Din4mo Lab também reservou uma verba inicial para o projeto, adquirindo segurança nos primeiros meses para planejar sua sustentabilidade financeira.
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Networking: Apesar de o ICE ter transferido a rede de contatos da Aliança para a Din4mo Lab, foi importante reforçar o networking. “Foi necessário criar um processo para institucionalizar e, em alguns casos, recomeçar relações que tinham sido muito bem realizadas ao longo dos dez anos da Aliança, mas que não estavam totalmente institucionalizadas”, diz Ramos. A transferência de legitimidade aos novos administradores por meio do evento comemorativo da primeira década ajudou nessa tarefa.
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Respeito à autonomia da receptora: A Aliança foi transferida com seu conselho vigente, que teve liberdade para se reorganizar. Um representante do ICE permaneceu para apoiar a transição, mas a instituição entendeu que, dali para a frente, era importante respeitar a autonomia da Din4mo Lab. “Tivemos que abrir mão do processo e nos sentir confortáveis com qualquer rumo que a nova Aliança tomasse”, diz Quitério.
A Aliança pelo Impacto hoje
A Aliança conta com o apoio de infraestrutura e captação da Din4mo Lab, mas se mantém como uma iniciativa autônoma. Após a transição, passou por um processo de escuta dos atores do ecossistema e de planejamento, que deu origem a quatro frentes de atuação, voltadas a associados, visibilidade para pequenas organizações, mobilização de capital e advocacy.
“A Aliança é uma instituição intermediária, uma plataforma para o ecossistema; ela não é o fim. Os protagonistas são aqueles que estão investindo, criando um novo negócio, uma solução nova, acelerando iniciativas. A Aliança tem sempre que criar oportunidades para que essas pessoas e organizações estejam sob os holofotes”, afirma Ramos.
Quitério considera que a continuidade da iniciativa é um sinal de êxito na transferência. “O fato de a Aliança seguir existindo é um indicador de sucesso. O Brasil demandava esse projeto e que bom que há um novo ciclo da aliança com o DNA da Din4mo Lab”, diz.
*Artigo publicado originalmente na edição 12 da SSIR Brasil; leia aqui a edição completa
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