Retrocessos na sustentabilidade não significam um retorno à estaca zero
Como as empresas estão reagindo às mudanças na política dos Estados Unidos relacionadas a temas de sustentabilidade e o que deveriam fazer em vez disso
Por Amanda Williams, Lucrezia Nava & Gail Whiteman

No segundo mandato de Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, uma série de ações executivas têm revertido avanços sociais. A saída dos EUA do Acordo de Paris representa um desafio significativo para reduzir a trajetória global de emissões, já que o país está entre os maiores emissores de gases de efeito estufa (GEE) do mundo, mas diversas outras ações também ameaçam a transição energética. O recém-estabelecido Conselho Nacional de Dominância Energética priorizará a produção doméstica de petróleo e gás, e a liberação da perfuração offshore coloca em risco os ecossistemas e pode aumentar as emissões. Trump revogou o plano do ex-presidente Joe Biden para que 50% de todos os veículos novos vendidos no país fossem elétricos até 2030, interrompendo a distribuição de recursos de um programa de US$ 5 bilhões [aproximadamente R$ 27,7 bilhões] para a instalação de estações de recarga. O chefe da Agência de Proteção Ambiental solicitou à Casa Branca que “revogue a ‘constatação de perigo’ que afirma que os gases de efeito estufa representam uma ameaça à saúde e ao bem-estar públicos”, contradizendo a ciência climática. Reverter a proibição federal de canudos plásticos pode parecer algo pequeno, mas 400 milhões de toneladas de resíduos plásticos são produzidas a cada ano, prejudicando os ecossistemas marinhos e a saúde humana. Enquanto isso, a ordem executiva de Trump que desmonta iniciativas de diversidade, equidade e inclusão (DEI) dentro do governo federal elimina critérios de DEI em contratações, promoções e avaliações de desempenho federais com o objetivo de priorizar decisões baseadas em mérito.
De acordo com o mais recente Relatório de Desenvolvimento Sustentável, apenas 16% das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estão no caminho para serem alcançadas até 2030. Para as metas de pobreza e ação climática, nenhuma está no caminho certo.
Como as empresas devem responder a esse retrocesso catastrófico? As equipes de gestão têm à disposição uma gama de respostas estratégicas; elas podem sair ou se esconder, e podem lutar ou fomentar. Retrocessos não são um fenômeno novo que surgiu com o segundo governo Trump. As empresas devem aprender com o passado e pensar no longo prazo: em outros períodos de retrocesso, líderes se distinguiram daqueles que praticavam greenwashing. A pandemia de covid-19 também foi um período de retrocesso, durante o qual muitos indicadores dos ODS foram revertidos, inúmeras pessoas foram levadas à pobreza extrema e a desigualdade de gênero aumentou. Alguns CEOs reduziram seus próprios salários para cobrir os salários dos funcionários, enquanto outros receberam bônus generosos antes de declarar falência. Apesar dos retrocessos causados pela pandemia, muitas empresas aumentaram suas ambições climáticas, e o assassinato de George Floyd, um homem negro, por um policial na cidade de Minneapolis em maio de 2020 aumentou a conscientização e o compromisso com a justiça racial.
Esse período de retrocesso vai evidenciar quais fundos estão realmente comprometidos com o investimento responsável e os aportes financeiros migrarão para aqueles que continuarem atuando dessa forma. Em tempos de retrocessos na sustentabilidade, está ficando evidente quem são as lideranças reais – aquelas que mantêm ou até aumentam seus compromissos quando o cenário se torna adverso.
Debandada. Muitas empresas estão abandonando alianças setoriais ou descontinuando metas e programas corporativos de sustentabilidade. Wells Fargo, Bank of America e Morgan Stanley já deixaram a Net Zero Banking Alliance, citando pressões políticas e preocupações jurídicas; BP e HSBC reduziram suas metas de emissões líquidas zero, refletindo uma tendência mais ampla de enfraquecimento dos compromissos corporativos com a sustentabilidade diante de mudanças políticas e econômicas. Walmart, John Deere e Ford recuaram ou eliminaram metas formais, programas e iniciativas relacionados à diversidade, em resposta a pressões de ativistas conservadores. A Meta também está encerrando algumas práticas de DEI, e seu CEO, Mark Zuckerberg, argumentou que a empresa, assim como outras corporações, precisa de “mais energia masculina”. As gigantes da gestão de ativos BlackRock e Vanguard suspenderam seu apoio a propostas relacionadas a questões ambientais, sociais e de governança (ESG).
Em alguns casos, essa postura pode indicar que a estratégia anterior de greenwashing já não precisa mais ser sustentada. Em outros, trata-se de ganhar tempo para avaliar e compreender melhor as mudanças em curso. No entanto, embora as empresas que estão abandonando suas iniciativas de sustentabilidade possam evitar riscos de curto prazo relacionados ao ambiente político imediato, elas enfrentam, nesse mesmo curto prazo, riscos reputacionais e econômicos: consumidores e grupos ativistas, por exemplo, organizaram um boicote de uma semana contra o Walmart.
Ocultar. Algumas empresas estão alterando, ocultando ou reformulando estrategicamente compromissos anteriores de sustentabilidade para reduzir riscos. A Costco, por exemplo, mantém suas práticas de DEI, mas as rebatizou como programa “Pessoas e Comunidades” (mesmo registrando aumento no número de clientes, presumivelmente em reconhecimento por manter seus compromissos). O JP Morgan e o Citigroup deixaram a Net-Zero Banking Alliance, mas declararam que planejam trabalhar de forma independente rumo à meta de emissões líquidas zero. Adotar uma abordagem de menor visibilidade, reduzir compromissos públicos ou, por exemplo, omitir relatórios relacionados a DEI indicam uma nova estratégia de comunicação sobre sustentabilidade: embora manter esforços internos de sustentabilidade permaneça uma prioridade, o posicionamento externo se torna mais calculado.
Ocultar, no entanto, ainda pode expor empresas a riscos de curto prazo. Com companhias enfrentando processos judiciais relacionados a práticas de DEI – como demonstra o caso movido pelo estado do Missouri contra a Starbucks por violar leis antidiscriminação – organizações que mantêm essas práticas (mesmo que ocultas) aumentam sua vulnerabilidade diante de mudanças legais e do escrutínio conservador.
Lutar. Muitas empresas estão mantendo suas posições e reafirmando publicamente seus compromissos de sustentabilidade existentes. Para algumas, manter a sustentabilidade é um imperativo estratégico que não pode ser rapidamente abandonado ou escondido. Para a Ikea, cujo CEO reafirmou o compromisso da empresa com o Acordo de Paris, a sustentabilidade está totalmente integrada ao modelo de negócios e é parte central de sua proposta de valor. A agência de classificação Moody’s, assim como sua unidade de serviços financeiros, continua a utilizar equipes diversas para aumentar a precisão de suas avaliações e decisões. (Pesquisas demonstram que equipes diversas impulsionam a inovação, aumentam a precisão de previsões e elevam a qualidade geral das decisões).
Algumas empresas estão enfatizando a natureza de longo prazo das questões de sustentabilidade, já que os desafios sociais e ambientais vão durar muito mais do que um mandato presidencial. A Archer Daniels Midland (ADM), uma multinacional norte-americana de alimentos e commodities, por exemplo, declarou que manterá suas metas climáticas e reafirmou seu compromisso com a seriedade da crise relacionada ao clima. Ismael Roig, membro do conselho executivo da ADM, afirmou: “Se eu olhar para os próximos 10 ou 20 anos e considerar o que está acontecendo com as mudanças climáticas, não acho que seja algo que possamos simplesmente ignorar e esquecer.” A empresa já reduziu suas emissões de GEE em 25% desde 2019 e está comprometida com o desmatamento zero e com a adoção de práticas de agricultura regenerativa. Andrew Forrest, bilionário australiano do setor de mineração, também reafirmou um compromisso de longo prazo com a neutralidade de carbono porque é “totalmente viável financeiramente.” Ele acredita que mudanças políticas de curto prazo que eliminem incentivos fiscais para energias renováveis não vão alterar a tendência de longo prazo rumo à energia limpa.
As empresas podem usar argumentos baseados em visão estratégica de longo prazo e gestão proativa de riscos para afastar o ruído de curto prazo criado pela mudança no cenário político dos EUA. No curto prazo, a sustentabilidade pode se tornar mais cara em função das políticas de Trump, mas no longo prazo, manter esses compromissos faz sentido estratégico, especialmente em setores marcados por infraestrutura de longa duração. As fontes renováveis se tornaram cada vez mais competitivas frente aos combustíveis fósseis, à medida que o custo dos painéis fotovoltaicos caiu. Esses números podem mudar, considerando o apelo do presidente Trump para “perfurar, perfurar, perfurar”, mas ele não pode reverter os avanços tecnológicos conquistados pelas energias renováveis, nem as dinâmicas de longo prazo de um planeta em aquecimento e suas consequências associadas.
Algumas lideranças empresariais, portanto, afirmaram abertamente que agora não é o momento de se deixar absorver pelos retrocessos impulsionados pelo governo Trump, mas sim de liderar a transição sustentável com mais ambição do que nunca. André Hoffmann, vice-presidente da Roche, na SDG Tent do Fórum Econômico Mundial em Davos lembrou às lideranças que não se deixem distrair pelo ruído de curto prazo, mas que mantenham sua visão de sustentabilidade de longo prazo: “Tenho certeza de que a economia se tornará mais sustentável daqui para frente porque isso é absolutamente necessário.”
Promover. Ainda não está claro se – e como – as empresas conseguirão transformar o retrocesso impulsionado por Trump em uma oportunidade para redefinir e acelerar a sustentabilidade. Algumas lideranças corporativas não estão apenas mantendo suas posições, mas estão redobrando seus esforços, investindo mais, inovando e ampliando as iniciativas de sustentabilidade além do que já haviam estabelecido. Embora os combustíveis fósseis estejam ficando mais baratos, as empresas podem assumir compromissos climáticos ainda mais ambiciosos para acelerar a transição para fontes de energia mais limpas. Podem investir agora em infraestrutura e outros planos que assegurem um futuro de emissões líquidas zero. Em março, Jesper Brodin publicou no LinkedIn: “Estamos investindo €1,5 bilhão [R$ 9,5 bilhões] para acelerar a eliminação dos combustíveis fósseis por meio da adaptação das nossas lojas com sistemas renováveis de aquecimento e refrigeração.” A Ørsted, uma das maiores empresas de energia renovável do mundo, está aumentando seus investimentos em energia eólica offshore mesmo com a mudança nas prioridades políticas dos EUA.
As empresas também estão reposicionando seus esforços por meio de acordos no setor privado. Companhias como a Verizon estão contornando as mudanças nas políticas governamentais ao firmar contratos de compra de energia com o setor privado, garantindo a expansão da adoção de energia renovável. Coalizões empresariais voltadas para mercados voluntários de carbono e parcerias intersetoriais estão ganhando força, provando que a liderança em sustentabilidade não depende da aprovação do governo – ela depende de compromisso e estratégia. Outras empresas estão concentrando seu crescimento em mercados internacionais. A Tesla, por exemplo, assinou um contrato de locação para abrir sua primeira loja em Mumbai, reforçando sua presença na Ásia para sustentar a transição global para veículos elétricos. A longo prazo, é improvável que as políticas de Trump impeçam a transição voltada aos veículos elétricos nos EUA (ela pode apenas levar mais tempo).
As empresas também podem aproveitar este momento para repensar suas abordagens com relação a DEI, indo além de políticas e cotas e incorporando esses princípios às práticas cotidianas. Gestores podem conduzir uma análise detalhada dos processos de contratação, avaliação e promoção para identificar vieses inconscientes e desenvolver novas abordagens para promover um ambiente de trabalho mais justo e inclusivo. As empresas que superarem o retrocesso e promoverem a inovação em sustentabilidade, em vez, vão se destacar como as novas líderes do setor, moldando a próxima era de criação de valor de longo prazo.
AS AUTORAS
Amanda Williams é pesquisadora em sustentabilidade e professora visitante no Centro para Negócios Sustentáveis e Inclusivos do International Institute for Management Development (IMD). Sua pesquisa investiga estratégias corporativas para alcançar a sustentabilidade global.
Lucrezia Nava é professora assistente em gestão sustentável de negócios na Universidade de Exeter, no Reino Unido. Em suas pesquisas, investiga como membros de organizações interpretam e respondem a estímulos ambientais naturais, como mudanças climáticas ou desastres naturais.
Gail Whiteman é professora (Hoffmann Impact Professor) para Ação Acelerada em Natureza e Clima na Exeter Business School. Especialista em ciências sociais, ela se dedica a estudar como tomadores de decisão interpretam e respondem a riscos globais sistêmicos, incluindo aqueles relacionados às mudanças climáticas e ameaças ambientais.
*Artigo publicado originalmente no site da Stanford Social Innovation Review com o título “Sustainability Backsliding Doesn’t Have to Mean Back to Square One”.
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