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Por que o capital catalítico precisa ser melhor definido

Um novo marco conceitual sobre o capital catalítico pode trazer mais clareza, viabilizar métricas e incentivar uma maior participação do mercado

Por Savannah Baum, Olivia Rosen, Sean Sellers & Billy Silk

Imagem: Shutterstock / Visual Generation

Logo após o Acordo de Paris sobre o clima, em 2015, os padrões ambientais, sociais e de governança (ESG) ganharam destaque como uma forma de empresas incorporarem a sustentabilidade nas decisões de negócio e de investidores priorizarem companhias socialmente responsáveis. Nos anos seguintes, trilhões de dólares foram direcionados a fundos ESG.

No entanto, as falhas começaram a surgir. Quando jornalistas examinaram esses fundos com mais profundidade, encontraram investimentos em grandes empresas de petróleo e gás. Em 2021, Tariq Fancy, ex-diretor de investimentos sustentáveis da BlackRock, a maior gestora de ativos do mundo, escreveu um artigo contundente denunciando que o selo ESG estava sendo usado para enganar o público norte-americano com práticas de greenwashing. A resistência ao uso de critérios sociais nos investimentos também cresceu: nos últimos anos, 19 estados dos Estados Unidos aprovaram 42 leis anti-ESG que impedem gestores de fundos públicos de considerar aspectos sociais em suas decisões.

Na essência, o problema do ESG está na falta de clareza. É verdade que existem inúmeros casos de fundos ESG que geraram mudanças importantes em todo o mundo. Muitos contribuíram para reformar padrões operacionais e de governança dentro de empresas, além de impulsionar diálogos internos e esforços de mensuração do progresso social. Mas, na ausência de critérios claros e baseados em valores, o ESG muitas vezes se reduz a um jargão. Sua postura ampla e pouco definida permite que empresas e investidores usem o termo para validar seu compromisso com o bem social sem precisar cumprir exigências concretas. A corrida retórica das empresas para se autodeclararem “conformes com o ESG” gerou críticas justificadas, com diminuição do apoio de acionistas à pauta e investidores institucionais alegando fadiga em relação ao tema.

O movimento ESG talvez já tenha ido longe demais para ser resgatado, mas seu destino pode servir de lição para o desenvolvimento de outro tipo de financiamento de impacto: o capital catalítico. Um entendimento mais claro e compartilhado desse tipo de investimento, que assume riscos para validar novos modelos de negócio ou mercados com o objetivo de atrair capital adicional no futuro, pode aumentar significativamente o volume e o alcance dos recursos voltados ao impacto social.

O poder do capital catalítico

Para ampliar o alcance de empreendimentos sociais promissores, líderes de transformação social precisam ter acesso a um capital adequado ao contexto – um financiamento que leve em conta e enfrente os riscos e as necessidades específicas (como baixa liquidez e prazos mais longos) enfrentadas por negócios que atuam em mercados desafiadores. Esse tipo de investimento é amplamente conhecido como capital catalítico e tem um desempenho notável na construção de mercados. Segundo a Convergence, cada US$ 1 [aproximadamente R$ 5,60] investido em capital catalítico mobiliza outros US$ 4 [R$ 22,55] em investimentos tradicionais subsequentes voltados ao impacto social.

Um exemplo expressivo é o da FarmWorks, uma empresa social que fornece insumos agrícolas, financiamento, capacitação e acesso ao mercado para pequenos agricultores no Quênia. Em 2020, os cofundadores Yi Li e Peter Muthee começaram a buscar investidores que compreendessem as necessidades específicas de construir um negócio agrícola na região. O modelo de negócios da FarmWorks era fundamentalmente diferente dos negócios de software de alta margem geralmente preferidos pelo capital de risco (venture capital). Como explica Li: “Para vender um quilo de tomate, você precisa cultivar outro quilo de tomate”, destacando o caráter metódico da escalabilidade na agricultura em comparação com empresas típicas apoiadas por venture capital. Construir a FarmWorks também exigia desenvolver redes logísticas extensas, gerenciar relações com milhares de agricultores e operar armazéns em toda a região.

Como muitas iniciativas sociais em economias emergentes, a empresa também enfrentava infraestrutura limitada de fornecimento e pagamento, canais de distribuição complexos e consumidores com baixo poder de compra. Seu caminho até a lucratividade seria mais longo e sua estratégia de saída menos definida do que a desejada por investidores tradicionais. Como Li nos disse: “Para negócios como a FarmWorks, que não são necessariamente disruptivos de um modelo, mas estão melhorando de forma significativa a eficiência e a escala de possibilidades em um setor tradicional, é preciso paciência.”

Em 2021, o Acumen Resilient Agriculture Fund forneceu um investimento semente paciente, uma forma de capital catalítico voltada a horizontes de longo prazo. Isso permitiu que a equipe conduzisse sua missão ambiciosa de forma sustentável, sem a pressão de saídas rápidas ou retornos imediatos. Com esse financiamento inicial, a empresa expandiu seus serviços para uma oferta integrada de suporte de ponta a ponta, incluindo financiamento para máquinas de baixo custo e acesso confiável a mercados. Em apenas quatro anos, tornou-se a maior distribuidora doméstica de vegetais frescos do Quênia. Atualmente, trabalha com 3 mil agricultores para levar os produtos ao mercado e vende mais de mil toneladas mensais de alimentos básicos locais e culturas de alto valor. Uma rodada recente de financiamento pré-série A, no valor de US$ 4,1 milhões (ou R$ 23,12 milhões) – liderada pelo Acumen Resilient Agriculture Fund e apoiada pelo Livelihood Impact Fund, Vested World, family offices e investidores-anjo – demonstrou confiança tanto na oportunidade de mercado quanto na capacidade da empresa de escalar seu impacto sistêmico.

As estimativas variam, mas indicadores aproximados sugerem que o capital catalítico representa menos de 0,01% do capital de investimento global. E, embora o mercado de investimentos de impacto tenha crescido e atinja cerca de US$ 1,1 trilhão [R$ 6,2 trilhões], apenas uma fração desse valor pode ser considerada capital catalítico. Essa escassez de financiamento flexível para empreendimentos sociais em estágio inicial, que atuam em mercados desafiadores, mas promissores, não é apenas uma questão de números. Representa uma enorme quantidade de impacto transformador que deixa de se concretizar.

Aprofundando nossa definição sobre capital catalítico

À primeira vista, a definição de capital catalítico pode parecer clara: um financiamento flexível para empreendimentos de impacto que os investidores podem moldar para assumir riscos específicos. Mas, ao olharmos mais de perto, surgem diversas perguntas. Que tipos de risco? Que tipos de financiamento? Diferentes organizações compreendem o capital catalítico de formas distintas. Algumas enfatizam retornos concessionais, aceitando ganhos financeiros menores em troca de impacto social; outras destacam a disposição para assumir riscos de mercado maiores; e há também aquelas cujo foco está em beneficiar grupos populacionais específicos. Há quem defenda que qualquer instrumento concessional (como um empréstimo ou subsídio) se enquadra nessa categoria, enquanto outros insistem que o investimento só pode ser considerado catalítico se atrair financiadores tradicionais por meio de transações combinadas ou investimentos subsequentes.

Durante nossa jornada como estudantes de MBA pesquisando impacto social, conversamos com diversos investidores e professores com experiência em capital catalítico que acreditavam ser algo positivo a manutenção de certa flexibilidade na definição. Em vez de adotar uma postura rígida em relação à terminologia, defendem que manter a abertura a diferentes formas de capital catalítico ajuda a atrair mais investidores para o mercado. Não necessariamente discordamos disso. No entanto, eles também reconhecem os riscos da ambiguidade. Definições inconsistentes geram uma série de problemas. Por exemplo, é trabalhoso e difícil para empreendedores sociais analisarem a variedade de provedores de capital de impacto e identificarem quem atende melhor às suas necessidades específicas. Por sua vez, investidores catalíticos têm dificuldade de colaborar no fluxo de negócios para preencher lacunas de mercado, e investidores comerciais ou de acompanhamento enfrentam obstáculos para comparar oportunidades entre si. O resultado é um mercado ineficiente de capital catalítico com impacto limitado.

Delimitar o capital catalítico com base nos mecanismos pelos quais ele opera, por outro lado, pode aprimorar a compreensão coletiva, facilitar o alinhamento entre as necessidades de mercado e as flexibilidades dos investidores e, no fim, ampliar o impacto por meio do aumento dos fluxos de capital. Por exemplo, uma startup de biotecnologia que desenvolve um diagnóstico de saúde materna pode precisar de capital altamente flexível e de longo prazo, devido aos altos custos de pesquisa e desenvolvimento, barreiras regulatórias e retorno financeiro demorado. Nesse caso, o capital paciente não concessional seria o mais adequado. Já um provedor de internet comunitário operando em áreas rurais pode gerar receita constante por meio de assinaturas, mas atua com margens propositalmente baixas para manter o serviço acessível. Ainda que consiga fluxo de caixa, sua missão social limita os retornos financeiros. Nesse caso, seria mais adequado o uso de capital concessional, que prioriza o impacto social acima dos retornos de mercado. Ambos os modelos geram impacto significativo, mas exigem estruturas de capital diferentes para prosperar.

O capital catalítico tem por objetivo “ir na frente”, ou seja, reduzir os riscos de um ativo ou mercado com a intenção de atrair investimentos adicionais, muitas vezes de investidores convencionais que não participariam de outra forma. Por isso, é essencial garantir que esses investidores consigam comparar as oportunidades de forma equivalente, levando em conta métricas de impacto, metas de mobilização ou projeções de mercado, para que não abandonem o setor por falta de clareza.

Melhores definições para melhores mercados

Como já mencionado, os investidores não formam um bloco homogêneo. Investidores catalíticos e comerciais têm preferências distintas: suas motivações, apetite por risco e expectativas de retorno são diferentes. Um investidor catalítico pode estar disposto a aceitar retornos concessionais em empréstimos, enquanto outro pode abrir mão da liquidez em prazos mais longos. Da mesma forma, co-investidores também são diversos: o que é considerado arriscado demais para um financiador comercial pode ser aceitável para outro. E, certamente, as necessidades dos empreendimentos investidos também variam amplamente.

Além disso, embora muitos investidores de impacto realizem um trabalho relevante ao identificar as necessidades de mercados específicos para fechar lacunas de financiamento, costumam fazê-lo de forma isolada. Não existe um órgão coordenador que monitore e compartilhe ativamente as lacunas de financiamento entre mercados ou que mapeie quais investidores estão mais dispostos a assumir determinados tipos de risco. Diante disso, muitos negócios promissores acabam sendo descartados por não se encaixarem no perfil de um investidor, mesmo que outro mais adequado pudesse tê-los levado adiante.

Definições mais claras podem ajudar a corrigir essas falhas de mercado de diversas formas. Em primeiro lugar, reduzem a fricção nas transações para os empreendedores. Muitas vezes, os empreendedores ficam no escuro, sem saber quais estruturas de capital ou investidores são mais adequados às necessidades de seus negócios. Definições mais precisas sobre os tipos de risco que cada investidor catalítico está disposto a assumir dão aos empreendedores o conhecimento necessário para encontrar os parceiros certos.

Além disso, essas definições melhoram a eficiência do mercado ao alinhar melhor o capital às oportunidades. Embora as motivações e capacidades dos investidores catalisadores sejam diversas, eles frequentemente se concentram em oportunidades semelhantes, deixando outras necessidades sem atendimento. Ao distinguir com mais clareza as diferentes dimensões do capital catalisador, é possível ajudar cada investidor a encontrar os investimentos mais alinhados ao seu perfil.

Definições mais claras também favorecem uma melhor coordenação entre investidores. Quando os investidores conseguem expressar com precisão seu apetite por risco e os tipos de impacto que desejam promover, tornam-se mais capazes de atuar em conjunto. Isso facilita o alinhamento entre investidores tradicionais e investidores catalíticos que dispõem das ferramentas adequadas para mitigar riscos em áreas específicas de preocupação.

Uma estrutura de definição

Diante da oportunidade de criar um mercado de capital de impacto mais robusto e responsivo, propomos uma nova estrutura para a definição de capital catalítico, composto por duas partes: propriedades essenciais e atributos dinâmicos. Não apresentamos esse modelo com a pretensão de resolver todas as ambiguidades em torno do capital catalítico, tampouco como um conjunto definitivo de diretrizes para todos os participantes desse mercado. A proposta é oferecer um ponto de partida para o debate sobre a anatomia e as nuances dos investimentos catalíticos, abrangendo tanto dimensões tradicionais quanto não tradicionais. O objetivo é equilibrar rigor, clareza e flexibilidade.

A primeira parte, de propriedades essenciais, estabelece um entendimento básico do que o capital catalítico precisa ser e fazer, com base em três critérios:

  • Adicionalidade: deve financiar empreendimentos que, de outra forma, não receberiam recursos sustentáveis de investidores tradicionais.
  • Mobilização: deve atrair capital adicional de outros investidores.
  • Impacto: deve aumentar a quantidade ou a qualidade dos resultados sociais ou ambientais, contribuindo para transformar o mercado ao longo do tempo.

A segunda parte propõe que o capital catalítico deve ser dinâmico em pelo menos um (geralmente mais) dos cinco atributos a seguir:

  • Subordinação, ou a ordem de prioridade no pagamento de dívidas ou na distribuição de lucros em investimentos de capital. Investidores catalíticos podem assumir posições de primeira perda, protegendo outros investidores e incentivando sua participação.
  • Retorno, ou o lucro obtido com o investimento, geralmente medido pela taxa interna de retorno. O capital catalítico pode aceitar retornos abaixo do mercado para provar a viabilidade de um modelo.
  • Prazo, ou o horizonte de tempo até a saída ou o reembolso do investimento. Negócios agrícolas como a FarmWorks, por exemplo, precisam de prazos mais longos para se alinhar aos ciclos de cultivo e ao desenvolvimento de mercado.
  • Liquidez, ou a velocidade com que o investimento pode ser convertido em dinheiro sem perda significativa. O capital catalítico geralmente aceita baixa liquidez para apoiar o crescimento de longo prazo.
  • Os destinatários dos investimentos podem incluir gestores emergentes, fundadores ou beneficiários. O capital catalítico frequentemente apoia empreendedores e comunidades historicamente negligenciados.

Um investimento não precisa se enquadrar sempre na extremidade mais catalítica de cada uma dessas dimensões para ser considerado como tal. Muitos investimentos catalíticos combinam elementos tradicionais em várias frentes. Por exemplo, os investidores podem considerar um investimento que desvie significativamente de pelo menos uma norma comercial padrão como algo catalítico. Um instrumento de dívida com liquidez convencional e um cronograma de retorno padrão pode oferecer retornos concessionais e assumir uma posição de primeira perda na pilha de capital (a ordem em que os investidores são reembolsados ​​em caso de inadimplência da empresa) caso a empresa investida também entre em falência.

Os investidores também podem considerar um investimento não concessional, mas que permita prazos anormalmente longos para retorno como catalítico. Por exemplo, um investidor em projetos de carbono pode exigir retornos robustos (por exemplo, uma taxa interna de 15%), mas permitir que o pagamento seja feito no prazo de entre 15 a 20 anos, ao invés dos tradicionais de 8 a 10 anos. Entender onde um investimento se enquadra nessa taxonomia permite um engajamento mais eficaz com o mercado, oferecendo uma linguagem compartilhada e uma perspectiva mais clara sobre que tipo de capital catalítico está ou não sendo empregado.

O caminho adiante

Na ausência de abordagens amplamente adotadas, baseadas em dados, ou de teorias de mudança validadas por lógica, o comprometimento dos investidores com o ESG mostrou-se passageiro. Definições mais claras e uma linguagem mais precisa podem ajudar o capital catalítico a evitar o mesmo destino, proporcionando um engajamento mais fundamentado com o desenvolvimento de mercado e a transformação sistêmica. O marco conceitual apresentado aqui não é um exercício de dogmatismo, nem busca impor definições rígidas que limitem a participação. Trata-se de um esforço para apoiar a disciplina e o rigor de empreendedores e investidores com objetivos comuns, promovendo colaborações mais eficazes. Mudanças incrementais, impulsionadas por estruturas mais claras e critérios objetivos, gerarão, no longo prazo, muito mais impacto do que a simples adesão a modismos ou palavras da moda.

Há muitas histórias como a da FarmWorks esperando para ser escritas, e seus capítulos poderão se desdobrar quando empreendedores visionários se conectarem aos investidores certos, no momento certo. Alguns talvez desejem manter a ambiguidade sob o argumento da inclusão, mas permitir que qualquer tipo de capital se autodenomine catalítico traz um risco mais grave: o de impedir que comunidades avancem na construção e partilha de um futuro mais próspero. Desenvolver um entendimento comum, a serviço de uma melhor coordenação, é um passo essencial na evolução desse campo.

SOBRE OS AUTORES

Savannah Baum iniciou sua carreira na Bain & Company, em Nova York, assessorando clientes das áreas de saúde e private equity. Atuou posteriormente na área de operações da New Story, uma empresa social voltada à habitação acessível na América Latina, e como investidora no Stanford GSB Impact Fund. Mais recentemente, trabalhou no Foreground Capital, um fundo de capital de risco com foco em equidade na saúde da mulher.

Olivia Rosen começou sua carreira na Alpine Investors, investindo no setor de saúde, e depois atuou como chefe de gabinete em uma startup de consumo em estágio inicial. Foi investidora no Stanford GSB Impact Fund e recebeu a bolsa 2024 Impact Capital Managers Mosaic Fellowship, com atuação no Congruent Ventures, fundo de capital de risco focado em mudanças climáticas.

Sean Sellers iniciou sua trajetória como consultor no The Bridgespan Group, apoiando organizações sem fins lucrativos, filantropos e investidores de impacto em projetos de mobilidade econômica e de trabalho. Trabalhou também na ONG queniana SHOFCO e como investidor em estágio inicial na AlleyCorp.

Billy Silk começou como consultor na L.E.K. Consulting, em Boston. Atuou na Fundação Obama e na Coinbase, Inc., e integrou o governo Biden-Harris como assessor do CEO da US International Development Finance Corporation, agência financeira de desenvolvimento dos Estados Unidos.

*Artigo publicado originalmente na Stanford Social Innovation Review com o título “Why Catalytic Capital Needs a Better Definition”.

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