Jorge Emmanuel Júnior formou-se em comunicação social pela Universidade de Brasília. Filho de uma professora e de um office boy – que carregava os filhos no baú da moto quando precisava –, estudou com bolsa e, desde a infância, aprendeu o que é viver no “corre”. Ao conhecer um clube de benefícios para advogados, vislumbrou o potencial de adaptar esse modelo para trabalhadores informais. Durante a pandemia de covid-19, fundou a Trampay, com o propósito de oferecer dignidade e cidadania a entregadores, profissionais que se mostraram essenciais em meio à emergência sanitária.
Valmir Ortega nasceu em uma família de agricultores do Mato Grosso do Sul. Atuou no setor público com passagem pelo Ministério do Meio Ambiente, pelo Ibama e pela Secretaria de Meio Ambiente do Pará. Sua trajetória desaguou na criação da Belterra, uma startup de impacto dedicada à restauração de terras degradadas de pequenos e médios agricultores, por meio da implantação de sistemas agroflorestais em biomas ameaçados como Amazônia e Cerrado.
Luis Junqueira formou-se em letras pela Universidade Estadual de Campinas e sentiu-se “estranhamente à vontade” como professor em escolas públicas e particulares. Desde 2009, desenvolve um projeto que incentiva crianças e adolescentes a publicar livros. Defensor de uma educação mais atenta à expressão textual dos alunos, cofundou a Letrus. Encontrou em Thiago Rached – administrador formado pela Universidade de São Paulo e mestre em educação pela Universidade Columbia – um sócio e parceiro complementar. Rached se tornou CEO da edtech que leva inteligência artificial (IA) à sala de aula para apoiar professores e incentivar estudantes a escrever mais e melhor. O objetivo é superar o exame de redação do Enem, prova decisiva para a entrada no ensino superior.
As trajetórias desses quatro empreendedores se cruzaram em 2024, quando foram finalistas da categoria Inovadores Sociais do Ano na 20ª edição do Prêmio Empreendedor Social, realizado pelo jornal Folha de S.Paulo em parceria com a Fundação Schwab. Suas experiências de vida os levaram a desenvolver soluções para alguns dos grandes desafios socioambientais da atualidade: oferecer suporte financeiro e logístico a trabalhadores precarizados, regenerar biomas ameaçados por meio de sistemas agroflorestais e utilizar IA para melhorar a educação.
Do corre ao crédito
A Trampay nasceu durante a pandemia de covid-19, quando entregadores de aplicativo estavam na linha de frente transportando itens essenciais para que o resto da população pudesse ficar em casa e se proteger do coronavírus. A startup surgiu como um clube de benefícios para essa categoria de trabalhadores precarizados. Evoluiu para uma fintech ao constatar que a maior necessidade dos motoboys era ter dinheiro no bolso ao fim do dia para cobrir despesas essenciais. Por meio de um aplicativo, passou a antecipar recebíveis com taxas mais baixas do que as praticadas por bancos tradicionais, sob o lema “trampou ontem, recebeu hoje”.
“Esses trabalhadores vão todos os dias para a rua e voltam para casa com as necessidades dos filhos. Enfrentam toda sorte de clima, a pressa, o risco de vida na rua e a insalubridade do trabalho”, afirma Jorge Júnior, CEO da Trampay. “Conseguimos abrir para eles a porta do banco, fornecer crédito e uma conta digital. Se você quer mudar a vida de alguém, essa pessoa precisa ter acesso a renda e autonomia. O que nos diferencia de qualquer outro banco é a intenção.”

Em parceria com plataformas de delivery, a Trampay hoje opera como uma conta-salário digital que permite fazer pix e acessar crédito. “Antes, só conseguíamos receber o dinheiro de forma quinzenal, e era uma dificuldade terrível”, diz Edilson Lopes, motoboy de Brasília. “Às vezes, faltava dinheiro para colocar gasolina na moto, ou para comprar um almoço, trocar o óleo. Agora, a gente trabalha em um dia e consegue ter acesso ao dinheiro rapidamente.”
O valor médio dos empréstimos é de R$ 150. Uma pesquisa realizada pela Trampay constatou que pelo menos 70% dos tomadores usam o crédito para cobrir necessidades básicas como alimentação, medicamentos e manutenção do veículo. Até o momento, a fintech já emprestou mais de R$ 200 milhões e movimentou R$ 1 bilhão em sua plataforma. Recebeu investimentos da Google for Startups, participou do programa de fomento ao empreendedorismo BNDES Garagem e, no fim de 2024, atingiu a marca de 80 mil usuários.
Mais do que conectar profissionais de entrega ao sistema financeiro, a Trampay também busca melhorar suas condições de trabalho. Em Brasília, a startup inovou com um ponto de apoio que oferece estrutura para descanso, guarda-volumes, micro-ondas e tomadas para carregar celular – uma iniciativa desenvolvida por gestores que já vivenciaram o “corre” diário nas ruas.
“Na pandemia, não tinha tempo para comer”, lembra o motoboy Weverton Garcez. “Eu só chegava em casa para dormir; acordava e vinha trabalhar. A gente não sentava, tinha que comer comida gelada. Passava fome e frio. Depois que a Trampay veio, a gente faz a entrega, volta para cá, esquenta a comida, descansa”, conta ele, referindo-se ao espaço de convivência criado pela empresa.
Presente em 20 estados brasileiros, o próximo passo da empresa é ampliar sua atuação para alcançar outros trabalhadores autônomos, como diaristas e profissionais de segurança. “Nosso público está à margem do sistema bancário, não tem rastro financeiro”, diz Tiago Freire, CPO da Trampay. “Hoje, somos um banco. Nosso modelo é baseado em sobrevivência, empregabilidade e elevação social.”
Agrofloresta em escala
Com um modelo de negócio baseado em parcerias rurais – como arrendamentos de dez a 20 anos – para garantir uma transição sustentável do uso da terra, a Belterra oferece assistência técnica e acesso a capital e ao mercado para pequenos e médios agricultores. Trata-se de uma solução a ser replicada em larga escala diante do desafio de restaurar os 80 milhões de hectares já desmatados ou que viraram pasto na Amazônia.
“Desde o começo, nós nos desafiamos a pensar em um modelo em larga escala de centenas de milhares de hectares para chegar a milhões de hectares no futuro”, explica Ortega, nomeado pela Fundação Schwab em janeiro de 2025 para integrar uma rede global de inovadores sociais ligada ao Fórum Econômico Mundial. “Restauração depende de escala, que depende de dinheiro. Estamos falando de bilhões de dólares, que não serão mobilizados por meio de recurso filantrópico. Então, temos que combinar modelos que sejam financiados por crédito de carbono, por biodiversidade e por produtos, como cacau e açaí.”
Os sistemas agroflorestais da Belterra miram a redução da principal fonte de emissão dos gases do efeito estufa e o desenvolvimento de novas formas de produzir alimentos, além de garantir renda para trabalhadores do campo. “Precisamos competir com a pecuária e a soja, que continuam avançando. Precisamos oferecer alternativas mais relevantes que a monocultura e o boi, criando modelos econômicos e oportunidades em regiões tropicais como a nossa, capazes de gerar renda com a biodiversidade e restaurar milhões de hectares”, afirma Ortega.
A Belterra substitui a monocultura, o desmatamento e a atividade pecuária pelo cultivo combinado de florestas e produtos como cacau, mandioca, banana, açaí e cupuaçu, em um modelo espalhado por mais de 40 mil hectares. Segundo a empresa, a estruturação das cadeias produtivas faz os ganhos dos agricultores parceiros serem dez vezes maiores do que o cultivo da soja e até 40 vezes superior ao obtido com gado.
“A Belterra trouxe uma nova forma de produzir e quebrou paradigmas na região”, diz Marcelo Brandão, proprietário da fazenda Cultrosa, em Camamu (BA), que arrendou 64 hectares para a Belterra em um contrato de dez anos. “Produzimos em parceria em torno de 10 mil arrobas de cacau por ano onde antes era pasto e se tornou área verde para produzir cacau, açaí e madeira.” A agrofloresta, diz Brandão, “é completamente diferente da lógica da monocultura e uma forma muito mais racional do uso da terra, o que faz mais sentido para os produtores, a terra e o ambiente”.
Os casos e números de impacto atraem investidores em arranjos inovadores no mercado de capitais. Entre eles estão o CRA Verde (Certificados de Recebíveis do Agronegócio Verde), com suporte do Grupo Gaia e do banco Santander, e o Fiagro (Fundo de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais), fundo focado em investidores ligados à agenda climática e à bioeconomia. O objetivo dessa engenharia financeira é levar a Belterra à captação de R$ 200 milhões nos próximos dois anos (ver edição 12 da SSIR Brasil).
Letramento com IA
Com base na análise de 2,5 milhões de redações do Enem, a plataforma Letrus usa IA para revisar em minutos textos enviados por alunos durante ou após as aulas de redação na escola. A devolutiva, fundamentada nas competências exigidas pelo exame nacional, ajuda os estudantes a superar suas deficiências e oferece a professores e gestores um diagnóstico em tempo real das turmas e de toda a rede de ensino.
“Eu me senti segura para fazer a redação no dia do Enem porque me preparei o ano inteiro. Fazia pelo menos uma redação por semana com a Letrus. A devolutiva vinha em cinco minutos, e o professor orientava depois”, conta Amanda Zampiris, aluna da rede pública do Espírito Santo que tirou a nota máxima na redação do Enem em 2023. “Não imaginava tirar mil nem nos meus melhores sonhos. Sou da roça. Virei celebridade. Passei na Universidade Federal do Espírito Santo, dei orgulho para a minha mãe. Agora sei que posso.”

A IA da Letrus vai além da correção ortográfica e gramatical para apoiar o desenvolvimento de habilidades como organização e fluidez textual, compreensão de leitura e outros aspectos para promover a alfabetização funcional. “Nosso trabalho na Letrus é fazer com que o sistema seja mais gentil. Porque ele esvazia a identidade e o texto do estudante: eles só pensam em nota, e os professores, em dizer o que está certo ou errado. É uma esteira de obrigações que não estruturam o estudante para decidir seus sonhos”, diz Junqueira.
Em 2023, a adoção da Letrus como política pública no Espírito Santo levou o estado da sexta para a primeira colocação nacional em redação no Enem. O resultado impulsionou a expansão do programa de letramento para outros oito estados, reforçando seu potencial para reduzir a desigualdade educacional entre alunos de escolas públicas e privadas no Brasil. Para Rached, o acesso ao letramento é “uma questão de dignidade”. “Quero colocar o que estamos fazendo na mão de todo o Brasil”, diz.
O impacto da ferramenta já foi reconhecido internacionalmente. Em 2019, a Letrus recebeu o Prêmio Rei Hamad Bin Isa Al-Khalifa, concedido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) a iniciativas que usam tecnologia para promover a educação. Seu efeito também foi comprovado por um estudo do J-Pal, centro de pesquisa do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), que constatou melhorias significativas nas habilidades de escrita dos alunos que usaram a plataforma.
Alan Porto, secretário de Educação do Mato Grosso, afirma que os resultados obtidos no Espírito Santo foram decisivos para a adoção do programa em seu estado. “Vi ali uma oportunidade para dar um salto e levei a Letrus para 163 mil estudantes, incluindo indígenas e quilombolas”, diz ele sobre a parceria iniciada em 2024, que segue em curso.
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*A SSIR Brasil é parceira institucional do Prêmio Empreendedor Social, realizado pela Folha de S.Paulo e pela Fundação Schwab.
