Os salva-vidas da Ucrânia em guerra
Organizações ucranianas estão treinando civis e militares em primeiros socorros e resposta médica de emergência na guerra
Por Paul Hockenos

A Rússia “está bombardeando nosso povo com artilharia, foguetes, drones – qualquer coisa que mate e mutile o maior número possível de pessoas”, diz Fedir Serdiuk. Ele é cofundador da PULSE, ONG com sede em Odessa que capacita militares ucranianos em atendimento de emergência no campo de batalha, e da FAST, empresa que ensina técnicas de primeiros socorros a civis.
Em maio de 2023, enquanto forças russas disparavam mísseis contra cidades ucranianas, a PULSE e a FAST realizavam o primeiro “Dia de Salvar uma Vida” na região de Odessa para ensinar fundamentos do controle de sangramento a cidadãos e soldados. O tutorial online de duas horas fazia parte do programa Stop the Bleed, do Colégio Americano de Cirurgiões. O treinamento contou com mais de mil participantes, que aprenderam a usar um torniquete de nível militar fornecido pelos organizadores no momento da inscrição.
“No caso de sangramento crítico, a morte pode ocorrer em três a sete minutos”, explica Serdiuk. “As chances de sobrevivência são muito maiores se outras pessoas ou soldados prestarem os primeiros socorros – manobras simples destinadas a salvar a pessoa ferida até que a assistência médica profissional seja possível.” O sucesso do evento inspirou os organizadores a expandirem o tutorial para todo o país no “Dia de Salvar uma Vida” de 2025.
O interesse de Serdiuk em primeiros socorros surgiu há uma década, quando ele cursava direito na Universidade Nacional de Odessa. Naquele ano, 2014, Vladimir Putin ordenou que tropas invadissem o leste da Ucrânia para ocupar a península ucraniana da Crimeia, a apenas 320 quilômetros de Odessa, cidade portuária do mar Negro onde vive Serdiuk. Prevendo uma guerra prolongada no horizonte, ele e seu amigo Igor Korpusov treinaram com a Cruz Vermelha para se tornar líderes certificados da equipe de resposta a emergências.
Após a certificação e enquanto treinavam socorristas civis como integrantes da Cruz Vermelha, eles perceberam que os militares de seu país estavam despreparados em termos de habilidades médicas de resposta a emergências. O trabalho de ambos também foi frustrado pela falta de suprimentos, como curativos e bandagens, torniquetes, estetoscópios, oxímetros de pulso e desinfetantes para feridas.
A necessidade urgente de habilidades e suprimentos de primeiros socorros inspirou a fundação da FAST em 2016. A missão da empresa é educar civis para agir de forma rápida e eficaz em casos de emergência. O treinamento também é adaptado para o setor privado, com foco em segurança industrial e no local de trabalho. Os cursos têm duração de 8 a 16 horas e custam entre US$ 760 e US$ 1.300, conforme o tempo de duração e as necessidades do cliente. A equipe de uma fundição, por exemplo, exigiria um treinamento de 12 horas que abrangesse primeiros socorros para lesões comuns que podem ocorrer durante o trabalho com metais, incluindo estancar sangramentos, tratar ossos quebrados e resfriar queimaduras. Desde a criação da empresa, a equipe de mais de 20 instrutores certificados treinou aproximadamente 60 mil civis em técnicas de primeiros socorros, da ressuscitação cardiopulmonar à aplicação de torniquetes.
Quando a Rússia invadiu a Ucrânia em fevereiro de 2022, os cofundadores da FAST fizeram uma parceria com Leonid Kopus, formado pela Universidade Nacional de Medicina de Odessa, para estabelecer a PULSE, organização sem fins lucrativos dedicada a desenvolver as habilidades médicas operacionais dos defensores armados do sul do país. Em pouco mais de dois anos, a PULSE treinou 32 mil membros das Forças Armadas, polícia nacional e patrulha de fronteira da Ucrânia em métodos de atendimento médico de emergência.
Treinando uma nação
A PULSE oferece às forças de defesa ucranianas três tipos de Atendimento Tático a Vítimas de Combate desenvolvidos pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos: um curso de 7 horas para todos os militares, um de 40 horas para militares não médicos em operações de combate e um de 63 horas para médicos militares. O centro da PULSE e seus 30 instrutores são certificados pelas seções europeias da Associação Nacional de Técnicos de Emergência Médica dos EUA. Os treinamentos são gratuitos e conduzidos por uma equipe de dois a quatro instrutores, vários dos quais também trabalham para a FAST.
A PULSE cresceu rapidamente, registrando mais de 1.700 trainees por mês no início de 2023. Também enfrenta obstáculos e limitações com soluções engenhosas que refletem as hierarquias enxutas, flexíveis e horizontais que a guerra fomentou na Ucrânia. Por exemplo, recrutaram veteranos, muitos dos quais se feriram em combate, como treinadores de resposta a emergências. Foi uma maneira de lidar com a questão econômica do desemprego entre ex-combatentes e com o aspecto social de seu bem-estar, ao engajá-los em um trabalho significativo.
A organização trabalha atualmente para integrar tecnologia e habilidades de transfusão de sangue em seus cursos, aproveitando uma recente mudança na legislação ucraniana que permite que um espectro mais amplo de pessoal médico conduza os procedimentos. Esse projeto é possível graças a uma variedade de doadores, incluindo uma campanha online de financiamento coletivo e doações de equipamentos das ONGs ucranianas Slava Ukraini e Sidus Vitae, além da Delta Development Team, com sede no Arizona, fabricante de sistemas de refrigeração que doou unidades para armazenamento de sangue. O projeto está acontecendo em cooperação com o Centro de Coordenação de Transplantes da Ucrânia, seguindo orientações do Ministério da Saúde. As doações são igualadas pela Iniciativa Comunitária do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento, que fornece financiamento para instituições de caridade locais que oferecem cuidados de saúde e ajuda humanitária.
Além do apoio financeiro da FAST e de empresas privadas ucranianas, a PULSE é financiada por organizações da diáspora, incluindo United Help Ukraine, Ukrainian American House e Razom for Ukraine. Um décimo das doações vem de indivíduos e grupos que tomaram conhecimento da PULSE nas redes sociais ou por meio de conexões com a diáspora. Em junho de 2024, por exemplo, um grupo de professores e alunos de uma escola no Alasca doou US$ 2 mil para a organização.
“Há muitas organizações civis apoiando o esforço militar de alguma forma”, explica Natalia Klymova, vice-diretora da ONG ucraniana Ednannia, que ajuda ONGs, incluindo a PULSE, a arrecadar dinheiro. “O Exército está lutando na guerra, mas a sociedade civil está fazendo todo o resto”, diz ela, acrescentando que a Ednannia também gerencia doações de alimentos e suprimentos médicos. Klymova admite que as estruturas militares podem ser parceiras complicadas, mas afirma que as Forças Armadas na Ucrânia não têm escolha a não ser cooperar, dado o papel crucial que grupos como PULSE e Ednannia assumiram no esforço de guerra.
Resistência civil
No espírito do movimento da sociedade civil da Ucrânia durante a guerra, PULSE e FAST exemplificam a nova ponte entre as esferas civil e militar – e sua importância para o esforço de guerra em um país superado em armas e número de tropas por um inimigo muito maior. Um estudo de 2022 concluiu que 80% dos ucranianos doaram seu próprio dinheiro para apoiar o esforço militar.
Além de oferecer treinamentos em toda a Ucrânia, a PULSE expandiu seu alcance no exterior, inclusive para a Estônia, sua aliada do norte. Em outubro de 2023, seis instrutores visitaram a academia militar do país, com sede em Tartu, para participar de um intercâmbio de conhecimentos médicos com as Forças Armadas estonianas. “Os instrutores da PULSE compartilharam informações que desconhecíamos sobre a medicina tática local na guerra”, diz o tenente estoniano Walter Voomets. Ao entender melhor o contexto ucraniano, diz ele, a Estônia pode fornecer apoio mais direcionado à Ucrânia.
A PULSE também está trabalhando com algumas das unidades de forças especiais mais estimadas da Ucrânia, como o 73º Centro de Operações Especiais Navais, o equivalente ucraniano dos SEALs, tropa de elite da Marinha dos EUA. Os militares ucranianos costumam lutar atrás das linhas inimigas, onde “pode levar muito tempo desde o momento da lesão até a evacuação para o ponto de estabilização durante algumas operações”, disse o médico-chefe de combate do 73º, que atende pelo codinome Romaha, em uma entrevista de 2024 ao tabloide britânico Metro. O treinamento, acrescentou, tem sido fundamental para a sobrevivência da unidade e o número de perdas relativamente baixo, permitindo que realizem missões muito atrás das linhas inimigas que, de outra forma, seriam muito arriscadas.
“O apoio do Ocidente à defesa da Ucrânia de seu território determinará o destino do país”, observa Serdiuk. Atualmente, armamento e munição estão chegando de maneira esporádica, enquanto os suprimentos da Rússia permanecem abundantes. O trabalho da PULSE não vai parar até que a guerra acabe, o que Serdiuk está convencido de que acontecerá apenas com a expulsão total da Rússia dos territórios ucranianos.
O AUTOR
Paul Hockenos é um escritor que mora na Alemanha e cobre a Europa Central e Oriental há 25 anos. é autor de cinco livros.