O poder das compras corporativas de impacto

As decisões de compra corporativa podem incentivar a transformação socioambiental nas cadeias produtivas
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As compras corporativas de impacto têm sido uma estratégia pouco explorada, apesar de seu potencial para promover transformação socioambiental em larga escala. Compras corporativas são todas as aquisições de materiais, insumos, produtos ou serviços realizadas por empresas para viabilizar suas operações e seu crescimento. Mas as compras de impacto, em adição, incorporam critérios socioambientais no momento de escolha dos fornecedores, priorizando aqueles comprometidos com práticas ambientais responsáveis e com a inclusão social. Essa abordagem estimula o fortalecimento de negócios de impacto e contribui para o avanço dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). 

Segundo a Aliança Global para o Empreendedorismo Social, dois terços do potencial de impacto positivo de uma empresa estão concentrados em suas cadeias de fornecimento. Ainda assim, a adoção de critérios socioambientais nas decisões de compra esbarra em obstáculos estruturais, culturais e operacionais. Processos internos rígidos, foco na redução de custos no curto prazo e falta de metas integradas limitam a capacidade das empresas de incluir fornecedores de impacto, perpetuando modelos pouco alinhados à inovação e à responsabilidade socioambiental. 

Quando adotadas com consistência e intencionalidade estratégica, as compras de impacto fortalecem a competitividade das empresas, impulsionam transformações nas cadeias de valor e incentivam padrões mais robustos de responsabilidade corporativa. Também contribuem para o amadurecimento da economia de impacto no Brasil.

Oportunidade para a economia de impacto

Diante das dificuldades em direcionar investimentos para negócios de impacto, inclusivos e sustentáveis, chama atenção o potencial ainda inexplorado nas cadeias de valor, especialmente no mercado B2B (sigla para business-to-business, quando empresas vendem produtos ou serviços para outras empresas). 

Apenas a SAP Business Network – uma das principais plataformas globais de gestão da cadeia de suprimentos – movimenta cerca de US$ 3,75 trilhões por ano em transações entre empresas e conecta mais de 5,3 milhões de companhias no mundo todo. Se apenas 1% desse volume fosse destinado a negócios de impacto, mais de US$ 300 bilhões poderiam ser redirecionados para iniciativas socioambientais, contribuindo de forma significativa para reduzir o déficit de financiamento estimado em US$ 1 trilhão para o cumprimento dos ODS. 

No Brasil, já existem negócios de impacto estruturados e aptos a atender o mercado corporativo, com soluções que geram resultados positivos nas dimensões social e ambiental. Segundo o Mapa de Negócios de Impacto Socioambiental 2023, 59% dessas empresas atuam no modelo B2B e 36% no B2B2C (sigla para business-to-business-to-consumer, de empresa para empresa para cliente final), com muitas operando em ambos os formatos. Mais da metade (55%) está nas fases de organização e pré-escala, o que reforça a importância do acesso a mercados para a consolidação de seus modelos e para o ganho de escala. 

Desafios para quem compra e para quem vende 

O que ainda impede a integração dos negócios de impacto socioambiental às cadeias de fornecimento de grandes corporações? Para responder a essa pergunta, a Yunus Negócios Sociais e a Aspen Network of Development Entrepreneurs (ANDE), em parceria com a SAP Business Network, realizaram o estudo Ecoa Cenários: Compreendendo as compras corporativas de impacto no Brasil. O levantamento mapeou desafios e oportunidades na relação entre corporações e negócios de impacto e serviu de base para a criação da Ecoa – Coalizão para Compras de Impacto, voltada à construção de um ambiente mais favorável à inserção desses negócios nas cadeias corporativas. 

A pesquisa, que reuniu dados de mais de cem organizações – incluindo empresas, negócios de impacto e dinamizadoras –, revelou que oito em cada dez corporações têm metas estratégicas relacionadas à responsabilidade socioambiental em suas cadeias de valor. Ainda assim, persistem três grandes barreiras que dificultam o avanço da pauta:

Dificuldade de conexão entre negócios de impacto e corporações | Faltam mapeamentos organizados que identifiquem, classifiquem e conectem negócios de impacto aptos a fornecer produtos e serviços às grandes empresas. Embora existam guias e materiais produzidos por organizações dinamizadoras, a descentralização dessas informações e a ausência de uma taxonomia comum dificultam o acesso por parte dos departamentos de compras, pouco familiarizados com as especificidades do setor de impacto. 

Burocracia e barreiras institucionais | Lideranças de negócios de impacto apontam entraves como o excesso de exigências no cadastro de fornecedores, normas rígidas de compliance e prazos longos de pagamento. As políticas empresariais atuais, muitas vezes padronizadas para grandes fornecedores tradicionais, dificultam parcerias com negócios de impacto, limitando sua participação em um mercado cada vez mais voltado à responsabilidade socioambiental. Em alguns casos, esses obstáculos têm sido contornados por práticas de inovação aberta, que permitem contratações pontuais em pequena escala – mas ainda restritas a situações de inovação reconhecida. 

Falta de capacitação e sensibilização | As equipes de compras, em grande parte, não acompanharam o avanço das agendas de sustentabilidade e inclusão nas últimas décadas, o que se reflete em um baixo nível de letramento sobre impacto socioambiental. Ao mesmo tempo, muitos fornecedores de impacto ainda desconhecem os processos corporativos de aquisição e enfrentam dificuldades para estruturar suas operações conforme as exigências do mercado.

Essas barreiras resultam de fatores econômicos, culturais e organizacionais e dificultam o acesso dos negócios de impacto a contratos relevantes com grandes corporações. As assimetrias de poder se acentuam diante da resistência institucional à mudança e da preferência por modelos tradicionais de gestão, que limitam a inovação e enfraquecem o desenvolvimento de cadeias de valor mais sustentáveis. 

Metas centradas em redução de custos de curto prazo e a ausência de alinhamento entre áreas – como sustentabilidade, compras e finanças – geram tensões com os objetivos socioambientais. Quando tratada de forma isolada, a sustentabilidade perde força como diretriz estratégica. Embora sua transversalidade apareça com destaque nos discursos de gestão, a integração de critérios de sustentabilidade ao cotidiano corporativo ainda é limitada, dificultando avanços consistentes. 

Esse descompasso afeta também as estruturas internas, exigindo ajustes em fluxos e políticas que nem sempre contam com o apoio das áreas responsáveis por gestão de riscos e processos. Iniciativas voltadas à flexibilização de regras ou à criação de programas específicos enfrentam resistência, muitas vezes justificada por preocupações com compliance e governança. 

A experiência da L’Oréal ilustra bem essa ambiguidade. Alavancada pela estratégia L’Oréal for the Future, um desafio global de sustentabilidade com metas para 2030, a empresa implementou o programa Inclusive Sourcing. O programa promove a integração de comunidades vulnerabilizadas à cadeia de suprimentos da empresa por meio da aquisição de produtos e serviços de fornecedores que promovem inclusão social e preservação ambiental. No Brasil, beneficia especialmente famílias das regiões Norte e Nordeste, que fornecem insumos naturais extraídos de forma sustentável. 

A política de seleção de fornecedores também valoriza critérios de diversidade e inclusão. Empresas lideradas por mulheres, afroempreendedores, refugiados e pessoas LGBTQ+, com deficiência, com mais de 50 anos ou vulnerabilizadas socioeconomicamente recebem uma pontuação diferenciada no processo de seleção técnica de fornecedores.

A despeito de sua intencionalidade, a multinacional não está livre de desafios internos, especialmente relacionados à burocracia e à resistência à mudança. Com o objetivo de integrar as compras de impacto às metas estratégicas da empresa, o comitê executivo da L’Oréal passou a ter uma linha de bônus vinculada ao aumento do número de beneficiados pelo programa Inclusive Sourcing, demonstrando o apoio corporativo à iniciativa e incentivando a busca por fornecedores diversos. Além disso, a corporação realiza advocacy interno para promover as compras de impacto, com o propósito de fomentar um constante relacionamento entre seus diversos setores em relação a esse tema.

Recomendações 

As compras corporativas de impacto podem impulsionar a transformação socioambiental, mas enfrentam a lentidão de sistemas organizacionais ainda pouco adaptados. O estudo Ecoa Cenários propõe recomendações para acelerar esse processo por meio da ação coordenada entre empresas, negócios de impacto, governos e organizações dinamizadoras, com soluções ajustadas ao papel de cada um: 

  • Organizações dinamizadoras e negócios de impacto podem colaborar na criação de bancos de fornecedores qualificados, facilitando o acesso de grandes empresas a soluções comprovadas. 
  • Dinamizadoras podem produzir conteúdos informativos e guias de boas práticas para a seleção de fornecedores, com critérios de sustentabilidade, inovação e valor compartilhado. 
  • Dinamizadoras e corporações podem desenvolver programas voltados à qualificação técnica e à preparação de fornecedores para atender às exigências de grandes contratos. 
  • Empresas podem adaptar sua governança interna, integrando áreas como sustentabilidade, compras, inovação e compliance por meio de grupos multidisciplinares e processos decisórios compartilhados. 
  • Governos podem impulsionar esse ecossistema por meio de compras públicas sustentáveis, como previsto na Estratégia Nacional de Contratações Públicas para o Desenvolvimento Sustentável (ENCP), e com políticas regulatórias que valorizem empresas com impacto comprovado em suas cadeias de valor. Iniciativas como o Contrata Mais Brasil e o Decreto nº 12.516 – que reserva 8% das vagas em contratações públicas para mulheres vítimas de violência doméstica – reforçam esse papel estratégico.
  • Todos os atores podem formar grupos de trabalho voltados ao intercâmbio de experiências e à construção conjunta de soluções. 

À medida que governos, empresas e negócios de impacto superam os obstáculos do mercado, consolida-se um cenário de ganhos compartilhados: as corporações fortalecem sua competitividade e reputação, enquanto os negócios de impacto ampliam sua escala e sustentabilidade. Mais do que uma tendência promissora, as compras corporativas de impacto representam uma estratégia concreta para integrar desempenho econômico e responsabilidade socioambiental. Para que cumpram esse papel, é preciso decisões corajosas que reposicionem o poder de compra como alavanca real de transformação. 

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As decisões de compra corporativa podem incentivar a transformação socioambiental nas cadeias produtivas. Para entender esse cenário, a Yunus Negócios Sociais e a Aspen Network of Development Entrepreneurs (ANDE), em parceria com a SAP Business Network, realizaram o estudo Ecoa Cenários: Compreendendo as compras corporativas de impacto no Brasil. O artigo discute resultados do estudo, além de traçar recomendações para acelerar o processo de adoção das compras de impacto