Meio ambiente

O legado dos heróis invisíveis da reciclagem

O desaparecimento da função de coordenador de reciclagem é uma prova de uma história de sucesso ambiental: a institucionalização da reciclagem no ensino superior

Por Daniela Blei

foto de três pessoas segurando caixas com símbolos de reciclagem estampados e garrafas plásticas dentro
Foto: Shutterstock / Chayanuphol

Grace Augustine, professora associada de negócios e sociedade na Escola de Administração da Universidade de Bath, no Reino Unido, pesquisa sobre sustentabilidade desde a pós-graduação, com atenção especial a como grandes organizações, entre elas faculdades e universidades, podem reduzir o desperdício e mitigar impactos climáticos. No entanto, a área conta com um número limitado de estudos longitudinais e históricos, o que levou Augustine a se perguntar se as mudanças ambientais dentro das organizações realmente geram efeitos substanciais e duradouros. 

Em parceria com Michael Lounsbury, professor de gestão estratégica, organizações e sociologia na Universidade de Alberta, no Canadá, Augustine se propôs a analisar a institucionalização da reciclagem no ensino superior. Acompanhados por Leanne Hedberg, professora associada de empreendedorismo e inovação na Universidade MacEwan em Edmonton, e Tae-Ung Choi, professor assistente de gestão na Escola de Negócios da Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong, eles se concentraram nos esforços de um grupo extinto: os coordenadores de reciclagem, cargo criado na década de 1990 em resposta ao ativismo ambiental de estudantes nos Estados Unidos e no Canadá. Em um novo estudo, os pesquisadores investigam se o trabalho desses profissionais fez diferença a longo prazo.

Um verdadeiro tesouro de dados primários deu a eles acesso a 25 anos de conversas em 445 instituições de ensino superior da América do Norte. Um fórum online ativo, criado em 1995 para que coordenadores de reciclagem colaborassem entre si, compartilhassem ideias e se apoiassem mutuamente, ofereceu uma visão única do cotidiano desses profissionais.

“Esses dados não foram criados com uma pesquisa em mente”, diz Augustine. “Não houve um questionário elaborado para responder às perguntas de um estudo. Os dados são conversas do dia a dia e vêm de uma época em que as pessoas conversavam muito livremente online.”

Com mais de 9 mil páginas de texto com espaçamento simples, provenientes de conversas e mensagens no fórum da Coalizão de Reciclagem de Faculdades e Universidades (CURC, na sigla em inglês), foi necessário recorrer a um algoritmo de amostragem por aprendizado de máquina para identificar os temas mais relevantes e filtrar questões mais triviais, como a localização ideal para lixeiras de reciclagem. Ao treinar o algoritmo, os pesquisadores conseguiram avaliar se as mudanças ao longo do tempo foram realmente significativas. Diante das críticas recorrentes ao greenwashing e de estudos que mostram como movimentos sociais podem gerar resultados positivos apenas no curto prazo, a prioridade deles foi entender os efeitos a longo prazo – e verificar se as pressões e compromissos impulsionados pelos movimentos resultaram em mudanças que se expandiram e perduraram.

“Gerentes de sustentabilidade me dizem hoje que devem muito aos coordenadores de reciclagem”, diz Augustine. “Isso me fez refletir sobre alguns dos heróis não reconhecidos do movimento ambiental e como funcionários comuns podem desempenhar um papel importante na mudança de suas organizações.”

A equipe também entrevistou coordenadores de reciclagem que, juntos, acumulavam 141 anos de experiência na função – todos já aposentados. À medida que esses coordenadores compartilhavam memórias e refletiam sobre seus papéis, os pesquisadores discutiam com eles os achados preliminares, buscando compreender melhor como viam seu trabalho. O desaparecimento do cargo, agora incorporado às funções dos gestores de sustentabilidade contratados por universidades e faculdades para lidar com metas ambientais mais ambiciosas, é um testemunho das conquistas alcançadas pelos coordenadores de reciclagem.

“Existe um lugar-comum amplamente repetido entre profissionais de sustentabilidade: ‘Se eu for bem-sucedido, vou ficar sem emprego’. Esse estudo sugere que isso é, de fato, verdade”, afirma Andrew J. Hoffman, professor de empreendedorismo sustentável na Universidade de Michigan. “Coordenadores de reciclagem buscaram implementar novas práticas operacionais dentro das burocracias em que atuavam. Nesse processo, acabaram também contribuindo para o fim da própria profissão. Mas, em vez de encarar isso como um sinal de fracasso, isso pode ser visto como um sinal de progresso.”

Veja o estudo completo:Wasted? The Downstream Effects of Social Movement-Backed Occupations”, por Grace Augustine, Leanne Hedberg, Tae-Ung Choi e Michael Lounsbury, Administrative Science Quarterly, v. 70, n. 1, 2024.

 

SOBRE A AUTORA

Daniela Blei é historiadora, escritora e editora de livros acadêmicos. Seu trabalho pode ser lido em daniela-blei.com/writing

 

*Artigo publicado originalmente na edição 12 da SSIR Brasilleia aqui a edição completa

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